O aguardado relatório Road Map Baku to Belém foi divulgado nesta quarta-feira (5/11), a cinco dias do início da COP30, em Belém (PA), com as indicações de onde o mundo poderá tirar os US$ 1,3 trilhão por ano a partir de 2035 para enfrentar o combate à mudança do clima. Ali está dito que os recursos existem. Podem vir de novos tributos, como a taxação sobre aviação ou transporte marítimo, o que desagrada vários países, ou de impostos sobre a venda de alguns bens específicos, como moda de luxo, tecnologia e bens militares, ou ainda sobre transações financeiras.
A arrecadação só a partir desses exemplos poderia variar de US$ 143 bilhões a US$ 662 bilhões por ano, a depender dos percentuais e regras. Impostos sobre transações financeiras, por exemplo, poderiam gerar de US$ 105 bilhões a US$ 327 bilhões, dependendo da taxa aplicada aos mercados de ações, títulos e derivativos e das regiões geográficas participantes. E impostos corporativos mínimos são outra alternativa e poderiam render de US$ 165 a 540 bilhões, também segundo a alíquota aplicada em estruturas internacionais coordenadas.
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Tudo isso precisa de tempo e acordo entre os países. Não tem que ser negociado. Mas, para funcionar, é necessário que uma coalizão de nações esteja de acordo em aplicá-la, como aconteceu com o imposto sobre multinacionais. E há muita resistência a ideia de se criarem novos tributos.
Mas pode vir também de novos mercados inovadores, como o de carbono, e muitas outras iniciativas. Pelo documento, a precificação de carbono, pode gerar de US$ 20 bilhões a US$ 4,9 trilhões, a depender da taxa aplicada e dos agentes econômicos e regiões geográficas participantes.
O relatório de 81 páginas contou mais com mais de 227 contribuições apontando onde estaria o dinheiro.
Na corrida contra o tempo, o documento lança uma espécie de guia prático com calendário de ações a serem concluídas já entre 2026 e 2027 por entes públicos e privados. Ele prevê a criação de grupos de trabalho e estudos para resolver discrepâncias estatísticas e de metodologia para colocar todos na mesma página. Como nada disso é obrigatório, não está claro como a COP30 pretende fazer para motivar os países e instituições, nem para monitorar a evolução dos trabalhos.
Um deles seria a formação de grupo independente de especialistas encarregado de refinar dados e desenvolver em um relatório a ser apresentado até outubro do ano que vem com o que está chamando de “caminhos concretos de financiamento” para chegar no que prevê o roteiro. Entre as ações mais imediatas há também a sugestão para que o Conselho de Estabilidade Financeira, o Comitê de Basileia sobre Supervisão Bancária e a Associação Internacional de Supervisores de Seguros realizem uma avaliação conjunta sobre se (e como) reduzir, ou remover, até outubro de 2027, barreiras ao investimento em países em desenvolvimento com a reforma da regulação prudencial, sem comprometer a estabilidade financeira. Ou ainda, a de as 100 maiores empresas do mundo (classificadas por capitalização de mercado) e os 100 maiores investidores internacionais do mundo (classificados por ativos sob gestão – AUM) passarem a relatar anualmente como estão contribuindo para a implementação das NDCs e dos NAPs e respondendo ao Primeiro Balanço Global, nos países onde estão presentes.
Essa seria a saída para que a agenda de implementação seja tirada do papel de uma vez por todas, diante de conjuntura internacional adversa, onde construir consensos é cada vez mais difícil.
Pelos números extraídos de múltiplas fontes, apresentados no documento, o custo da inação cresce a olhos vistos e supera em muito os investimentos necessários para acelerar a ação climática. A estimativa é que, mantida a tendência atual, o PIB global pode registrar queda de até 30% até 2100. Isso se a temperatura subir 3 °C.
As trajetórias atuais indicam aumento entre 2,6 e 3,1 °C até lá, o que deve criar grandes áreas inabitáveis com o colapso dos ecossistemas. Esse aumento deve causar 250.000 mortes adicionais por ano entre 2030 e 2050. Para se ter uma ideia, os desastres do clima causaram perdas econômicas globais de US$ 320 bilhões em 2024.
Os 10% maiores emissores individuais de carbono do mundo geram quase metade de todas as emissões de gases de efeito estufa. Além de óbvia preocupação com a equidade, parece haver uma questão de eficiência em jogo, segundo o relatório. Isso porque o esforço marginal necessário para alcançar as mesmas reduções de emissões pode ser bem menor para os grupos de alta emissão, o que cria um forte incentivo para políticas direcionadas a esse grupo. As desigualdades climáticas não são apenas uma questão entre países ricos e pobres. “Há pessoas com altas emissões em países de baixa e média renda e pessoas com baixas emissões em países ricos”, diz o documento.
O financiamento do acesso e das transições para energia limpa é destaque do documento. Mais de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa vêm da produção e consumo de energia, tornando-a um pilar decisivo de mitigação, enquanto os investimentos em redes, armazenamento de baterias e energia renovável distribuída também podem fortalecer a resiliência, segundo o documento. Mas ampliar os investimentos necessários continua sendo um grande desafio. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), alinhar-se a uma trajetória de emissões líquidas zero e alcançar outras metas de desenvolvimento sustentável relacionadas à energia exigirá aumentos substanciais no financiamento, incluindo cerca de US$ 800 a 900 bilhões em financiamento externo anual até meados da década de 2030 para os países em desenvolvimento. E, para isso, “os fluxos internacionais de capital, tanto público quanto privado, são cruciais’, diz o documento.
Ao longo da próxima década, os países em desenvolvimento vão ter de aumentar seus investimentos anuais em uma gama de tecnologias e infraestrutura de energia limpa para cerca de US$ 2,3 trilhões, ante os cerca de US$ 970 bilhões atuais, para se manterem no caminho certo rumo a uma ambiciosa meta de emissões líquidas zero.
O Roteiro Baku-Belém visa ampliar o financiamento climático para os países em desenvolvimento para apoiar trajetórias de desenvolvimento com baixas emissões de gases de efeito estufa e resilientes às mudanças climáticas, e ajudar implementar as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e os Planos Nacionais de Adaptação (NAPs). Pelas contas do Comitê Permanente de Finanças da UNFCCC, os custos expressos nas NDCs de 2030, por 98 países está entre US$ 5 e 6,8 trilhões, ou entre US$ 455 e 584 bilhões em uma base anualizada. As necessidades orçadas nos NAPs, por 35 países, em diferentes prazos, totalizam entre US$ 842 e US$ 844 bilhões cumulativamente.
Dados recentes do Grupo Independente de Especialistas de Alto Nível (IHLEG) indicam que, até 2035, os países em desenvolvimento precisarão de US$ 3,2 trilhões anualmente em investimentos relacionados ao clima e à natureza. Ou seja, já são mais de US$ 2,7 trilhões a mais do que o valor apontado pelo roteiro atualmente. A maior parte deverá ser destinada à transição para energia limpa (US$ 2,05 trilhões), seguida por adaptação e indenização por perdas e danos (US$ 750 bilhões combinados), proteção da natureza e promoção da agricultura sustentável (US$ 350 bilhões) e garantia de transições justas (US$ 50 bilhões).
“O custo da inação está aumentando à medida que os impactos climáticos intensificados ameaçam as perspectivas econômicas, a estabilidade financeira e os meios de subsistência, especialmente dos mais vulneráveis, que não têm meios para absorver e se recuperar dos choques e que menos contribuíram para as emissões históricas”, diz o documento divulgado na véspera da Cúpula da COP30 finalmente.
O Road Map fala em remodelar o sistema financeiro e reequilibrar o espaço fiscal e de endividamento, como destaca o presidente da COP29, Mukhtar Babayev. Ele destaca a importância da troca de dívida por serviços climáticos em nações menos desenvolvidas. “É a ajuda aos países que não provocaram a crise, mas são os que mais sofrem com ela”, disse.
O presidente da COP30, André Correa do Lago, reconhece que é preciso tempo para colocar em prática o que está o Road Map, já que ele não está nas negociações da convenção propriamente dita. Mas ele aposta nas transformações rápidas do mundo como impulso, como aconteceu com os avanços da energia solar nos últimos 10 anos, por exemplo.
“Precisamos de muitas iniciativas que possam desencadear avanços exponenciais. Não temos bola de cristal, ,as isso pode acontecer”, afirmou. Segundo ele, a lógica da Covid mostrou como ação e cooperação.
Para Simon Stiell, secretário-executivo do UNFCC, a tarefa é ambiciosa, mas alcançável. “As ferramentas existem, o que faltava era coordenação e compromisso compartilhado”, disse. Ele lembra que, pela primeira vez, mais de 200 governos, bancos, empresas e comunidades uniram forças para delinear soluções viáveis para a mobilização de financiamento climático.
“Os tempos são difíceis. Muitos governos têm recursos escassos e escolhas difíceis. Mas pontos de inflexão positivos já estão se consolidando: desde quedas drásticas no custo da energia limpa até inovações em setores da economia que pensávamos que levariam décadas para descarbonizar”, completou.