Para onde vai o trabalho infantil – Parte 2

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Seguimos, nesta coluna, com a discussão iniciada na edição passada, sobre a condição dos influencers mirins e o problema da vedação – total ou parcial – do trabalho infantil no Brasil. Trata-se, afinal, de trabalho? E, sendo trabalho, é trabalho “artístico”?

Sigamos.

Também no âmbito do Ministério Público do Trabalho, foi instaurado procedimento preparatório n. 003982.2021.02.000/0, com o objeto de apurar trabalho com idade inferior a 18 anos (trabalho artístico em plataforma digital).

Para tanto, foi constituído o Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) para atuação perante o procedimento, sendo colhidos os depoimentos de especialistas como George Valença, Guilherme Guimarães Feliciano – este amigo de vocês que responde pela presente coluna –, Sandra Cavalcante e Renata Cristina de Oliveira Tomaz.

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Após a colheita dos depoimentos, entendeu o Grupo Especial de Atuação Finalística GEAF que, em conjunto com o MP/RJ e o MP/SP, fosse realizado acordo de cooperação técnica com a empresa, em que proposta (a) a estruturação de Política de Prevenção e Combate ao Trabalho Infantil dos influenciadores digitais mirins, inclusive com estratégias de monitoramento das ações, metas e resultados atingidos, mediante a elaboração de um plano de identificação, prevenção, eliminação e mitigação dos impacto negativos das atividades econômicas da empresa no direito fundamental de crianças e adolescentes ao não trabalho antes da idade mínima; (b) a alteração de Termos de Uso da Plataforma, para conter diretrizes sobre a prática do trabalho de crianças e adolescentes, por meio das plataformas digitais, prever, como requisito para criação de canais/conta com conteúdo digital protagonizados por crianças e adolescentes, a exigência de alvará judicial, elevar o piso etário de criação de canais /contas para 18 anos, conforme padrão etário constitucional legal e de direito comparado e conter limitação expressa de publicidade dirigida a crianças; (c) inclusão, em política de segurança infantil da empresa, de diretrizes/cláusulas contendo a vedação expressa ao trabalho infantil proibido na forma da Constituição e das leis ordinárias, inclusive em ambiente digital.

Foi também proposta (d) a alteração dos requisitos dos Programas de Monetização das Plataformas, a fim de exigir a apresentação de alvará judicial autorizativo para fins de produção de conteúdo digital por crianças e adolescentes; (e) a comunicação ao MPT e ao MPE, sobre a identificação dos titulares de contas que apresentaram alvará judicial; e (f) a adoção de tecnologia (inclusive por meio de mecanismos de inteligência artificial), que permita identificar, em canais criados e cadastrados por pessoas adultas, o protagonismo de crianças e adolescentes na produção do conteúdo publicado – com adoção de providências de regularização por parte da Plataforma, mediante suspensão da conta/canal até sua adequação aos termos de uso e ao ordenamento jurídico, para fins de exigência de alvará judicial, e/ou banimento/exclusão da conta/canal.

Também buscou-se a sugestão de (g) estabelecimento de fluxo e intercâmbio de informações entre MPT, MPE e plataformas, para fins de identificação de canais/contas criados e cadastrados por pessoas adultas, em que se verifique o protagonismo de crianças e adolescentes na produção do conteúdo publicado; (h) criação de mecanismos de notificação dos titulares de canais/contas, apontados pelo MPT e MPE como ambientes de produção de conteúdo protagonizado por crianças e adolescentes, para fins de apresentação do alvará judicial, sob pena de suspensão e/ou banimento da conta; (i) a apresentação ao MPT e ao MPE de relatórios semestrais sobre as ações, metas e resultados alcançados no plano da identificação, prevenção, eliminação e mitigação dos impactos negativos da atividade econômica da empresa; e (j) divulgação de Manual Orientativo sobre o trabalho infantil no ambiente digital. Contudo, informou o MPT que a empresa apresentou desinteresse na solução extrajudicial.

Por fim, diante do inquérito civil e do procedimento preparatório mencionados, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público do Estado de São Paulo, conjuntamente, distribuíram a ACP 1001427-41.2025.5.02.0007 em face da empresa Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., perante a Justiça do Trabalho de São Paulo – justificando, para tanto, que não se trata de ACP com objeto de determinar a expedição de alvará para o trabalho infantil artístico (o que, por decisão vinculante do STF, seria de competência da Justiça da Infância e Juventude), mas, ao revés, de ação que visa à responsabilização da empresa frente aos ilícitos trabalhistas que ocorrem em plataformas digitais por ela geridas, sobretudo a sua atitude omissiva em tolerar o trabalho infantil de influenciadores(as) digitais, crianças e adolescentes, de quaisquer idades, em seu ambiente digital e em qualquer contexto/conteúdo, ao arrepio da legislação, sem qualquer medida concreta relacionada à proteção integral dos infantes e/ou à exigência de alvará para o desenvolvimento da atividade artística, para fins de cadastro e continuidade de contas/perfis no Facebook ou no Instagram.

Por sua vez, com relação à questão de direito, apresentaram os órgãos do Parquet fundamentação no sentido de que plataformas digitais nada mais são do que “um verdadeiro palco virtual, no qual se apresentam, diariamente, crianças e adolescentes, sem restrição de idade, protagonizando canais/perfis em seu nome ou de terceiros”, sendo que a ré toleraria, permitiria, incentivaria e remuneraria o trabalho infantil artístico de influencers mirins de qualquer idade em seu ambiente digital, sem qualquer medida concreta relacionada à exigência de alvará para tais situações, apesar de possuir responsabilidade social  imperativa quanto à promoção e proteção de direitos humanos em suas zonas de influência (no que se inclui, claro, o direito humano fundamental de não trabalho antes da idade mínima, nos termos da legislação nacional e internacional aplicável).

Pelo contrário, expuseram os autores que o agente econômico (ré) estava se beneficiando de uma situação ilícita, qual seja, o trabalho proibido de crianças e adolescentes, o que, inclusive, atrai a obrigação de reparar o dano a outrem causado por seu ato ilícito.

Diante disso, foi postulado na ação a concessão de tutela provisória de urgência antecipada ou, alternativamente, de tutela de evidência, condenando-se a ré, em caráter liminar, na obrigação de (a) abster-se de admitir ou de tolerar, na produção de conteúdo digital em suas plataformas, a realização de trabalho infantil artístico, sem o prévio alvará judicial expedido pela autoridade judiciária competente, sob pena de multa (astreinte) no valor de R$ 500 mil por criança ou adolescente que se exponha comercialmente sem prévia autorização mediante alvará; e (b) abster-se de admitir ou de tolerar, na produção de conteúdo digital em suas plataformas, a realização de trabalho infantil artístico, cujo conteúdo implique em prejuízos à formação ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do indivíduo, criança ou adolescente, como a exploração sexual, presença de bebida alcoólica, erotização, adultização, jogos de azar, entre outras, sob pena de multa de R$500 mil por criança ou adolescente que se exponha comercialmente.

Em definitivo, postularam os autores que a empresa (a) abstenha-se de admitir ou de tolerar, na produção de conteúdo digital em suas plataformas, a realização de trabalho infantil artístico, sem o prévio alvará judicial expedido pela autoridade judiciária competente, sob pena de multa de R$ 500 mil por criança ou adolescente que se exponha comercialmente sem prévia autorização mediante alvará; (b) abstenha-se de admitir ou de tolerar, na produção de conteúdo digital em suas plataformas, a realização de trabalho infantil artístico, cujo conteúdo implique em prejuízos à formação ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do indivíduo, criança ou adolescente, como a exploração sexual, presença de bebida alcoólica, erotização, adultização, jogos de azar, entre outras, sob pena de multa de R$500.000,00 por criança ou adolescente que se exponha comercialmente.

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Ao fim, como tutela jurídica estrutural, pediram que a ré fosse condenada para (a) estruturar política de prevenção e combate ao trabalho infantil artístico em suas plataformas digitais, contendo, pelo menos, estratégias de monitoramento das ações, metas e resultados atingidos, bem como plano de identificação, prevenção e mitigação dos impactos negativos das atividades econômicas da empresa no direito fundamental de crianças e adolescentes ao não trabalho antes da idade mínima ou ao trabalho protegido do(as) adolescentes entre 16 e 18 anos; (b) implementar e cumprir fluxo de identificação de trabalho infantil artístico em suas plataformas digitais, inclusive por meio da adoção de mecanismos de inteligência artificial, bem como fluxo de exigência de providências imediatas para regularização dos respectivos canais, por meio da suspensão da conta/canal até a comprovação da obtenção de alvará judicial, e de exclusão da conta/canal, em caso de não adequação, sob pena de multa de R$ 500 mil por descumprimento da obrigação, renovável a cada constatação de descumprimento; (c) alterar requisitos do programa de “monetização” de suas plataformas digitais, passando-se a exigir, para os canais/contas em que realizado trabalho infantil artístico, a prévia apresentação de alvará expedido pela autoridade judiciária competente, sob pena de multa de R$ 500 mil por descumprimento da obrigação; (d) incluir em sua política de segurança infantil, termos de uso e similares, diretrizes/cláusulas contendo a vedação expressa ao trabalho infantil proibido na forma da Constituição, convenções internacionais e das leis ordinárias, em suas plataformas digitais, sob pena de multa de R$ 500 mil por descumprimento da obrigação; e (e) pagar indenização, a título de danos morais coletivos, no valor de R$ 50 milhões, quantia a ser revertido para o Fundo da Infância e Adolescência (FIA), Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos (FID-SP), Fundo dos Direitos Difusos (FDD) ou, ainda, na forma do previsto no art. 5º da Resolução Conjunta CNJ/CNMP 10 de 29/05/2024.

E o que decidiu a 7ª Vara do Trabalho de São Paulo, afinal?

É o que por fim veremos, com as devidas ponderações crítico-reflexivas, na próxima coluna. Até lá!