O Tribunal de Contas da União (TCU) avalia, periodicamente, a evolução do cenário de paralisação de obras públicas financiadas com recursos da União, para dar transparência ao uso do dinheiro público.
Segundo o seu relatório de 2024 (Acórdão 2600/2024-Plenário), 52% das obras vigentes (22.958) estavam paralisadas.
A última atualização em abril de 2025 do “Painel de obras paralisadas do TCU” mostrou que das 22.621 obras mapeadas, 11.469 estão paralisadas, o que representa 50,7% do total.
As áreas mais afetadas são educação e saúde, que concentram 70% das paralisações, trazendo inevitavelmente problemas à população, que sofrem com a falta de escolas e de postos de saúde. Os estados com mais obras paralisadas são Maranhão, Bahia, Pará e Minas Gerais, nesta ordem.
Com efeito, a rápida solução dos litígios que dão causa à paralisação destes contratos de obra não está no Judiciário brasileiro, que está sobrecarregado. Conforme se vê dos dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), até 30/9/2025, havia 75,3 milhões de processos em tramitação, sendo que 29,6 milhões de processos foram distribuídos em 2025.
A taxa[1] de congestionamento dos processos era de 69,4% (bruta) e de 63,8% (líquida). O tempo médio de duração entre o início do processo e o primeiro julgamento no 1º grau era de 1.295 dias, no 2º grau era de 178 dias e nos Tribunais Superiores era de 231 dias.
Diante destes dados – e de forma pragmática – , faz-se necessário buscar outros métodos adequados de solução de conflitos (MASCs), como a mediação, os dispute boards e a arbitragem, já previstos pela Lei de Licitação e Contratos Administrativos (Lei 14.133/21).
Há inclusive, nesta lei, a previsão de aditamento dos contratos já existentes para inclusão destes métodos adequados. Para a administração destes procedimentos dos MASCs há Câmaras especializadas, com seus regulamentos próprios, como por exemplo a CAMARB (Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial). A administração dos procedimentos por instituições como a CAMARB é salutar para garantir a adequada publicidade dos procedimentos que envolvem a Administração Pública.
Recentemente, o TCU, atento a esta questão dos MASCs, por meio de acórdão relatado pelo ministro Antonio Anastasia, recomendou à empresa estatal incorporar, no edital, no contrato ou em futuras contratações, o uso de Dispute Board em modalidade permanente e vinculante (DAAB), para a prevenção e para resolução dos litígios resultantes entre as partes contratantes (Acórdão TUC 2191/2025/Plenária), independentemente de haver ou não regulamentação do instituto pela Administração Pública.
O Dispute Board consiste em mecanismo extrajudicial voltado para a prevenção e resolução de disputas, em que um comitê, composto por profissionais especializados e independentes, acompanha periodicamente a execução do contrato. Sua adoção visa justamente evitar paralisações das obras, reduzir custos com litígios, oferecer soluções especializadas e céleres, viabilizando a entrega de obras no prazo e preservando o relacionamento entre as partes.
Entre as vantagens na utilização do modelo DAAB (Dispute Avoidance and Adjudication Board), proposto neste recente no Acórdão do TCU estão: i) aumento da probabilidade de a obra acabar no prazo contratado; ii) custos significativamente menores do que lidar com frequentes litígios nos projetos de construção; iii) alta taxa de resolução imediata de disputas entre as partes; iv) celeridade na resolução das disputas submetidas ao DB; v) melhoria do ambiente de negócios; vi) prevenção dos conflitos evitando a suspensão da obra; vii) mitigação do risco da “indústria de pleitos” ou de pleitos frívolos ou sem fundamento técnico/jurídico; e viii) aperfeiçoamento da gestão contratual.
O TCU chamou a atenção para um estudo comparativo entre obras com e sem Dispute Board, extraído do mercado australiano de infraestrutura, apontando que 81% das obras com Dispute Board se encerram sem atrasos, em contraste com 56% das obras sem Dispute Board.
Sobre os custos do DB tem-se que eles são significativamente menores do que os litígios dos projetos de construção. Os custos dos DBs variam, em média, entre 0,05% e 0,25% do valor total do contrato. Em projetos onde disputas foram encaminhadas aos DBs ou houve problemas complexos, o custo variou de 0,04% a 0,26%.
Foi anotado também pelo TCU que é alta a taxa de resolução de disputas internamente, com base em um estudo sobre projetos de construção nos EUA (1975-2007) que revelou que a eficácia dos DBs na prevenção de conflitos foi de aproximadamente 50% para um conjunto de 810 projetos.
Para os 50% restantes que tiveram disputas, a eficácia do comitê foi superior a 90%. Para outros extratos de alcance global, 58% dos empreendimentos (com valor médio de US$ 42 milhões) foram concluídos sem disputas com a presença de DBs. Mais de 98% de 2.700 contratos analisados tiveram suas disputas integralmente resolvidas no âmbito do próprio Dispute Board.
Sobre a celeridade na resolução das disputas, as decisões variam em torno de 84 a 95 dias, mostrando a grande discrepância com os prazos de processos judiciais.
Ora, por tudo que foi dito, parece não haver dúvidas de que a utilização deste método assegura o interesse da coletividade e a adequada utilização dos recursos públicos. Ainda, contribui para melhorar a estrutura de governança contratual, promovendo benefícios como a prevenção de litígios ou a sua imediata solução e, também, a segurança jurídica. Lembra-se que o instituto do DB (juntamente com a arbitragem) é previsto nos guidelines do Banco Mundial, que exige a previsão destes mecanismos em cláusulas escalonadas nos contratos decorrentes do seu financiamento.
Assim, diante de todos estes fundamentos anotados pelo TCU, extraídos de dados estatísticos coletados mundo a fora, inclusive pela Dispute Resolution Board Foundation com sede nos EUA (que há mais de 50 anos estimula e promove o instituto no mundo), tem-se em como reposta a pergunta incialmente feita: Sim, podem os Dispute Boards resolver o problema da paralisação de mais da metade das obras públicas federais e o TCU parece já estar convencido disto!
A “roda já está inventada” e vem sendo plenamente utilizada em todo o mundo, com grande eficácia. Basta a utilização do instituto, da forma como foi concebida e com responsabilidade nos contratos administrativos brasileiros.
[1] A taxa é calculada da seguinte forma: Casos Pendentes/(Casos Pendentes +Processos Baixados)