Publicado em novembro deste ano, o decreto que atualiza o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) foi recebido como um avanço por especialistas e entidades ligadas ao setor, que apontam a correção de distorções e uma maior competitividade no mercado como consequências diretas. O texto dá mais transparência às regras dos vale-refeição (VR) e vale-alimentação (VA), além de incentivar a entrada de pequenos comerciantes, medidas que, segundo analistas ouvidos pelo JOTA, também geram ganhos ao consumidor.
Entre as principais mudanças trazidas no Decreto 12.712/2025 estão a criação de um teto de 3,6% na taxa cobrada de estabelecimentos comerciais que aceitem VR ou VA; a definição de 15 dias como prazo máximo para o repasse dos valores pagos (antes, esse prazo poderia chegar a 60 dias); e a chamada interoperabilidade, que permite às “maquininhas” aceitarem todos os cartões de VR ou VA em qualquer estabelecimento filiado ao PAT, independentemente da bandeira.
O governo já estudava modernizar o programa há mais de dois anos, desde que a Lei 14.442/2022 introduziu a permissão de arranjos abertos no setor. Nesse modelo, as funções são separadas – uma empresa atua como instituidora (a “bandeira” do cartão), outra é responsável pela emissão do benefício (o “banco”) e uma terceira faz o credenciamento dos estabelecimentos, ou seja, opera a maquininha que aceita o pagamento.
No arranjo fechado, que prevalecia até então, a mesma companhia acumulava todas essas atividades. Nesses casos, apenas maquininhas próprias aceitavam uma determinada bandeira, o que restringia a aceitação dos vales por muitos comerciantes. Embora o modelo aberto já fosse permitido, o novo decreto proibiu de vez o arranjo fechado para as grandes operações, estabelecendo prazo para que as empresas se adaptem às novas regras.
O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi, explica que, na prática, havia um oligopólio no segmento de VR e VA, já que apenas quatro entidades operam no arranjo fechado: “Empresas de arranjo aberto, que inclusive aplicam taxas menores do que a estabelecida pelo governo, não tinham como competir com o grupo que atualmente domina o mercado e controla os preços. Com as alterações, o governo obriga todas as empresas a migrar para o arranjo aberto”.
Para Roberto Longo, diretor executivo do Sonda Supermercados e vice-presidente da Abras, a abertura no mercado tende a facilitar as negociações entre as partes envolvidas. “Não temos como discutir preço quando a empresa domina toda a cadeia”, esclarece. “Todos vão ganhar: bares, restaurantes, supermercados, hipermercados, atacadistas e, principalmente, a população. Haverá mais opções, com a queda da taxa e a redução do prazo de pagamento servindo de estímulo para a concorrência”.
Essa opinião também é compartilhada por Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). “Quando há uma redução dos juros cobrados do vendedor do produto, seja ele um bar ou supermercado, uma parte do ganho financeiro no prazo e na taxa será repassado no preço”, afirma. Para o economista, antes, as taxas estavam diluídas nos preços dos produtos. “Ninguém pergunta, na hora de estabelecer o preço do supermercado, se a venda será no cartão do PAT ou por outro meio. O preço é o mesmo”.
Aumento de beneficiados
Criado em 1976, o PAT oferece incentivos fiscais a empresas que dão benefícios alimentares aos seus funcionários como VR e VA. O objetivo principal do programa é melhorar as condições nutricionais dos trabalhadores brasileiros, especialmente os de baixa renda. Atualmente, o PAT conta com mais de 320 mil empresas cadastradas, beneficiando 22 milhões de trabalhadores em todo o país. Agora, com o novo decreto em vigor, a expectativa é que esses números aumentem, pois com taxas menores e a competitividade alta, mais empresas podem oferecer o benefício aos seus trabalhadores em troca de incentivos fiscais.
Fernando Blower, diretor-executivo da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), observa que a dinâmica da sociedade mudou desde que o PAT foi criado. “O peso da alimentação fora do lar não era tão grande e foi preciso criar, inclusive, instrumentos como restaurantes dentro de fazendas no meio rural ou dentro de fábricas no meio urbano para poder ajudar na alimentação do trabalhador”, explicou. O cenário atual é outro: as refeições fora de casa ganharam relevância com as dinâmicas de trabalho modernas e a distância entre casa e trabalho.
“Além disso, há famílias cada vez menores e pessoas morando sozinhas. O ato de cozinhar em casa ficou mais raro, caro e trabalhoso. As mudanças de hábito da sociedade levam as pessoas a consumir cada vez mais a comida preparada em estabelecimentos”, diz Blower. Apesar das mudanças, ele aponta que o princípio do PAT continua preservado desde a sua criação: garantir a nutrição do trabalhador beneficiado.
O diretor-executivo da ANR destaca ainda o avanço da tecnologia como outro diferencial no mercado ao longo das últimas décadas, lembrando que a operacionalização dos primeiros VAs de papel gerava um alto custo. “As taxas cobradas até agora faziam sentido nos anos 1980, 1990 e 2000, por causa dessa complexidade. Porém, a digitalização dá mais escala e reduz o custo. Com o novo decreto, isso tende a vir para patamares mais razoáveis”.