Fato ou Fake: o que é verdade sobre o novo decreto no mercado de VA e VR?

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Sob o pretexto de alerta regulatório, previsões alarmistas e equivocadas vêm sendo disseminadas sobre o Decreto 12.712/2025, que moderniza o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Operadoras de vale-alimentação e vale-refeição que atualmente detêm mais de 80% do mercado têm vindo à público com argumentos que, na visão da Câmara Brasileira de Benefícios ao Trabalhador (CBBT), distorcem a realidade para manter o status quo e preservar suas margens de lucro. 

Com assinatura presidencial em novembro, o decreto redefine o funcionamento do mercado ao alterar a relação entre supermercados, restaurantes, trabalhadores e operadoras de benefícios. A atualização do PAT foi largamente debatida pelo governo com sindicatos laborais e os mais variados representantes do segmento; ainda assim, as mudanças viraram alvo de uma ofensiva. 

A retórica aponta para um cenário de imprevisibilidade regulatória, colapso sistêmico e enfraquecimento de uma das mais longevas políticas públicas em prol dos empregados brasileiros. 

Contudo, uma análise técnica realizada pela CBBT – liderada por Caju, Flash e Swile – aponta que esses argumentos são falaciosos e visam manter as vantagens de um oligopólio que prejudicava pequenos estabelecimentos, tirava a liberdade de escolha dos trabalhadores e era parte responsável pelo aumento do preço dos alimentos e refeições.  

Veja o que é fato e o que é falso sobre o novo decreto no mercado de VA e VR:

  • O “arranjo aberto” não é seguro 

Falso. Cartões de benefícios com bandeiras como Visa, MasterCard e Elo – usados em “maquininhas” de players como Stone, Cielo, Rede e GetNet – possuem tecnologias de ponta capazes de rastrear transações e bloquear qualquer tentativa de utilização em estabelecimentos que não sejam focados em alimentação. 

O protocolo MCC (“código de categoria de comerciante”, em tradução livre), usado por empresas como Flash, Caju e Swile, garante parâmetros que impedem o desvio de finalidade e o uso dos vales refeição e alimentação em locais como postos de gasolina, lojas de roupa ou farmácias, por exemplo. 

Vale ressaltar ainda que, como empresas de tecnologia, as novas entrantes do mercado de benefícios têm mecanismos antifraude e de análise de conformidade robustos, que extrapolam CNAE, MCC e outros tipos de dados, resultando em mais de 7 mil estabelecimentos comerciais descadastrados ou bloqueados ao ano. 

Tudo isso corrobora o fato de que os cartões de benefícios bandeirados são rastreáveis e bastante seguros. Prova disso é que os próprios incumbentes do setor, que vêm alardeando insegurança no modelo das novas entrantes, também oferecem produtos no arranjo aberto, inclusive no âmbito do PAT.  

Ademais, essa discussão é extemporânea, já que o arranjo aberto sempre foi permitido, inclusive tendo virado lei (14.442/2022). 

  • Benefícios podem virar meio de pagamento em bets

Falso. A lei 14.442/2022 veda o saque dos benefícios em dinheiro e o seu uso para bens e serviços não alimentares – e, conforme citado anteriormente, o arcabouço tecnológico evita desvios de finalidade. 

Além disso, a Lei 14.790/2023, que regulamenta as bets, junto com portarias subsequentes do Ministério da Fazenda, estabelece que, a fim de evitar o superendividamento dos brasileiros, não é permitido usar cartões de crédito para realizar apostas. 

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, tem sido enfático sobre a segurança dos cartões de benefícios bandeirados. Em entrevistas, ele reforçou que não há espaço para bets ou desvios, pois o controle é rigoroso, digital e rastreável.

  • Mudanças e prazos impostos pelo decreto vão gerar colapso operacional

Falso. A aleação de risco operacional para cumprir exigências e prazos do decreto não se sustenta à luz das práticas já adotadas no mercado. As determinações são de 90 dias para reduzir o repasse aos comerciantes para 15 dias e as taxas a 3,6%; 180 dias para empresas que atendem a partir de 500 mil trabalhadores migrarem para o arranjo aberto; e 360 dias para a interoperabilidade total entre bandeiras. 

Hoje, as grandes operadoras de benefícios da rede fechada oferecem antecipação de recebíveis com liquidação em D+1, mediante cobrança de taxas, o que demonstra que os processos de checagem antifraude são instantâneos. 

A adequação das taxas (MDR de até 3,6%), por sua vez, é mera negociação de regras de negócio, algo que tanto adquirentes quanto emissores já realizam rotineiramente, sem qualquer evidência de que haverá risco sistêmico se feito em maior escala. 

A migração para o arranjo aberto e a interoperabilidade total entre bandeiras também não é novidade no sistema financeiro. Existem precedentes com prazos semelhantes. A abertura do mercado de adquirência, em 2010, é um exemplo bem-sucedido e diretamente relacionado. À época, os estabelecimentos eram obrigados a operar com múltiplas “maquininhas” – modelo ainda presente no PAT. 

O fim do modelo fechado nesse mercado gerou efeitos concretos: redução média de 18% nas taxas de crédito e de 30% nas de débito, além do aumento da concorrência.

  • Imposições trarão complicações contratuais para as empresas

Exagerado, pois só vale para contratos irregulares. O Decreto 12.712/2025 consolida regras que já estavam estabelecidas no ordenamento brasileiro. Portanto, as disposições exigem ajustes contratuais apenas para empresas que ainda mantêm cláusulas ou práticas associadas ao rebate, proibidas desde a Lei 14.442/2022.

Apesar da vedação legal, alguns operadores continuaram a praticar distorções de forma indireta, por meio de benefícios como cestas de Natal, patrocínio de festas de fim de ano, subsídios de academia, descontos em planos de saúde e outras vantagens alheias à alimentação do trabalhador. 

O decreto elimina qualquer margem de interpretação: o governo deixou claro e reforçou que operadores que insistirem nesse modelo podem perder a autorização para atuar no PAT e prejudicar os seus clientes. 

Para empresas em conformidade, nada muda. Para as demais, a adequação é objetiva e administrativa: revisão contratual para excluir práticas de rebate ou mudança de contrato de arranjo fechado para aberto. Apesar das adaptações necessárias, a avaliação dos especialistas é que não será algo problemático para as empresas contratantes. 

  • O “arranjo fechado” é o único que garante controle nutricional 

Falso. Não existem evidências de que o hábito alimentar do trabalhador seja influenciado pelo tipo de vale que recebe. Também não há dispositivos tecnológicos na rede fechada que monitorem calorias ou a qualidade do que é consumido. Uma prova disso é que os cartões de benefícios do arranjo fechado também são aceitos em redes de fast food, sorveterias e docerias, entre outros. O controle nutricional é um pilar do PAT garantido pela lei, não pelo modelo de processamento financeiro. 

Ao reduzir taxas cobradas dos estabelecimentos (agora limitada a 3,6%), o decreto permite que ofereçam comida de melhor qualidade a preços mais competitivos. “O resultado será uma cesta básica mais barata e um sistema mais justo”, esclarece João Galassi, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). 

  • O novo decreto irá concentrar o mercado

Falso. O mercado de benefícios é um dos mais concentrados da economia brasileira, com quatro empresas dominando cerca de 80% do faturamento do segmento. As mudanças instituídas pelo Decreto 12.712/2025, em especial o arranjo aberto, facilitam o acesso de novas empresas ao setor, retirando barreiras de entrada. 

Além disso, desobrigam comerciantes a aceitar taxas abusivas, que eram usadas para financiar a prática de rebate – desvio de parte do valor destinado à alimentação do trabalhador para gerar ganhos comerciais à empresa, o que desvirtua a finalidade do PAT e é vedado pela legislação.

Na prática, a abertura do arranjo funciona como uma vacina contra a concentração, permitindo que a competição se dê pelo produto,  qualidade do serviço prestado e pela redução de preços, não por controle e reserva de mercado. 

O efeito vem sendo sentido desde 2019, quando surgiram as primeiras operadoras de benefícios com atuação no arranjo aberto; desde então, a concentração do mercado passou de 90% para 80%.

  • O PAT está em cheque 

Falso. O Programa de Alimentação do Trabalhador não está acabando; pelo contrário, está se fortalecendo com as recentes mudanças regulatórias. 

Dados da LCA Consultores indicam que cerca de 74% dos estabelecimentos não aceitam vale-refeição, consequência direta das altas taxas (que chegam a 10%) e dos prazos de repasse prolongados (até 60 dias) – o que reduz a rede de aceitação, limita o poder de escolha do trabalhador e impõe custos elevados aos comerciantes.

Paralelamente, o PAT passou a ser utilizado pelas empresas incumbentes como instrumento para obtenção de vantagens comerciais em contratos entre empresas e operadoras de benefícios, o chamado rebate. Essa distorção concentrou o setor e deslocou o foco do programa do trabalhador para maximização de ganhos indiretos.

O Decreto 12.712/2025 enfrenta esses problemas ao reduzir as margens das operadoras e desarticular a lógica do rebate. Com isso, a concessão dos benefícios volta a ser orientada pelo propósito legítimo de promover a saúde nutricional dos trabalhadores, um avanço para uma das políticas sociais mais importantes do país.