Fernando Haddad, o ‘coringa’ de Lula em 2026

  • Categoria do post:JOTA

Fernando Haddad deixará o governo, no máximo, em fevereiro. E fez questão de anunciá-lo durante uma entrevista de fim de ano para os jornalistas que cobrem o Ministério da Fazenda. Na coletiva, o ministro manifestou ainda a intenção de atuar na campanha do presidente Lula à reeleição. E foi categórico ao afirmar que não pretende se candidatar a nada nas eleições de 2026.

Essa postura reflete um certo cansaço do ministro da Fazenda, após uma série de derrotas nas urnas iniciada em 2016 e anos de uma relação desgastante com colegas de Esplanada e correligionários do PT.

No momento mais difícil da história do PT, no auge da Lava Jato, Haddad recebeu apenas 16% dos votos dos paulistanos na tentativa de se reeleger prefeito de São Paulo — João Doria levou no primeiro turno, com 53%.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Com Lula já preso, Haddad assumiu a chapa presidencial petista de 2018. A bênção do padrinho político à sua candidatura ocorreu dentro da cela do petista na Superintendência Regional da PF em Curitiba. Chamado desdenhosamente de “Poste do Lula” por adversários e antipatizantes, foi novamente derrotado, desta vez por Jair Bolsonaro. Mas conseguiu a proeza de levar o PT ao segundo turno da eleição presidencial, apenas dois anos após o impeachment de Dilma Rousseff e com o maior ícone do partido na cadeia. Uma proeza.

Quatro anos mais tarde, em 2022, concorreu ao governo de São Paulo em ambiente ainda hostil ao petismo, principalmente no interior do Estado. Acabou derrotado por Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro, mas seu desempenho foi estratégico para a apertada vitória de Lula na eleição nacional. Como prêmio, foi alçado a ministro da Fazenda no terceiro mandato do líder petista.

Haddad passou os últimos três anos na cadeira mais importante da Esplanada, de onde impulsionou uma agenda econômica altamente questionada pelo mercado, mas vista como bem-sucedida pelo Palácio do Planalto.

Durante boa parte do mandato, teve como maior antagonista no governo Rui Costa (Casa Civil). E viu o PT, sob a presidência da ainda deputada Gleisi Hoffmann, classificar como “austericídio” a política de reequilíbrio fiscal que ele tentava implementar, com corte de gastos e meta de déficit zero. Hoje ministra das Relações Institucionais, Gleisi vestiu a camisa e tem jogado a favor de Haddad.

O ministro atuou também como articulador político com o Congresso em temas de interesse de sua pasta. Tornou-se interlocutor com a Câmara quando o então presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), cortou relações com o antecessor de Gleisi, Alexandre Padilha. E agora, neste fim de ano, também intermediou uma reaproximação entre Lula e Hugo Motta (Republicanos-PB), o que facilitou a vida do governo nas últimas votações da agenda econômica no Congresso.

Haddad atravessou crises como a do PIX e a derrubada do decreto do IOF, sob críticas de todos os lados — governo, PT, militância, Congresso, imprensa, mercado. Mais recentemente, viu estremecer a amizade com Gabriel Galípolo, seu ex-número dois na Fazenda, por conta da continuidade da política de juros altos do Banco Central.

Por outro lado, o ministro armou o arcabouço fiscal e conseguiu emplacar a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil e a reforma tributária. E, nos estertores do ano parlamentar, inseriu a taxação das bets no PL que promove um corte linear de 10% nos benefícios fiscais. Assim, o governo adentra 2026 “com a casa arrumada”, sem nenhum grande tema econômico na agenda do Congresso no ano eleitoral.

A trajetória da dívida pública e a fama de gastadora da gestão petista ainda causam arrepios na Faria Lima. Mas o desemprego no país está em patamar recorde de baixa, a inflação voltou para dentro da banda superior da meta e a carestia de alimentos, que fustigava a popularidade do presidente, está controlada. Esses são ativos que Lula pretende levar para a campanha à reeleição.
No banco de reservas

Apesar da vontade manifesta do ministro de não se candidatar, há enormes pressões para que ele dispute a eleição em São Paulo no ano que vem. Mas sua saída do cargo, antes do prazo de desincompatibilização previsto pela lei eleitoral, tem outro propósito relevante.

Haddad será o substituto de Lula, no caso de a saúde do presidente octogenário se deteriorar repentinamente, como ocorreu com Joe Biden, nos EUA. Até o momento, Lula esbanja vigor para um homem da sua idade, 80 anos. E faz questão de demonstrar o bom preparo físico, por exemplo, ao invariavelmente subir correndo a rampa em espiral que leva ao terceiro andar do Planalto, onde fica seu gabinete, ao final de cada evento no Salão Nobre. Mas, se o imponderável acontecer, Haddad está no banco de reservas.

Palanque em São Paulo

Só que o que Lula e o PT desejam de fato é que o ministro esteja no palanque em São Paulo, seja para concorrer ao Bandeirantes, seja disputando o Senado. O petista precisa de uma chapa forte no Estado, e considera inclusive empurrar o vice-presidente Geraldo Alckmin para dentro desse tabuleiro, a depender das circunstâncias.

Haddad e Lula foram derrotados por Tarcísio e Bolsonaro no Estado em 2022. Mas tiveram votações superiores aos adversários na capital paulista, o que contribuiu e muito para a apertada vitória de Lula na eleição presidencial daquele ano.
Em uma entrevista coletiva no Planalto na última quinta-feira, 18, o presidente afirmou que o ministro “tem maioridade e biografia” para decidir o que fazer. Mas, diante de um Haddad mudo, deixou clara sua preferência.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

“Eu gostaria que ele fosse candidato. Para o quê, eu não sei, eu preciso perguntar para ele. Mas eu acho que é impossível você imaginar uma pessoa da envergadura do Haddad deixar o Ministério da Fazenda e voltar para casa”, disse Lula.

Um ‘pedágio’ para Haddad

Aliados afirmam que Haddad está de fato determinado a não disputar a eleição. Mas admitem que, mesmo a contragosto, ele dificilmente negaria um pedido do presidente para se candidatar.

Lá na frente, um cenário citado por várias fontes em Brasília, é o retorno de Haddad ao governo em 2027, desta vez à frente da Casa Civil, em um eventual Lula 4. Isso o cacifaria ainda mais para a sucessão presidencial em 2030.

Essa hipótese é tida como muito plausível dentro do Planalto e entre aliados do ministro. Mas muitos acreditam que, para se manter no jogo para o pós-Lula, Haddad terá que “pagar o pedágio” e ir mais uma vez para o sacrifício em São Paulo, na difícil eleição do ano que vem.