Assessores de investimento pedem vínculo empregatício na Justiça do Trabalho

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Entre os milhares de processos sobre pejotização que tiveram tramitação suspensa até o Supremo Tribunal Federal (STF) definir a validade desses contratos, há o caso de um assessor financeiro que prestou serviços para a corretora BGC por quase uma década e chegou a ganhar mais de R$ 100 mil por mês. Ações como essas contrastam com as que envolvem salários de até R$ 6 mil por mês e são maioria na discussão sobre terceirização, mas estão crescendo. 

Uma análise da empresa de jurimetria Data Lawyer Insights mostrou que o número total de casos de assessores financeiros processando bancos, escritórios e corretoras na Justiça do Trabalho subiu de 1,3 mil em 2021 para 3,6 mil em tramitação em 2025.

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Os assessores são profissionais que fazem a intermediação da relação entre os investidores e as corretoras — há cerca de 25 mil profissionais no Brasil hoje, segundo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 

Uma mudança na regulação em 2023 criou a possibilidade desses agentes trabalharem pelo regime da CLT, o que era proibido pela CVM até então. “Até 2023, a CVM determinava que para você exercer a função de agente autônomo de investimentos só existiam dois caminhos”, explica Manoela Pascal, do escritório Souto Correa, que defende corretoras em diversos processos. “Um dos caminhos era você ser um agente individual, pessoa física, plugado numa corretora, mas não contratado. O outro era você ser sócio de uma sociedade simples cuja função seja unicamente exercer essa atividade.”

Ou seja, a CVM tinha a visão de que os assessores financeiros (antes chamados de agentes autônomos de investimentos) não poderiam ter vínculo empregatício com as corretoras. “A CVM entendia que você deveria ser isento e que se você fosse empregado, estaria sob ordens e não seria isento para agir de acordo com o perfil e o interesse do investidor”, afirma Pascal.

Em 2023, no entanto, a nova redação da resolução 178 da CVM passou a admitir a atuação dos agentes de investimento por meio de contrato de emprego. A resolução também passou a permitir que os agentes sejam multiplataforma, ou seja, trabalhem para mais de uma corretora.

Desde então, afirmam advogados trabalhistas, os processos de assessores de investimento tiveram um crescimento ainda maior — com muitos sócios pedindo o reconhecimento de vínculo trabalhista.

“A possibilidade foi interessante para quem está no início de carreira, para quem o contrato de emprego faz sentido. O problema é que muitos agentes, que ganham muito bem e fecharam contratos de sociedade já com um poder de barganha, usam o processo trabalhista para tentar descaracterizar as multas quando querem sair”, afirma Pascal, do Souto Correa.

Além dos altos rendimentos, é comum que os agentes recebam bônus iniciais, como jogadores de futebol, para assinar contrato com uma corretora — valores que chegam a R$ 500 mil — em troca de exclusividade e cláusulas de non compete (que visam proteger a base de clientes impedindo o agente de competir com a corretora por um período de tempo caso saia da sociedade).

Para termos de comparação sobre a abrangência do grupo, de acordo com uma pesquisa do Ministério do Trabalho e emprego (MTE), 93% dos 4,8 milhões de trabalhadores que deixaram o regime CLT para serem contratados como pessoa jurídica entre janeiro de 2022 e outubro de 2024 recebiam menos de R$ 6 mil.

“Quando a pessoa ganha mais do que o dobro do teto da previdência, que hoje dá R$ 16 mil, e tem um alto nível de instrução, a Justiça entende que a pessoa é hipersuficiente, ou seja, que ela tem maiores condições de negociar com as empresas”, afirma Manoela Pascal, do escritório Souto Correa, que defende corretoras em diversos processos. 

Há vínculo empregatício?

Para Juliana Baraldi Lopes, do Mattos Engelberg Echenique advogados, a Justiça tem que avaliar se os elementos que configuram vínculo empregatício estão presentes nos casos concretos. 

“A pessoalidade está presente, claro, porque é um contrato entre partes, também existe pessoalidade em uma sociedade. Mas os elementos centrais, não”, afirma ela. “Não existe controle de jornada e não existe subordinação, fiscalização do trabalho. O agente trabalha como bem entende”, diz a advogada. 

Do outro lado, os assessores afirmam que as cláusulas nos contratos são agressivas e, em alguns casos, abusivas. Em abril de 2024, a associação AIs Livres, que defende o interesse dos assessores, fez uma denúncia ao Ministério Público do Trabalho contra escritórios que não retiram os profissionais que querem sair ou são “demitidos” dos quadros societários e sistemas de controle que gerenciam o cadastro dos agentes, impedindo as pessoas de trabalhar. Segundo a associação, alguns assessores ficaram mais de um ano sem trabalhar. 

Antes de ser suspenso para aguardar a resolução do Tema 1389, o caso do assessor que ganhava R$ 100 mil chegou a ter um acórdão da Segunda Turma dos STF favorável à corretora, cassando a decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (TRT1) que reconhecia vínculo empregatício. O entendimento da turma em julgamento de agravo regimental na RCL 53688 foi de que o agente tinha plena condição de negociar o contrato. 

Segundo o ministro Gilmar Mendes, que foi relator do caso, “não é razoável nem coerente” com os precedentes do STF a conclusão que impõe determinado modelo de contratação, “sobretudo quando a decisão judicial reverte o formato de prestação de serviço livremente escolhido pelas partes”. De volta à instância original, o processo está sob o número 01017398820165010038 no TRT1. 

Em um dos casos do escritório Souto Correa em que o pedido do assessor de investimento foi negado pela Justiça, a profissional era “coach de autonomia” no Linkedin, conta Manoela Pascal.

“Nos posts ela falava das vantagens de ser um agente autônomo em vez de ser CLT, incluindo autonomia e ganhos maiores. Aí ela entrou com uma reclamação pedindo vínculo trabalhista querendo descaracterizar cláusulas no contrato”, diz a advogada. “Conseguimos que o pedido dela fosse considerado improcedente.”

Questão de Competência

Além do debate sobre vínculo, muitos dos casos envolvem também uma discussão sobre competência, já que não é incomum que os contratos tenham cláusulas arbitrais — possibilidade que passou a existir em 2017.

“A Justiça do Trabalho enfrentou poucas dessas situações, ainda porque muitos dos casos são de profissionais com remunerações mais baixas. Mas nas discussões com agentes financeiros, esse tema tem aparecido”, conta Pascal.

Em um outro caso do escritório, em discussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), dois sócios de um escritório de agentes de investimento saíram e levaram grandes clientes.

“A gente exerceu a cláusula de non compete e entrou com uma arbitragem”, conta a advogada. “Mas os profissionais, que ganhavam em média R$ 40 mil por mês, entraram na Justiça dizendo que a cláusula arbitral não era válida porque eles teriam vínculo empregatício.”

Apesar dos altos salários, também é comum que os profissionais entrem com pedidos de justiça gratuita — que, se concedidos, garantem a suspensão de exigibilidade dos honorários advocatícios de sucumbência em caso de perda da causa.

Isso não isenta a pessoa do pagamento, mas adia possibilidade de cobrança, condicionando-a à alteração da capacidade financeira do devedor.

“Em todos os casos de assessores de investimento que eu atendi, só um não pedia acesso à justiça gratuita”, conta Pascal.

Em um dos casos, o assessor ganhava mais de 20 mil por mês e postava fotos de viagens, incluindo idas ao Chile, aos EUA, e uma viagem em um jatinho particular para Curitiba.

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