A gestão pública é como uma história em constante evolução. A teoria da burocracia de Max Weber foi fundamental para moldar a administração pública moderna. Entretanto, como tudo na vida, a gestão pública tem se reinventado. Neste artigo, vou explorar a jornada da gestão pública desde os primórdios até o momento atual, apontando um possível modelo a se seguir.
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A burocracia weberiana revolucionou a administração pública ao separar os interesses políticos dos públicos. A impessoalidade, a especialização do corpo técnico do setor público, o caráter legal da norma e a hierarquia, entre outras características mudaram completamente a forma como o Estado presta serviço público à sociedade. Porém, junto com as benesses de sua implantação apareceram algumas disfunções. Entre elas, o excesso de formalismo e a dificuldade de se relacionar com o cidadão contribuíram para que o Estado se distanciasse das pessoas às quais deveria servir, dificultando a entrega de resultados concretos à população.
Por muitos anos, o modelo Weberiano dominou as administrações públicas e as organizações do Estado. Por volta de 1980 e 1990, surgiu um movimento que ficou conhecido como a Nova Gestão Pública. Este movimento buscou trazer princípios do setor privado para o setor público, visando aumentar a eficiência, a transparência e a accountability. Não que a burocracia Weberiana tenha sido abandonada, mas foi adaptada para incorporar novos elementos. O foco passou a ser mais orientado para resultados, com a introdução de métodos de gestão baseados em indicadores de desempenho e metas mensuráveis. As pessoas passaram a serem vistas como clientes.
Mas será que este modelo, baseado em mecanismos de mercado, está funcionando tão bem quanto se esperava? As evidências mostram que não. O descontentamento com os governos em diversos países sugere que há espaço para aperfeiçoamentos. Uma forma de descobrir onde melhorar é questionar: que tipo de eficiência os indicadores propostos mensuram? Para quem são os resultados? A gestão pública pode mostrar resultados e ser eficiente, mas se beneficiar apenas o grupo dominante, a despeito da maioria da população, a eficiência não é capaz de criar legitimidade.
Existem várias óticas sob as quais um Estado é considerado eficiente. Por exemplo, suponha que um Estado eficiente seja aquele com baixo déficit fiscal. Entretanto, se para atingir esta eficiência é preciso cortar recursos do SUS e, portanto, deixar pessoas morrendo nos hospitais, será que vale a pena? Adianta esta eficiência? E se os gestores públicos definirem que o Estado eficiente é aquele que entrega saúde para a população e as políticas econômicas tivessem que ser moduladas para atingir essa eficiência? Será que esta lógica é mais aderente ao papel do Estado?
Não estou defendendo o déficit e o gasto desenfreado, mas que os gestores públicos olhem de forma sistêmica e pensem os impactos de suas políticas no longo prazo, os indicadores que escolhem para mensurá-las e, principalmente, o motivo que legitima a existência de um Estado.
Para endereçar a crise de legitimidade que os Estados vêm passando, um novo modelo de gestão pública vem ganhando força: a gestão pública ASG – ambiental, social e governança (do inglês: ESG – Environmental, Social, Governance). Assim como a Nova Gestão Pública, a gestão ASG vem do setor privado e incorpora o que há de melhor aos modelos anteriores de gestão pública.
Veja como funciona cada uma das letras na prática da gestão. O “A”, de ambiente, diz sobre como a empresa atua no meio em que ela está inserida. Pensando na gestão interna de fábricas e escritórios, guia, por exemplo, a gestão de resíduos, a eficiência energética, a redução da emissão de gases de efeito estufa, etc. Pensando na comunidade onde está inserida, guia as ações das empresas em relação ao território, às ações ambientais, à recuperação das florestas, entre outras.
O “S” é de social e indica como a empresa atua nas questões da sociedade. Na sua gestão interna, destaca, por exemplo, que a composição da força de trabalho da empresa deve ter representantes de todos os grupos sociais em proporções equivalentes à sociedade; que os postos de liderança devem ser ocupados de forma diversa, com mulheres, negros, pessoas com deficiência; que os colaboradores devem poder se expressar livremente sem discriminação. Na comunidade, realça como a empresa atua no território onde está inserida, como promove ações sociais.
O “A” e o “S” do ASG são uma forma de as empresas contribuírem para o desenvolvimento sustentável. Por fim, o “G”, de governança, refere-se à forma como uma empresa é administrada, monitorada e responsabilizada. O “G” em ASG é especialmente importante porque uma boa governança pode influenciar positivamente tanto as práticas ambientais quanto as sociais de uma empresa. Uma governança sólida garante que as decisões sejam tomadas de forma transparente, ética e responsável, o que por sua vez pode contribuir para a construção de confiança junto aos investidores, clientes, funcionários e outras partes interessadas.
Quando se aplicam os conceitos ASG para a gestão pública, algumas adaptações são necessárias. Na adaptação, consideram-se apenas as ações que descrevi como gestão interna. Isto porque as ações socioambientais para a comunidade já são dever do Estado, e, no caso específico do Brasil, são definidas nos princípios fundamentais da República, listados na Constituição Federal de 1988.
A administração pública conta com diversas instituições que têm nas suas missões tais atribuições, por exemplo, IBAMA, Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, entre outras. Então, não faria sentido que um órgão governamental que não tem missão finalística socioambiental começasse a investir nesta área. Entretanto, as ações de gestão interna devem ser implementadas por todos os órgãos. No caso da Governança, as teorias de administração pública anteriores já avançaram muito no sistema de transparência, controle e organização do compliance. A aplicação da abordagem ASG pode ajudar a evoluir ainda mais o arcabouço institucional de governança pública ao contribuir para a inclusão da sociedade na formulação e fiscalização das políticas por meio da participação social. Trazer pessoas da sociedade civil para dentro da administração pública de forma estruturada, como iniciado pelo governo Lula na formulação do PPA participativo, é uma contribuição que a gestão pública ASG pode promover.
Existem vários outros campos de aplicação dos princípios ASG na administração pública como a regulação de mercado, a formulação de políticas públicas, a emissão de títulos públicos ASG, entre outros. Neste artigo, abordei apenas a aplicação dos princípios ASG na gestão pública, que está em constante construção. E a gestão pública ASG se apresenta como um caminho possível para adaptar a administração pública aos anseios contemporâneos.