A transformação digital e a crescente adoção de inteligência artificial (IA) já impactam diretamente a produção, os modelos de gestão e a configuração das relações de trabalho no Brasil. Apesar do potencial disruptivo sobre emprego, qualificação e direitos trabalhistas, o tema ainda carece de regulamentação legal específica e não foi incorporado de forma consistente às convenções e acordos coletivos, revelando uma lacuna no tratamento jurídico e institucional.
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No Brasil, a negociação coletiva é reconhecida pela Constituição Federal de 1988 (art. 7º, XXVI) e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como um instrumento legítimo para adaptar as normas trabalhistas à realidade de cada setor ou empresa. Nesse cenário, e considerando que ainda não existe uma legislação específica que discipline a utilização da inteligência artificial nas relações de trabalho, a ausência de cláusulas sobre o tema em convenções e acordos coletivos revela uma lacuna regulatória significativa. Essa omissão pode gerar insegurança jurídica tanto para empregadores quanto para trabalhadores, além de fragilizar os mecanismos de proteção destinados à classe trabalhadora.
Embora ainda não exista previsão específica na legislação trabalhista para regular o uso da inteligência artificial, algumas normas já oferecem parâmetros relevantes. A Lei nº 14.611/2023 (igualdade salarial), a LGPD e a Constituição Federal trazem diretrizes sobre proteção de dados, combate à discriminação e preservação da dignidade humana. Mesmo sem foco direto na IA, esses marcos funcionam como referências importantes para orientar seu uso no ambiente laboral.
No cenário internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já reconheceu a inteligência artificial como tema emergente que requer regulação. A entidade ressalta a importância de políticas públicas e acordos coletivos que garantam transparência dos algoritmos, revisão humana de decisões automatizadas, requalificação dos trabalhadores afetados e proteção contra vieses discriminatórios. Assim, a ausência de norma específica no Brasil não significa partir do zero, já que há modelos estrangeiros consolidados que podem orientar a inclusão da IA em convenções coletivas.
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Na União Europeia, já existem normas gerais que estabelecem salvaguardas importantes em relação ao uso de novas tecnologias no ambiente de trabalho. Entre elas estão o direito à informação prévia sobre a implementação de inovações, a oferta de treinamento contínuo para garantir a adaptação dos trabalhadores às mudanças, a possibilidade de revisão humana de decisões automatizadas e a promoção de um diálogo social permanente sobre os impactos da inteligência artificial.
Nos Estados Unidos, setores como mídia e tecnologia já firmaram acordos coletivos com cláusulas que limitam o uso de inteligência artificial generativa. Entre as medidas estão a restrição à substituição de funções criativas — como roteiristas e atores — e a garantia de compensação quando a IA reduzir horas de trabalho ou reutilizar conteúdos produzidos por empregados. Um exemplo marcante foi o acordo firmado em 2023 entre o Writers Guild of America (WGA) e os estúdios de Hollywood, que proibiu a substituição integral de roteiros originais por textos criados exclusivamente por IA.
Embora algumas centrais sindicais já tenham incluído a inteligência artificial em suas pautas, ainda não há cláusulas específicas sobre o tema em convenções coletivas no Brasil. O debate segue restrito a seminários, estudos e propostas legislativas, como o PL nº 2.338/2023, que cria um marco regulatório para o uso responsável da tecnologia. Nesse cenário de transição, as convenções coletivas podem ter papel pioneiro, antecipando abusos e estabelecendo limites éticos e técnicos para a utilização da IA nas relações de trabalho.
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As relações coletivas de trabalho devem prever medidas de proteção aos empregados diante do avanço da inteligência artificial, como a transparência algorítmica, com informação clara sobre sistemas de IA que impactem recrutamento, avaliação, promoção, remuneração ou desligamento, assegurando acesso às lógicas utilizadas; a revisão humana obrigatória, de modo que decisões automatizadas que afetem direitos do trabalhador sejam revistas por pessoa física, com possibilidade de contestação; a proteção contra discriminação algorítmica, vedando o uso de IA que resulte em tratamento discriminatório por gênero, raça, idade, origem, religião, deficiência ou outra condição protegida por lei; e, por fim, a requalificação e transição profissional, mediante programas de capacitação e realocação interna para funções parcial ou totalmente substituídas por IA.
A inteligência artificial já deixou de ser um tema do futuro e passou a integrar o presente das relações de trabalho. A ausência de regulamentação legal específica reforça a urgência de sindicatos e empregadores negociarem parâmetros claros, éticos e protetivos. A negociação coletiva pode atuar como um verdadeiro laboratório normativo, construindo soluções que conciliem inovação tecnológica e proteção social, garantindo que a automação seja instrumento de progresso, e não de precarização.