Dedutibilidade da multa no acordo de leniência do grupo J&F em julgamento

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A possibilidade de dedução, para fins de apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de valores pagos a título de multa em acordos de leniência tem ganhado grande destaque no âmbito administrativo tributário.

O processo de 16561.720011/2021-27, envolvendo o grupo J&F Investimentos, julgado na última terça-feira (7/10), na 1ª Turma da Câmara Superior do Carf, representa um dos principais precedentes sobre o tema.

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Em 8 de abril de 2024, por 4 votos a 2, o colegiado da 4ª Turma Extraordinária da 1ª Seção do Carf proferiu o Acórdão 1004-000.137, reconhecendo a dedutibilidade das multas pactuadas no acordo de leniência.

Nesse contexto, apresenta-se uma síntese dos argumentos centrais que embasaram o voto vencedor, redigido pelo conselheiro Itamar Alves Ruga. Em primeiro plano, foi considerado que os valores não decorrem diretamente de atos ilícitos, mas sim do aludido acordo firmado entre a empresa e o Ministério Público Federal, instrumento jurídico legítimo e manifestamente lícito.

Outrossim, o voto indicou que a celebração do Acordo, previsto na Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), bem como os consequentes pagamentos configuram uma despesa compulsória, inafastável e inevitável, dado o interesse regular da empresa para continuidade de suas atividades. Tal entendimento, segundo o conselheiro estaria em consonância com o artigo 299, caput, do Regulamento do Imposto de Renda de 2018 (RIR/18) e §1º, que definem como operacionais as despesas necessárias à atividade da empresa, sem impor um rol taxativo.

Em sequência, foi deliberado que negativa de dedutibilidade dos pagamentos decorrentes do acordo de leniência representaria uma afronta direta à matriz de incidência do IRPJ e da CSLL. Isso porque a tributação pressupõe a existência de disponibilidade econômica ou jurídica, nos termos do artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN). No entanto, os desembolsos realizados não configuram disponibilidade, tampouco acréscimo patrimonial, uma vez que implicaram, de forma inequívoca, em redução do patrimônio da empresa.

Sob essa perspectiva, o conselheiro concluiu que a interpretação lógica e sistemática dos dispositivos legais permite reconhecer como dedutíveis as despesas tratadas, ainda que não recorrentes, por serem essenciais à continuidade da atividade empresarial (§ 6º do art. 47 da Lei 4.506/64). Sustentar que apenas gastos normais e usuais seriam dedutíveis ignora a realidade das operações, nas quais situações excepcionais exigem medidas igualmente extraordinárias.

Por outro lado, o entendimento divergente, manifestado pelo relator Efigênio de Freitas Júnior, apontou, em síntese, que, mesmo diante de decréscimo patrimonial, o lançamento fiscal deve se basear na glosa da despesa indevida. Isto porque a dedução de valores não autorizados impacta diretamente o lucro real, configurando, por consequência, o fato gerador do IRPJ e da CSLL.

Por conseguinte, realçou que a norma legal exige uma interpretação taxativa no que diz respeito a dedutibilidade, com isso, afirmou que não há qualquer previsão legal específica que autorize a dedução de valores em acordos de leniência, especialmente quando estes decorrem claramente de atos ilícitos.

Nesse âmbito, no que tange a natureza dos valores previstos no acordo de leniência, compreendeu que não teriam natureza indenizatória ou compensatória, mas sim se configuram como multa, dado que o referido acordo decorre de infrações, assim haveria nítida natureza sancionatória, não contratual.

Em suma, afirmou que os pagamentos não atendem aos critérios da matriz legal de dedutibilidade previstos nos artigos 299 do RIR/2018 e 47 da Lei 4.506/64. Não são necessários à atividade empresarial, tampouco usuais ou normais. São dispêndios decorrentes de sanções, o que os afasta do conceito de despesa operacional.

Adiro com o entendimento do conselheiro Itamar. Nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei 1.598/77, a base de cálculo do IRPJ corresponde à renda líquida, entendida como a receita total menos as despesas. As parcelas pagas no citado acordo não configuram renda, uma vez que não estão à fruição da empresa, mas representam decréscimo patrimonial decorrente de obrigação assumida. Assim, impõe-se a observância do princípio da renda líquida, sob pena de se tributar valores que não se enquadram no conceito legal de renda.

Ademais, os valores pagos no acordo de leniência não possuem natureza sancionatória e, desse modo, não se caracterizam como multa. Conforme o art. 16, § 3º, da Lei nº 12.846/2013, o pacto busca promover estabilidade empresarial e evitar sanções mais gravosas, sem legitimar condutas ilícitas. As parcelas têm clara natureza compensatória e indenizatória, destinadas à reparação integral do dano, conforme previsto na mesma lei e reforçado pelo art. 29 da Resolução 558/2024.

Isto posto, evidente que a despesa atende aos critérios legais de dedução, por ser necessária à continuidade das atividades empresariais diante de prejuízos de difícil reversão. Quanto à normalidade e usualidade, tais conceitos não se confundem com habitualidade, conforme expõem Luís Eduardo Schoueri e Guilherme Galdino[1]. Ainda que excepcional, trata-se de medida compatível com a lógica de gestão voltada à preservação da fonte produtora.

Corroborando com o exposto, o artigo 311, §1º, do RIR/18 permite uma exegese mais ampla ao definir que as despesas necessárias são aquelas pagas ou incorridas para a realização das atividades da empresa, sem excluir, consequentemente, outras despesas essenciais, ainda que atípicas ou extraordinárias. Logo, não há uma interpretação legal taxativa.

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Nesse viés, o Carf juntamente com multas aplicadas pela Bolsa de Valores, por infrações na liquidação de ações pelo Acórdão 1401-001.793 autorizou a dedução, indicando que[2] “(…) para o exercício das atividades econômicas, é absolutamente necessário atira-se num vasto campo do imprevisível (…) com a mais absoluta certeza que é praticamente impossível, em muitos setores econômicos, conseguir guiar um empreendimento sem arcar com multas impostas pela administração pública, o risco faz parte do negócio (…)”.

Em última análise, aplica-se por analogia o art. 352, §5º do RIR/18, que autoriza a dedução de multas compensatórias. Essa previsão legitima a dedutibilidade de parcelas com igual natureza. Negar essa dedução seria atribuir indevidamente caráter sancionatório ao tributo, contrariando o conceito previsto no art. 3º do CTN.

Destarte, no julgamento de 7 de outubro, a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf, por 7 votos a 3, não conheceu do Recurso Especial da Fazenda Nacional, mantendo a decisão que autorizou a dedução, para fins de IRPJ e CSLL, de valores pagos em acordo de leniência, estimados em R$ 10 bilhões. Ainda que se aguarde a publicação da íntegra, trata-se de precedente relevante, com potencial de orientar futuras decisões.


[1] Usual, importa deixar claro, não é necessariamente algo que ocorre com frequência. Do contrário, obstar-se-ia a criatividade da empresa empregada, para, por exemplo, promover a venda de uma mercadoria. (…) Mais ainda: o fato de o critério da usualidade estar atrelado ao “tipo de transações, operações ou atividades da empresa” não obsta despesas incomuns para esse ramo. O reconhecimento de sua normalidade não está atrelado a maior ou menor frequência com que se efetua uma despesa, mas guarda correlação com o objeto da empresa” (Tributação do ilícito, Dedutibilidade de despesas com atividades ilícitas, Schoueri, Luís Eduardo, Galdino, Guilherme, Malheiros, Editores, 2018, fls. 154/155).

[2] NETO, Carlos Agusto Daniel. Análise da jurisprudência do CARF sobre a dedução de despesas ligadas a ilícitos e de uma das causas das suas controvérsias. Revista de Direito Tributário da APET, São Paulo, n. 50, p. 95, abr./set.2024.