Justiça inglesa considera BHP responsável pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana

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A Alta Corte da Inglaterra considerou a BHP responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, no município de Mariana (MG), operada pela Samarco Mineração, em 2015. O desastre causou a morte de 19 pessoas e impactou comunidades e o meio ambiente de toda a bacia do Rio Doce e região costeira. A decisão também confirmou a validade dos acordos celebrados no Brasil. O resultado do julgamento inglês foi divulgado nesta sexta-feira (14/11) e a mineradora comunicou que vai recorrer.

Como a Justiça inglesa aceitou os acordos firmados no Brasil, ela deve avaliar caso a caso os valores de indenização já recebidos pelas vítimas e municípios. Assim, a quantia inicial da ação, estimada em R$ 230 bilhões para os 700 mil atingidos e municípios, deve ser reduzida. Em comunicado ao mercado, a Vale informou que vai provisionar até 31 de dezembro de 2025 mais US$ 500 milhões para as obrigações decorrentes do rompimento da barragem.

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Em 30 de setembro de 2025, a Vale já havia reconhecido uma provisão de US$ 2,401 bilhões para obrigações sob o Acordo Definitivo no Brasil, de R$ 170 bilhões, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo não sendo parte da ação em Londres, a Vale é acionista da Samarco junto com a BHP e, em julho de 2024, as empresas firmaram um acordo confidencial pelo qual a responsabilidade será compartilhada igualmente nos processos que tramitam na Justiça tanto na Inglaterra quanto na Holanda.

Após a confirmação da responsabilidade da mineradora, o processo na Inglaterra entra em outro momento, em que a Justiça vai checar a conexão da BHP com os prejuízos alegados e o valor a ser indenizado caso a caso – incluindo pessoas físicas e municípios. Essa etapa está prevista para começar em outubro de 2026 e seguir até o segundo trimestre de 2027.

Os municípios que aderiram ao acordo de repactuação brasileiro não poderão ser indenizados pela Justiça britânica porque receberam os valores no Brasil. Dessa forma, a decisão deve atingir 31 das 49 cidades atingidas. Serão beneficiados pela decisão estrangeira municípios como Mariana (MG) e Ouro Preto (MG), que não assinaram o acordo brasileiro.

Segundo Felipe Hotta, CEO do escritório Hotta Advocacia e sócio do escritório Pogust Goodhead, que conduziu o processo na Inglaterra, a Justiça britânica deve analisar três cenários: quem teve a quitação geral e irrestrita, quem teve a quitação geral, mas com exclusão de direitos – como, por exemplo, danos futuros à saúde – e um terceiro cenário em que a quitação não é geral nem irrestrita.

Hotta comemorou a decisão britânica e destacou que ela gera um importante precedente de responsabilização das empresas estrangeiras que atuam em outros territórios também em seus países de origem. “É um marco histórico, 10 anos esperando. A melhor parte foi a questão da extraterritorialidade. Obtivemos uma sentença que afirma que a BHP, que está na Inglaterra, é responsável sim pelo crime que aconteceu aqui no Brasil. Então, assim, frente a COP, o que isso significa é gigantesco”, afirmou.

Para Hotta, a decisão deve mudar a relação das empresas com o Brasil. “Vai acabar com essa relação neocolonialista que sempre existiu de extrativismo no Brasil por empresas estrangeiras, sem se importar com o bem-estar social e com o desenvolvimento econômico. A decisão vai mudar a forma como são feitas as relações comerciais no Brasil.”

E nota, o advogado e autor da tese que levou o caso de Mariana à corte inglesa, Thomas Goodhead, comemorou a decisão da justiça inglesa. “Com a decisão de hoje, as mineradoras agora vão ter que começar a pagar pelo que sempre fizeram: destruir a vida das comunidades locais e seguir em frente até a próxima ‘tragédia’. Agora, no caso de Mariana, fica claro que não haverá impunidade.”

Na avaliação de Goodhead, o caso abre um precedente internacional e vai balizar outras ações semelhantes que já estão em curso, como o caso de Brumadinho, que corre na Alemanha, e o de Alagoas, que tramita na Justiça da Holanda.

“Como autor da tese, estou extremamente orgulhoso por ter lutado nesse caso durante oito anos em nome das vítimas — e os resultados começam a aparecer”, disse. “Trata-se, é claro, de um marco na história do Direito Ambiental do planeta. Multinacionais se aproveitam de um mercado globalizado para maximizar lucros, mas devem também ser responsabilizadas de forma global – sobretudo quando não encontram a devida reparação no país do crime, como foi o caso de Mariana”, completou.

Em nota, a BHP informou que continua empenhada na implementação do acordo firmado no Brasil. “A BHP continua confiante de que as medidas tomadas no Brasil são o caminho mais efetivo para uma reparação integral às pessoas atingidas e ao meio ambiente e seguirá com sua defesa no caso britânico.”

Segundo a empresa, desde 2015, aproximadamente R$ 70 bilhões de reais foram pagos diretamente às pessoas da Bacia do Rio Doce e direcionados às entidades públicas no Brasil. Mais de 610 mil pessoas receberam indenização, incluindo aproximadamente 240 mil autores na ação do Reino Unido que outorgaram quitações integrais.