Na COP30, os catalisadores da sustentabilidade

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A realização da COP30 na Amazônia, dez anos depois do Acordo de Paris – focado em limitar o aquecimento global –, embute um simbolismo especial em torno da agenda climática mundial e do posicionamento estratégico de governos e empresas no sentido de acelerar a transição para uma economia de baixo carbono e de consolidação da sustentabilidade, em meio a uma série de recuos e avanços no período que antecedeu a Cúpula do Clima.

Nesse emaranhado de diálogos plurais, em que governos negociam, empresas sugerem soluções, cientistas inovam, povos indígenas e comunidades tradicionais inspiram e a sociedade civil e ONGS apontam caminhos, o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) pode funcionar com um catalisador, ampliando o diálogo sobre ser sustentável e conectando compromissos globais às práticas corporativas e sociais.

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Não sabemos se a esperada resposta multilateral que enseja progressos efetivos no enfrentamento às mudanças climáticas estará presente no documento final da COP30, mas reconhecemos o Brasil como um país que teve papel histórico enquanto catalisador da evolução do debate sobre o clima; assim como o simbolismo da Amazônia, onde nasceu Macunaíma, personagem de Mário de Andrade e herói de nossa gente.

Em sua jornada, Macunaíma sai da floresta para a metrópole em busca da Muiraquitã, seu talismã da sorte, uma pedra verde em formato de sapo – amuleto popular no Pará – que lhe foi roubada pelo gigante Piaimã, que é insaciável e ganancioso e devora tudo: gente, floresta, cidade, mas é vencido pela astúcia e engenhosidade de Macunaíma.

Podemos até fazer um paralelo entre as emissões de carbono e o gigante Piaimã, entre a Muiraquitã e a sustentabilidade que buscamos e, se formos tão criativos quanto Macunaíma, poderemos sair da COP30 com algumas vitórias e uma identidade consolidada de protagonista do clima.

Deixando a ficção de lado, da parte dos governos cresce a expectativa em torno das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), que são os compromissos climáticos voluntários dos países e consideradas o núcleo catalizador das negociações.

A expectativa é de apresentação de metas ambiciosas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em comparação ao nível registrado em 2019. A atual NDC do Brasil tem como objetivo reduzir entre 59% e 67% de suas emissões até 2035. Juntas, as NDCs de todos os países projetem os cortes das emissões globais e definem metas de mitigações necessárias para vencer secas severas, derretimento de mantas de gelo, precipitações intensas, furações devastadoras e outros fenômenos climáticos.

De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), braço científico e ambiental da ONU, as emissões globais teriam de ser reduzidas em 43% até 2030 para mantermos a meta de 1,5ºC. Contudo, um estudo recente publicado pelo Nature Climate Change avalia que o aquecimento global já ultrapassou 1,7ºC, levando em conta o período pré-industrial.

Este estudo elaborado por cientistas da Austrália, Estados Unidos e Porto Rico defende que o IPCC errou na conta por 0,5 ºC, utilizando como referência a composição química dos esqueletos de esponjas calcárias do mar do Caribe que, por serem muito primitivas, permitem medir a temperatura dos oceanos ao longo de suas vidas seculares. Segundo o estudo, as medições do IPCC teriam ignorado o aquecimento da temperatura pré-industrial, dos séculos 18 e 19.

A polêmica está colocada, mas depende de novos estudos e manifestação do IPCC, embora a ONU já tenha afirmado que o mundo não conseguirá cumprir a meta de Paris de limitar o aquecimento em 1,5 ºC e que teremos consequências negativas, implicando em riscos maiores, que demandam ações mais drásticas visando novos cortes de emissões.

Além desse surpreendente dado científico, a fase pré-COP30 reservou outra grande surpresa na área corporativa ligada ao clima, com o anúncio do fundador da Microsoft, o bilionário Bill Gates, de que rejeitava o tom apocalíptico adotado pelos cientistas e líderes mundiais sobre as mudanças climáticas, assim como a conclusão de que poderiam comprometer a vida sobre a Terra. Gates, que sempre foi um defensor da redução das emissões, sustenta que a crise climática não determinará o fim da humanidade.

Para justificar a virada de chave, Gates citou que financiamentos climáticos no passado foram mal-empregados e que os recursos seriam melhor aplicados em tecnologias certas para produzir energias mais limpas e priorizar o esforço em prol da saúde das pessoas mais vulneráveis, principalmente depois que muitos países ricos reduziram recursos para combater as doenças e a fome no mundo. Gates foi incisivo ao dizer que se tivesse de escolher entre a temperatura do planeta subir 1ºC ou erradicar a malária, optaria por deixar a temperatura subir.

Para o bilionário norte-americano, embora as mudanças climáticas tenham consequências graves – especialmente para as pessoas dos países mais carentes – elas não levarão à extinção da humanidade, em sua opinião. Segundo Gates, “nosso principal objetivo deve ser evitar o sofrimento, principalmente daqueles que vivem nas condições mais difíceis nos países mais pobres do mundo”. A causa da saúde entre populações vulneráveis sempre mobilizou a Fundação Bill & Melinda Gates, que fez doações milionárias para sistemas de saúde pública para garantir vacinas, erradicação de doenças e acesso à água potável.

A mudança de estratégia na luta climática proposta por Gates não expressa uma radicalização, tanto que ele afirmou que a COP30 é uma oportunidade para o mundo buscar a melhoria da qualidade de vida das pessoas, lembrando de forma incisiva que as mudanças climáticas prejudicam mais as populações carentes do que qualquer outro grupo. A despeito da nova posição, Gates reconhece que “cada décimo de grau de aquecimento que conseguimos evitar é extremamente benéfico”.

Deixando a polêmica de lado, a COP30 pode ser um evento que reforçará a importância do ESG à medida que reserva um lugar de destaque para as empresas que adotam metas claras de redução de emissões, investem em inovação sustentável e promovem diversidade e inclusão. Nessa vitrine global, essas corporações são as que estão mais bem posicionadas para atrair capital, conquistar mercados e contribuir para uma economia resiliente.

Além disso, o Brasil apresentará na COP30 um modelo nacional de padronização de gestão ESG (ABNT PR 2030), que estabelece diretrizes para as empresas aprimoraram os pilares ambientais, sociais e de governança, tornando a adoção desta estratégia mais acessível e escalável para empresas de todos os portes.

Também não se pode esquecer que a COP-30 pode impulsionar mercados de créditos de carbono, a bioeconomia e as finanças sustentáveis, em sintonia com boa parte das empresas brasileiras. Em 2024, por exemplo, a emissão de títulos verdes no Brasil atingiu R$ 94,5 bilhões, um recorde histórico, sinalizando oportunidades para quem incorpora práticas ESG de forma consistente.

Outro ponto nevrálgico e catalisador da COP30 são os financiamentos climáticos. De acordo com relatório da ONU, o planeta precisará de um montante de US$ 310 bilhões por ano até 2035 para se preparar para a elevação do nível do mar, altas temperaturas e outros eventos climáticos. Este total, atualmente, está 12 vezes abaixo do que seria necessário para financiar iniciativas de adaptação climática (redução dos efeitos).

O relatório da ONU propôs que US$ 50 bilhões dos recursos viessem do setor privado, atualmente desembolsando US$ 5 bilhões/ano. E embora os países tenham relatado mais de 1.600 ações de adaptação implementadas, deixaram de fora seus impactos reais.

A questão dos recursos é fundamental, seja no plano macro ou no micro.  Da proposta brasileira de criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre – que busca captar recursos públicos e privados, com gestão do Banco Mundial, para  ajudar a manter as florestas em pé – até iniciativas isoladas, como a de um time de peso de economistas: Esther Duflo (francesa), Abhijit Banerjee (indiano e Nobel de Economia de 2019) e Michael Greenstone (norte-americano) irão apresentar na Cúpula do Clima o Just Economics (Economia Justa), proposta batizada pela imprensa brasileira de “Pix do clima”.

Ela pretende transferir recursos para as pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas para minorar os impactos das emissões. Os economistas consideram que os mecanismos atuais de financiamento internacional são ineficientes para chegar na ponta, às mãos de quem precisa.

Em cálculos que fizeram no centro de pesquisa do MIT, o Just Economics precisaria criar um fundo de US$ 725 bilhões para ser viável. Ainda há dúvidas sobre como o fundo será gerido e fiscalizado, mas os seus criadores querem que as pessoas afetadas pelas emissões sejam compensadas e os pagamentos sejam automáticos e imediatos, como um Pix.

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Essas são algumas das inúmeras propostas catalisadoras da sustentabilidade que ansiamos e que surgirão ao longo da COP30, nutrindo o espírito de interlocução do evento.

E, como somos descendentes diretos de Macunaíma, transitamos com desenvoltura entre possíveis Piaimãs e ainda damos aval às palavras do filósofo e linguista russo, Mikhail Bakhtin[1]: “A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, todos os atos. Aplica-se totalmente na palavra, e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal”. Nessa reflexão descritiva pode residir a síntese da Cúpula do Clima e justificar a importância de sua existência.


[1] BAKHTIN, M.  Estética da criação verbal. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.