Comissão de Veneza é um espaço institucional de defesa das democracias constitucionais

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Criada em 1990, a Comissão Europeia para a Democracia através do Direito, conhecida como Comissão de Veneza, completa, neste ano de 2025, 35 anos de existência. A Comissão de Veneza atua como um órgão de consulta do Conselho da Europa, oferecendo orientações sobre questões constitucionais. Surgiu, no ano de 1990, com o objetivo de garantir que países, especialmente os do leste europeu, pudessem ter um ambiente institucional de cooperação, diálogos e troca de ideias para consolidarem suas instituições e práticas democráticas.

Inicialmente, a Comissão de Veneza nasceu de um acordo entre 18 países que já eram membros do Conselho da Europa. Por mais de uma década, ela manteve um foco predominantemente europeu. No entanto, o seu prestígio e a relevância de seu trabalho levaram à adesão de países que não faziam parte do continente europeu, o que começou a ocorrer a partir de 2002.

Atualmente, a Comissão de Veneza se tornou um grupo grande e diversificado, composto por 61 membros. Apenas 15 desses 61 membros não pertencem ao Conselho da Europa. O Brasil se insere nesse grupo seleto: ingressou inicialmente como observador em 2008 e se tornou um membro pleno em 2009, ladeando outros países latinoamericanos como Chile, Costa Rica, México e Peru.

A participação brasileira é apoiada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual indica dois de seus membros como representantes para este fórum. De modo geral, esses membros são acadêmicos muito experientes, principalmente nas áreas de Direito Constitucional, os quais são pessoalmente responsáveis pelas opiniões que emitem perante a Comissão de Veneza, sendo indicados por seus países-membros para mandatos de quatro anos.

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As atividades da Comissão de Veneza são orientadas por três princípios fundamentais que buscam guiar o funcionamento das sociedades: a Democracia, os Direitos Humanos e o Estado de Direito. A partir desses princípios, a Comissão de Veneza desenvolve várias atividades práticas: i) assistência constitucional: ajudando países a elaborarem ou reformarem suas leis fundamentais; ii) assessoria para processos democráticos: por meio de consultorias, inclusive sobre eleições, organização de referendos (consultas populares); e ajuda para a formação de partidos políticos; iii) cooperação entre Cortes e defensores do povo: promovendo a troca de experiências entre tribunais constitucionais e os ‘Ombudsmen’; e iv)  Estudos e Seminários: fomento para estudos, relatórios e eventos internacionais sobre temas constitucionais.

Os membros da Comissão de Veneza reúnem-se, em sessões plenárias, quatro vezes ao ano, na cidade de Veneza, na Itália, com o objetivo promover um espaço institucional próprio para a discussão de questões constitucionais relevantes e, principalmente, sugestões práticas e já experimentadas para ajudar a consolidar as democracias mais jovens.

É importante notar que a função da Comissão de Veneza mudou ao longo do tempo. Originalmente, ela foi concebida como um instrumento para fornecer ajuda internacional em assuntos constitucionais mais urgentes, com o foco inicial de auxiliar países europeus que passavam por um contexto de transição democrática. No entanto, sua função evoluiu gradualmente. Hoje, a Comissão é reconhecida internacionalmente como uma instância de reflexão qualificada sobre questões constitucionais de alta relevância.

Nos primeiros tempos, a principal função do Conselho da Europa era servir como um fórum de discussões sobre novas formas de cooperação, tanto econômica quanto política, com foco especial em práticas e experiências democráticas. A ideia de criar a Comissão de Veneza surgiu exatamente dentro deste ambiente de busca por cooperação jurídica e diálogos especializados, durante uma Conferência dos Ministros dos Negócios Estrangeiros em janeiro de 1990. Seu Estatuto foi formalmente aprovado em maio de 1990.

Como mencionado, nos anos iniciais, a atuação da Comissão se restringiu aos países europeus, com um foco particular nas questões da Europa Central e Oriental. Contudo, desde 2002, seus objetivos foram ampliados, permitindo o ingresso de países de fora do bloco europeu. Atualmente, as principais diretrizes que norteiam a Comissão de Veneza são: i) oferecer assessoria e assistência quando solicitada; ii) emitir opiniões e pareceres sobre questões transnacionais que lhe são submetidas; iii) providenciar treinamentos para órgãos oficiais de governo, além de organizar seminários e oficinas sobre temas de interesse geral ou particular dos países-membros; iv) manter um centro de documentação sobre temas constitucionais e um banco de dados sobre precedentes constitucionais de seus países membros.

O principal objetivo da Comissão de Veneza hoje é reunir informações sobre os sistemas jurídico-constitucionais de seus membros. Essa coleta de dados visa aprofundar a compreensão das diferentes culturas jurídicas formadas no mundo, para então examinar os problemas comuns que afetam o funcionamento das instituições democráticas.

A adesão do Brasil à Comissão de Veneza não foi acidental. Ela foi impulsionada diretamente pelo Supremo Tribunal Federal. Os laços entre o STF e a Comissão foram fortalecidos por meio da cooperação mantida no âmbito da Conferência Ibero-Americana de Justiça Constitucional, da qual o Supremo Tribunal Federal é um membro fundador.

Em abril de 2009, o Brasil se tornou o 56º país membro da Comissão de Veneza. Uma das áreas de maior interesse da Comissão é justamente a Jurisdição Constitucional, que é a forma como as cortes máximas interpretam e aplicam a Constituição. Para facilitar a troca de informações nessa área, a Comissão criou um centro de documentação de assuntos constitucionais. Esse centro tem como objetivo reunir e divulgar a jurisprudência constitucional (as decisões importantes) dos países membros e associados, em uma base de dados conhecida como Códices.

Outra ferramenta de cooperação judicial é o Fórum de Veneza, que se trata de um fórum virtual o qual permite trocas rápidas e confidenciais de questionamentos e respostas entre os países membros. Quando um país precisa de uma informação específica sobre as experiências constitucionais comparadas de outros membros para resolver um problema local, ele utiliza este Fórum. Desde a sua adesão em 2009, o Brasil já respondeu a mais de uma centena de questões sobre temas constitucionais relevantes, demonstrando sua ativa participação neste Fórum de Veneza.

Além da troca de informações rotineiras, a Comissão de Veneza também apoia e organiza seminários e congressos nos países que os solicitam. São eventos paralelos que permitem a um grupo menor de membros refletirem sobre temas comuns e trocarem experiências em diálogos constitucionais de alto nível. Também merecem destaques os grupos linguísticos que foram sendo formados ao longo desses 35 anos de existência da Comissão de Veneza

Um destaque importante na atuação da Comissão é a co-organização das Conferências Mundiais sobre Justiças Constitucionais, que já teve cinco edições. O Brasil teve a honra de ser escolhido como sede e anfitrião da segunda edição deste evento, que ocorreu no Supremo Tribunal Federal, em janeiro de 2011, reunindo, no Rio de Janeiro, mais de 80 delegações de Cortes e Tribunais Constitucionais representantes de diversos grupos regionais e linguísticos.

Entre os dias 28 e 31 de outubro de 2025, ocorrerá o VI Congresso da Conferência Mundial sobre Justiças Constitucionais, em Madrid, na Espanha. O tema do encontro em Madrid será direitos humanos para as gerações futuras, com o objetivo de discutir a proteção dos direitos humanos e o papel dos tribunais e cortes constitucionais nesse contexto.

Promover diálogos judiciais transnacionais são um dos objetivos mais evidentes da Comissão de Veneza, fortalecendo os espaços institucionais das jurisdições constitucionais como instrumentos de proteção dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. Também destaca-se a missão de formar redes de contatos e apoio mútulo entre as jurisdições constitucionais para enfrentarem desafios comuns, especialmente em temas como independência judicial, crise climática e vulnerabilidades democráticas.

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A contribuição da Comissão de Veneza para a consolidação de um Estado Constitucional e Democrático no Brasil é, portanto, inegável. A participação brasileira, que oferece as peculiaridades e a experiência de nosso complexo e já sólido sistema de controle de constitucionalidade, é extremamente salutar e valorizada no cenário internacional, o que faz com que a presença brasileira na Comissão de Veneza e nas Conferências, Seminários e outros eventos por ela promovidos seja de extrema relevância para a consolidação de nosso Estado Democrático de Direito.