O ano era 2020 e, de uma hora para outra, nos vimos trancados em casa. A corrida global para a produção de uma vacina que combatesse o até então desconhecido vírus da Covid-19, jogou luz à importância dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) para o desenvolvimento de produtos em saúde essenciais para salvar vidas. E naquele momento, a população brasileira tomou ciência, na prática, de um fato assombroso: nosso país possui uma gritante dependência externa que compromete a segurança sanitária nacional.
Para se ter uma ideia, o Brasil importa cerca de 95% do IFAs utilizados na produção de medicamentos — oriundos majoritariamente de países como China e Índia — um cenário que limita a competitividade da indústria farmoquímica instalada no país e aumenta a vulnerabilidade do sistema de saúde a variações cambiais e geopolíticas.
Para mitigar tais riscos à soberania nacional no que tange à saúde pública, o governo brasileiro segue trabalhando para potencializar o Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Uma iniciativa que, sem dúvidas, trará bons frutos ao país.
Quando trazemos para o contexto da cannabis medicinal, um setor que cresce a cada ano no Brasil em demanda por produtos e número de pacientes, temos uma alternativa palpável para curar a nossa dependência externa que passa pela regulamentação do cultivo de cannabis no Brasil. A produção nacional de IFAs derivados de cannabis poderia reduzir em até 60% o custo desses insumos no país com o cultivo nacional.
Esse dado da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), construído a partir da experiência dos associados, joga luz a uma oportunidade de reduzir não só a dependência externa como também o custo do produto final que chega ao paciente. Tal informação foi utilizada na petição protocolada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a União junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), solicitando a prorrogação em 180 dias para a conclusão da regulamentação do cultivo de cannabis sativa L. para fins medicinais e farmacêutico, sensibilizando a relevância de se estruturar uma regulação aplicável e de impacto. O pedido foi acatado e o prazo foi prorrogado para até 31 de março de 2026.
A prorrogação da regulamentação reverbera a complexidade técnica e institucional do tema, que envolve múltiplos órgãos públicos — entre eles os Ministério da Saúde e da Agriculta, além da própria Anvisa — com a devida necessidade de ampliar o diálogo com o setor produtivo, a comunidade científica e a sociedade civil.
Diálogo esse que será de grande valia para a formulação de uma norma reguladora moderna, segura e capaz de estimular o desenvolvimento da indústria farmacêutica instalada no Brasil.
Maior acesso, mais empregos
O ponto de partida para discutir qualquer nova terapia ou medicamento deve ser a ampliação do acesso da população brasileira a tratamentos seguros, eficazes e capazes de melhorar a qualidade de vida. Nesse sentido, a regulamentação assume um papel essencial ao garantir que produtos derivados de cannabis cheguem aos pacientes com padrões de segurança, qualidade e rastreabilidade assegurados pela Anvisa, uma das autoridades regulatórias mais respeitadas do mundo. Ao mesmo tempo, esse avanço regulatório contribui para o fortalecimento da indústria instalada no país e para o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional, sempre tendo como objetivo final ampliar o acesso da sociedade a alternativas terapêuticas de qualidade.
O impacto positivo da regulamentação do cultivo de cannabis resultará ainda em ganhos econômicos ao país, exemplificado pela geração de empregos qualificados, transferência de tecnologia e atração de novos investimentos em pesquisa, cultivo e processamento de insumos farmacêuticos.
Previsibilidade regulatória
O avanço do processo regulatório representa uma oportunidade estratégica para o país, uma vez que a definição de parâmetros claros para o cultivo controlado de cannabis permitirá maior previsibilidade e segurança jurídica para as empresas, incentivando o planejamento de investimentos e a consolidação de uma base produtiva nacional robusta e segura.
Em suma, a partir de um ambiente regulatório estável e inclusivo, o Brasil poderá não apenas reduzir custos e dependências externas, mas também ocupar um papel de destaque na produção global de IFAs e medicamentos derivados de cannabis.
Por vezes, o remédio pode ser amargo. Mas no final das contas, costuma valer a pena.