Existe um Direito Administrativo brasileiro? A dúvida se justifica diante das dimensões continentais do país. Há tanto disputas de conteúdo – digamos, v.g., que o norte amazônico proponha um rigor ambiental que outros lugares considerem excessivo – quanto interesses dogmáticos distintos. Áreas industrializadas talvez atraiam concessões e parcerias com a iniciativa privada, ao passo que outros locais preocupem-se mais com o regime dos concursos públicos, sendo a administração a grande empregadora. Para um pode ser útil saber sobre taxa de retorno e shadow regulation; outro ganha mais estudando a lei de improbidade.
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A solução da dogmática jurídica sempre foi fingir que, sim, havia um único Direito Administrativo no Brasil. A centralização se fazia por meio da produção de alguns lugares (Rio e São Paulo) e, em especial, pela mão de alguns doutrinadores: Hely, Celso Antônio, Maria Sylvia. Por cima disso, concursos públicos e exames de ordem tornavam cláusula pétrea a opinião de cátedra. O Direito Administrativo brasileiro era, então, o que constava no sumário de certos livros.
No plano legislativo, três estratégias se apresentaram: o centralismo via leis “nacionais” – trata-se de aproveitar qualquer nesga de legitimidade constitucional para atribuir competência à União para legislar nacionalmente -, o centralismo via repasses financeiros (se o município ou o estado quer receber a grana federal, que opte por aderir, voluntariamente ao que parece, à normatização federal), o centralismo via “copiar-e-colar” (o conteúdo normativo dos entes infranacionais é simples cópia do conteúdo federal). E, voilà, eis o Direito Administrativo brasileiro au grand complet – teoria e prática.
Ora, tais soluções sempre foram incompletas. A lição doutrinária se adapta ao saber local (Geertz). Existe um Hely das concessões e um Hely do ato; o municipalista e o teórico do poder de polícia. Doutrina é (também) instrumento de trabalho; instrumento tem que ser útil; utilidade é sempre para o caso concreto. E, nas últimas décadas, com a bem-vinda revolução da informação, houve uma explosão na produção de conteúdo teórico de Direito Administrativo. Doutrina e doutrinador local é o que não falta. A noção de um cânone nacional pode estar se perdendo.
A legislação nacional, por sua vez, depende de aplicação subnacional – e os entes podem não aplicar, ou aplicar de modo adaptado. Podem obter recursos federais, e, na prática, ajustar o programa normativo federal à realidade regional. A União tem estratégias eficientes de centralização, mas não é como se os entes infranacionais fossem coitadinhos. Sabem cuidar de si quando importa.
Pois sim: se é lugar comum dizer que existem vários Brasis, e, portanto, várias administrações, por que existiria um único Direito Administrativo brasileiro? Acaso existente, seria ele útil? Mas eis um contraponto: como então lidar com 5.598 Direitos Administrativos?
Diria Brecht: tantas histórias, quantas perguntas.