A governança da infraestrutura e o novo PAC

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Recentemente, o Governo Federal apresentou o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O programa de investimentos é uma parceria entre União, setor privado, estatais, entes subnacionais e bancos públicos, e abrange diversos setores como energia, transportes, saneamento, resíduos, e infraestrutura social. Estão previstos investimentos expressivos de R$ 1.7 trilhões, sendo que destes, R$ 1,4 trilhões serão investidos até 2026. O programa é organizado em nove eixos. Os principais são cidades sustentáveis (R$ 609,7 bilhões), transição e segurança energética (R$ 565,4 bilhões) e transportes (R$ 349,1 bilhões).

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Do volume total, estima-se que o setor privado contribua com 36% (R$ 612 bilhões) e o setor público com 42% (R$714 bilhões). Destes, R$ 371 bilhões sairão da União e R$ 343 bilhões das estatais. Os financiamentos via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal participam com os 21% restantes (R$ 362 bilhões).

O fluxo de investimento esperado para o setor de infraestrutura, cerca de 3,5% do PIB ao ano até 2026, praticamente dobra os valores médios observados na última década, que giraram em torno de 1,7% do PIB ao ano — com setor privado responsável por 1% e setor público por 0,7%. Corresponde a um valor mais próximo à estimativa de 4,5% do PIB ao ano para um crescimento sustentável. Uma tarefa considerável.

É consenso que a infraestrutura deficiente, seja em capital físico ou qualidade de serviços, representa um dos principais entraves ao crescimento e ao desenvolvimento do Brasil. Na literatura econômica, as relações entre infraestrutura e crescimento são bem estabelecidas, e envolvem impactos no desenvolvimento, produtividade, acesso à saúde e educação, criação de empregos e redução da pobreza e desigualdade.

Nesse sentido, o PAC representa uma iniciativa meritória, baseada em estímulos públicos com a mobilização de parceria privada, visando o crescimento e desenvolvimento do país. Considerando a totalidade do PAC e as estimativas de criação de 10 a 17 empregos por milhão de dólar investido em infraestrutura, teríamos algo entre 3 e 6 milhões de empregos gerados no país.

Com relação a crescimento econômico e estímulos na atividade, existem, basicamente, duas correntes sobre a ênfase de gastos públicos no setor de infraestrutura. Na primeira corrente, os gastos públicos provocam uma reação em cadeia virtuosa, na qual cada real gasto pelo governo induz um montante adicional e superior pelo setor privado. Sugere um “efeito multiplicador” superior à unidade, o que significa que cada real gasto induz um aumento em quantia superior na economia.

Na segunda corrente, os gastos públicos eventualmente diminuem a atividade privada, em um efeito conhecido como crowding out. Isso ocorre, pois, as despesas do governo induzem um endividamento público acima de certo patamar, pressionando as taxas de juros e, por sua vez, reduzindo o investimento privado e o crescimento. Neste caso, um aumento unitário nos gastos públicos induz a um aumento em quantia inferior na economia, ou seja, o “efeito multiplicador” é inferior a unidade.

Estudo recente do Banco Mundial apresenta excelente revisão sobre o tema, com resultados favorecendo a primeira corrente. Ou seja, investimentos públicos em infraestrutura induzem um ciclo virtuoso, com multiplicadores superiores à unidade. Superam, inclusive, os multiplicadores de outros tipos de gastos, como cortes de impostos, despesas do governo, ou transferências, com efeitos tanto no curto quanto no longo prazo. Dito de outra forma, os impactos positivos dos investimentos públicos em infraestrutura superam os impactos positivos oriundos de outros tipos de gastos públicos, com efeitos persistentes.

Há, no entanto, um moderador importante desta relação entre investimentos em infraestrutura e desenvolvimento: a governança. O ciclo virtuoso depende, em grande medida, das características institucionais do país, que se conveniou chamar de Governança da Infraestrutura.

A Governança da Infraestrutura é definida como o conjunto de instituições e quadros técnicos disponíveis para planejar, alocar, implementar e gerir os investimentos em infraestrutura. A necessidade de uma boa governança é amplamente reconhecida, com diversas iniciativas que fornecem orientação sobre as melhores práticas internacionais.

Três documentos merecem destaque: a Recomendação sobre Governança das Infraestruturas, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); a Avaliação da Gestão do Investimento Público – PIMA, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Governança da Infraestrutura, do Banco Mundial. Esses documentos, juntos, trazem os pilares de uma boa Governança de Infraestrutura. São eles:

 Planejamento estratégico de longo prazo para infraestrutura;
 Coordenação entre Governo Federal e os diversos entes subnacionais;
Critérios rigorosos e transparentes na seleção e priorização de projetos (análise de custo benefício e de produtividade);
Ambiente fiscal e orçamentário sustentável, com estimativa de recursos no orçamento, incluindo transparência, publicidade e racionalidade para políticas de encargos e subsídios, pontuais e por tempo determinado;
Aperfeiçoamentos nas estruturas regulatórias e legais, com estabilidade, previsibilidade, transparência, análises de impactos e incentivos a competição e concorrência;
 Monitoramento, controle e gestão eficiente dos projetos.

As evidências empíricas em prol desses pilares são inúmeras. Estudo recente do FMI debruça-se sobre o tema e corrobora a teoria que melhores níveis de Governança de Infraestrutura definem e potencializam o impacto dos investimentos públicos (gastos) no crescimento e produtividade (dividendos), induzindo uma maior participação do setor privado (efeito crowding in).

Os resultados apontam que um choque positivo de investimento público de 1% do PIB induz um aumento de 0,8% do PIB no mesmo ano e de 3,2% em 4 anos nos países com melhor governança de infraestrutura. Esses países produzem um maior dividendo de crescimento e produtividade em comparação aos de menor governança. São mais eficientes, ou seja, crescem mais com um mesmo dispêndio. Em relação à sustentabilidade fiscal, a melhor governança diminui o endividamento público, atraindo maior parceria do setor privado. Em oposição, nos países de menor governança, choques de investimento público geram um efeito negativo no PIB, uma menor participação do setor privado e um maior endividamento público.

Dado o lançamento do PAC, é mais que oportuno ressaltar as inúmeras evidências sobre o papel fundamental da Governança da Infraestrutura no sucesso desses programas. Essa é uma agenda que precisa estar no centro do debate, para que tanto o programa, quanto toda discussão sobre as bases para uma nova industrialização, gerem o crescimento e o aumento de produtividade esperados, de forma consistente e no longo prazo.