Todos aqueles que habitam o Brasil desde o início do ano já sabiam que uma das mais presentes pautas de 2025 seria a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), oficialmente inaugurada nesta segunda-feira (10/11) em Belém.
Ao longo dos últimos meses tivemos a temática da Conferência inserida no dia a dia brasileiro em reportagens, discussões governamentais, iniciativas empresariais e de organizações não governamentais. Sustentabilidade ambiental e reflexões sobre iniciativas para frear efeitos das mudanças climáticas foram temas constantes na agenda nacional.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
A discussão também passa pela inovação: inovar está no cerne do debate da sustentabilidade. Será por meio do novo que a humanidade poderá resolver a questão climática. E são diferentes os campos em que tal inovação se faz premente – bem como elevados os desafios para incentivá-la. A propriedade intelectual é ferramenta de incentivo à criatividade por excelência e vive da inovação.
Como melhor moldar o sistema de PI às necessidades ambientais é tema há alguns anos presente na área. Dada a proeminência da COP da Amazônia neste mês de novembro, parece oportuno dar visibilidade a essas iniciativas e debates.
Invenções verdes e matchmaking sustentável da WIPO
Soluções técnicas para endereçar problemas ambientais ocupam lugar em diferentes ramos da ciência. Pensemos em melhoria de eficiência energética de motores e máquinas, soluções em biocombustíveis, veículos elétricos, formulações biodegradáveis, apenas para nomear alguns.
Invenções técnicas inovadoras, em propriedade intelectual, são traduzidas em patentes. Neste contexto, visando incentivar investimento em inovações capazes de evoluir em termos ambientais, diferentes países pensaram na possibilidade de facilitar procedimentos dos escritórios nacionais para obtenção de patentes que protejam estas invenções.
Desde 2016, o INPI adotou mecanismos de trâmites prioritários para patentes de invenções verdes da mesma forma que o fizeram países como Australia, Canada, China, Israel, Japão, Coréia do Sul, Reino Unido e Estados Unidos[1]. Como mostra o “Observatório de Tecnologias Verdes”, publicado pelo INPI em 2024[2], 1.097 invenções foram beneficiadas pelo fast track, sendo a maioria depositantes brasileiros (852). Realmente o processo tem se mostrado ágil: em média, o INPI leva 9 meses contados do pedido de exame para decidir sobre a concessão desse tipo de patente.
As áreas de “gerenciamento de resíduos sólidos” e “energia alternativa” lideram as invenções depositadas. Chama atenção o fato que empresas representam maior número de interessados no fast track, enquanto no contexto geral de patentes depositadas por brasileiros no INPI essa maior fatia é reservada a universidades federais. Seria esse um indicador positivo de que investimentos estão sendo direcionados para tecnologias verdes?
Não são claras as respostas. Ao contrário, a ideia de facilitar o registro de patentes em tecnologias verdes ainda é relativamente recente e não é possível afirmar se gera efeitos reais na luta contra impactos das mudanças climáticas.
Ao mesmo tempo, se consideramos evidências existentes para quaisquer patentes, são vários indícios de que uma tecnologia patenteada tem mais chances de obter financiamento por instituições financeiras. O registro se mostra útil para startups e traz mais segurança jurídica para contratos de transferência de tecnologia ou licenciamento a outros interessados na sua exploração. Ou seja, é possível que patentes mais rápidas gerem o efeito positivo de ter tecnologias verdes mais facilmente no mercado.
No mesmo sentido de buscar aproximar tecnologias verdes a quem delas quer se utilizar, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO, em inglês) criou o programa de matchmaking WIPO Green, em 2013. Trata-se de plataforma global online, que tem por objetivo conectar tecnologias ambientalmente responsáveis a agentes que buscam tais inovações. Algo como um “Tinder tecnológico” pelo meio ambiente.
A WIPO fornece a infraestrutura que permite visibilidade global aos detentores e terceiros interessados. Atualmente, são mais de 140 mil tecnologias e especialistas e mais de 160 parceiros, incluindo pequenas empresas lado a lado daquelas listadas na Fortune 500. O INPI tem sido parceiro do projeto da WIPO, com a inserção de tecnologias verdes na plataforma WIPO Green. Dentre as 90 inovações inseridas, já houve 29 “encontros” dentre parceiros interessados em viabilizar negócios juntos.
Indicações geográficas: opções menos óbvias para sustentabilidade
Indicações geográficas são identidades distintivas conferidas pelo INPI a determinados produtos ou serviços que traduzem na sua existência uma conexão direta com o território em que são produzidos. Nos últimos tempos, nota-se um relevante esforço do INPI para que mais indicações geográficas sejam reconhecidas no país.
Atualmente são 140 IGs reconhecidas, das quais 80% abarcam produtos agrícolas ou de pecuária e reforçam a conexão desse direito de PI com a bioeconomia[3]. Uma parceria entre o Sebrae e o INPI gerou mapa interativo que traz todas as IGs brasileiras e demais informações pertinentes sobre o tema[4].
As IGs visam permitir que determinados produtos ou serviços se apropriem de um sinal de identidade local, facilitando sua distinção em mercado e protegendo a “reputação” do produto/serviço em razão da região de procedência. Mas também surgem indicadores de que as IGs servem como instrumento positivo para a sustentabilidade de atividades econômicas nestas localidades e do meio ambiente ao redor.
No caso da chamada “sustentabilidade territorial”, há vários exemplos nos quais se demonstra que, uma vez concedida a IG, há maior valorização e renda dos produtos e serviços locais, com melhoria na qualidade de vida de produtores. Em consequência, melhores indicadores de saúde e educação foram observados, com a permanência das populações nas regiões protegidas, desempenhando as atividades ora reconhecidas. O maior engajamento comunitário também parece gerar melhores práticas de produção, formação e ampliação da capacitação dos profissionais envolvidos na cadeia.
Sob a perspectiva ambiental, mesmo que menos contundentes, há indícios de que as IGs agrícolas contribuem com a preservação de biodiversidade e com manejo adequado de recursos naturais do solo, protegendo recurso hídricos e genéticos, por exemplo. Há ainda a dimensão da captura de saberes ancestrais e práticas tradicionais que, em razão da aplicação por gerações, permitiu o reconhecimento do território naquela IG.
O crescimento das indicações geográficas no Brasil pode trazer mais elementos para avaliar em que medida seu reconhecimento favorece ou não a maior sustentabilidade das atividades econômicas por elas identificadas. Caberia, por outro lado, aprofundar o debate sobre formas de conjugar o reconhecimento das IGs a compromissos efetivos de promoção e aplicação das melhores práticas locais.
Iniciativas do GIPI: debatendo PI e sustentabilidade
Atento à necessidade de discutir a interface entre propriedade intelectual e temas ligados à sustentabilidade ambiental, o Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual, coordenado pelo MDIC, criou um subgrupo de trabalho específico para essa agenda no biênio 2023 a 2025.
Dentre as diferentes iniciativas do período, uma merece destaque: a Revista ABPI COP30, publicada no último dia 6 de novembro e disponível online para leitura gratuita[5]. Nessa edição especial, os artigos apresentam aspectos diferentes da correlação entre propriedade intelectual e meio ambiente sustentável, com exemplos do que está sendo feito e o que mais pode ser implementado.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
Avançar no debate em como melhor moldar o sistema de PI para objetivos alinhados àqueles a serem discutidos na COP da Amazônia é, por isso, central para o movimento pró-sustentabilidade. O olhar interdisciplinar é, especialmente nesse contexto, tão necessário em nossos tempos.
Em alta | outubro.25
- EUA. O lançamento pela OpenAI do Sora 2 no início de outubro intensificou a discussão sobre violação de direitos autorais e ferramentas de inteligência artificial. Entidades que representam estúdios de Hollywood como a Motion Picture Association questionaram a disponibilização da ferramenta, argumentando a violação de filmes, programas e personagens de seus associados. A despeito destas questões, a OpenAI alcançou o seu maior valor de mercado no montante de USD 500 milhões.
- Brasil. O STF realizou audiência pública para discussão do Recurso Extraordinário (ARE) 1542420 (Tema 1.403), sobre impactos de novas tecnologias de distribuição em contratos de cessão de direitos autorais musicais. O caso se tornou mais conhecido em razão de os autores serem Roberto Carlos e Erasmo Carlos. A audiência pública contou com mais de 20 expositores e foi transmitida pela TV Justiça. A íntegra pode ser acessada pelo YouTube[6].
- Brasil. O INPI está fortalecendo a composição de seus quadros por diferentes formas. Em outubro, foram admitidos 120 novos servidores aprovados no último concurso que deverão estar em plena atuação no final de novembro. Também ocorreu lançamento do edital para contratação de interessados em realizar busca de anterioridades nos pedidos de registro de patentes[7].
- Brasil. O INPI publicou painel interativo com dados dos contratos de transferência de tecnologia averbados desde 2000. As regras aplicáveis para a averbação de contratos foram alteradas substancialmente nos últimos anos, visando maior facilidade e rapidez no processo para as partes envolvidas. Neste painel agora é possível avaliar número de averbações emitidas (segregadas por tipo de contrato), média de remuneração e valores de royalties envolvidos, bem como os países de origem ou destino destas tecnologias. Ao todo, foram 33.704 averbações, com tecnologias principalmente advindas dos EUA, Europa e Japão para o Brasil[8].
[1] Conforme indicam Reto Hilty e Pedro Batistano artigo “Potential and Limits of Patent Law to Address Climate Change”, disponível em https://academic.oup.com/grurint/article/72/9/821/7226090.
[2] Disponível no site do INPI. Acessível pelo link https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/patentes/observatorio-de-tecnologias-verdes
[3] Nos termos do Decreto 12.044/2024, que instituiu a Estratégia Nacional da Bioeconomia, entende-se por ‘bioeconomia’ “o modelo de desenvolvimento produtivo e econômico baseado em valores de justiça, ética e inclusão, capaz de gerar produtos, processos e serviços, de forma eficiente, com base no uso sustentável, na regeneração e na conservação da biodiversidade, norteado pelos conhecimentos científicos e tradicionais e pelas suas inovações e tecnologias, com vistas à agregação de valor, à geração de trabalho e renda, à sustentabilidade e ao equilíbrio climático.”
[4] Mapa completo e demais informações podem ser acessadas através do link https://datasebrae.com.br/indicacoesgeograficas/
[5] Acesso gratuito pode ser realizado através do link https://abpi.org.br/wp-content/uploads/2025/11/ABPICOP30-FINAL-WEB-1-1.pdf
[6] Mais informações e link para a audiência pública disponível em https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/stf-realiza-audiencia-publica-sobre-direitos-autorais-na-era-digital/.
[7] Maiores informações e detalhes no site do INPI, disponível em https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias?b_start:int=30
[8] O painel pode ser acessado em https://www.gov.br/inpi/pt-br/servicos/contratos-de-tecnologia-e-de-franquia/panorama-de-informacoes-e-modalidades-de-contratos-de-tecnologia.