A intensificação de eventos climáticos extremos tem colocado a crise climática no centro do debate público e jurídico no Brasil. Se antes o tema parecia restrito à esfera ambiental, hoje ele influencia a formulação de políticas públicas, a estruturação de projetos de infraestrutura, a atuação dos órgãos de controle e a própria compreensão do desenvolvimento econômico nacional.
Nos últimos anos, o Brasil experimentou situações que evidenciam a urgência de respostas estruturadas: as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, a crescente ocorrência de secas e queimadas, além de episódios meteorológicos severos em grandes centros urbanos, como o registrado em São Paulo, que alcançou, em janeiro deste ano, 125,4 mm de precipitação em um único dia e paralisou parcialmente metrôs e trens – o terceiro maior volume de chuva registrado na capital paulista[1].
Em comum, tais episódios revelam a vulnerabilidade da infraestrutura nacional e a ausência histórica de mecanismos sólidos de resiliência climática.
Compromissos internacionais e o avanço da governança climática
O Brasil consolidou, nos últimos anos, compromissos relevantes no cenário internacional, especialmente por meio do Acordo de Paris (2015) e das metas reafirmadas na COP26 (2021). O país assumiu a responsabilidade de reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030 e de alcançar a neutralidade de carbono até 2050. Tais compromissos pressionam o Estado a desenvolver políticas públicas coerentes, capazes de integrar planejamento climático, desenvolvimento econômico e justiça ambiental.
Além disso, neste mês o Brasil recebe a COP30, realizada em Belém, no Pará[2]. Esta é a primeira vez que a Conferência das Partes ocorre na Amazônia, o que imprime ao encontro não apenas simbolismo, mas também responsabilidade concreta em relação à agenda ambiental global. O local escolhido reforça a centralidade da região amazônica no equilíbrio climático mundial, em razão de sua relevância ecológica, de seus estoques de carbono e de sua vulnerabilidade crescente ao desmatamento e às mudanças no regime hidrológico.
A COP30 tem se destacado pela busca de compromissos mais ambiciosos para mitigação e adaptação, especialmente diante da necessidade de acelerar o cumprimento das metas previstas no Acordo de Paris. Entre os temas centrais estão: financiamento climático para países em desenvolvimento, mecanismos de compensação por perdas e danos, proteção de povos indígenas e comunidades tradicionais, transição energética e estratégias de preservação da biodiversidade amazônica.
A realização da cjoonferência em território brasileiro fortalece o protagonismo do país no debate internacional e cria oportunidades para consolidar políticas públicas internas de resiliência climática, justiça ambiental e desenvolvimento sustentável aliado à proteção florestal.
Nesse contexto, vale mencionar também que o Tribunal de Contas da União (TCU), no exercício da presidência da Organização Internacional das Instituições Superiores de Controle (Intosai), lançou o ClimateScanner, uma iniciativa global voltada a diagnosticar a atuação governamental frente às mudanças climáticas. Trata-se de instrumento relevante para ampliar a transparência, permitir comparações internacionais e orientar melhorias regulatórias e de gestão, reforçando a centralidade do tema na agenda dos órgãos de controle.
Avanços legislativos: educação climática e políticas públicas integradas
No plano legislativo, o PL 2.813/2024 propõe a destinação de recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente para ações de educação e capacitação da população para responder a desastres climáticos. A proposta prevê desde campanhas de conscientização até treinamento prático sobre prevenção, mitigação e procedimentos de emergência.
Além disso, o PL propõe alterar a Lei 9.795/1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, para incorporar de forma expressa a dimensão climática e considerar vulnerabilidades regionais – reconhecendo que os impactos das mudanças climáticas não se distribuem de forma homogênea pelo país.
Essas iniciativas dialogam com a necessidade de políticas públicas não apenas reativas, mas preventivas, em consonância com o princípio da precaução e com as diretrizes de adaptação previstas no Acordo de Paris.
A resposta estadual: o caso do Rio Grande do Sul
Em âmbito subnacional, o Rio Grande do Sul instituiu o Funrigs, no contexto do Plano Rio Grande, como reação às enchentes de 2023 e 2024. O Decreto estadual 57.647/2024 define que o fundo atuará no planejamento e execução de ações destinadas ao enfrentamento das consequências sociais, econômicas e ambientais dos eventos climáticos extremos.
Entre as prioridades, destacam-se:
- restabelecimento e reconstrução da infraestrutura logística e de mobilidade urbana e rural;
- recuperação da infraestrutura de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança;
- ações habitacionais para populações vulneráveis atingidas;
- realocação definitiva de famílias residentes em áreas de risco;
- investimentos estruturais e tecnológicos voltados à resiliência climática.
O Funrigs se apresenta como modelo potencial para outros estados brasileiros, demonstrando que a adaptação climática exige fontes estáveis de financiamento e governança institucional especializada.
Infraestrutura, transição energética e novos parâmetros de planejamento
O setor de infraestrutura tornou-se um dos principais vetores das discussões climáticas. O transporte responde por cerca de metade das emissões de GEE do país, o que coloca a transição energética – rumo ao uso de biocombustíveis, hidrogênio verde e eletrificação – no centro do planejamento público.
Iniciativas municipais, como o projeto de implementação de ônibus elétricos na Rede Integrada de Transporte (RIT) de Curitiba, por exemplo, apontam para uma mudança de paradigma em direção a sistemas urbanos de mobilidade de baixo carbono.
De modo geral, a adaptação e a mitigação no setor de infraestrutura envolvem três grandes desafios:
- Necessidade de investimentos robustos
Estima-se que, apenas para acompanhar a expansão urbana e recuperar o passivo social e logístico existente, os investimentos brasileiros em infraestrutura terão de superar R$ 1 trilhão na próxima década. A incorporação de critérios climáticos aumenta a complexidade e o custo, mas reduz o risco sistêmico.[3]
- Modernização de sistemas existentes
Grande parte das redes de energia, saneamento e transporte foi projetada para condições climáticas que já não refletem a realidade atual. O retrofit climático passa a ser requisito para continuidade dos serviços públicos essenciais.
- Integração federativa e intersetorial
A resiliência climática demanda coordenação entre União, Estados, Municípios, agências reguladoras, empresas concessionárias e instituições financeiras. Sem planejamento integrado, medidas isoladas tendem a ser insuficientes ou ineficazes.
Conclusão: atenção crescente, mas ainda insuficiente
O movimento recente indica que o Brasil, de fato, começou a incorporar a urgência da crise climática na formulação de políticas públicas, na atuação dos órgãos de controle e no planejamento de infraestrutura. Contudo, ainda há distância relevante entre o reconhecimento do problema e sua efetiva superação.
A construção de um país resiliente exige:
- continuidade dos investimentos;
- arcabouço jurídico atualizado e coerente;
- mecanismos permanentes de financiamento climático;
- educação e engajamento social;
- participação ativa do setor privado;
- cooperação internacional e federativa.
Se a crise climática finalmente recebe mais atenção, o desafio agora é transformar essa atenção em políticas públicas consistentes, duradouras e capazes de proteger vidas, garantir direitos fundamentais e promover um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.
[1] https://correio.rac.com.br/agenciabrasil/capital-paulista-registra-terceiro-maior-volume-de-chuva-da-historia-1.1615817?utm.
[2] https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/cop30.
[3] https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/colegiados/comite-interministerial-de-planejamento-da-infraestrutura/relatorio-pilpi-consolidado-20211215-v2-sem-logo-gf.pdf.