É sabido que todos devem concorrer para o financiamento das despesas públicas, de modo que o pagamento de tributos é um dever fundamental. Contudo, a complexidade do nosso sistema tributário, a carga tributária, a competitividade do mercado, a necessidade de obtenção e gestão de recursos financeiros, levam os contribuintes a avaliar a estrutura dos negócios jurídicos e a sua gestão tributária.
A Constituição Federal através dos princípios da livre concorrência, da livre iniciativa e da liberdade, consagrados nos seus art. 3º, inciso I, no caput do art. 5º e no art. 170, assegura ao contribuinte o direito de estruturar os seus negócios do modo que melhor lhe convém, ou seja, da maneira que entender mais adequada e eficiente aos seus interesses.
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Diante deste contexto, muitos contribuintes fazem uso de planejamento tributário visando reduzir o ônus tributário dos seus negócios, bem como para impulsionar o seu desempenho operacional ou até mesmo para sua manutenção no mercado.
O planejamento tributário é uma técnica utilizada pelos contribuintes para, de forma preventiva, evitar ou até mesmo postergar a ocorrência do fato gerador dos tributos. De acordo com Caliendo, consiste no “conjunto de atos ordenados do contribuinte na organização de seus negócios com o propósito de prever os efeitos tributários.” Sendo a elisão “o planejamento lícito de negócios, realizada conforme os princípios constitucionais que orientam a livre iniciativa e a livre concorrência, com o objetivo de obter o menor impacto fiscal”.
Ocorre que tal mecanismo de redução da carga tributária encontra limites quando os atos praticados são realizados exclusivamente para fins de economia tributária. Neste cenário, a aplicação da Teoria do Propósito Negocial tem sido utilizada pelo Carf para coibir planejamentos tributários que considere artificiosos e abusivos.
O propósito negocial é uma teoria que resulta da jurisprudência norte-americana, segundo a qual a economia tributária não pode ser o único ou principal objetivo de um negócio jurídico. Tal teoria propõe que o negócio jurídico contemple finalidade ou motivação que não seja apenas o de evitar ou reduzir a tributação.
Embora esta teoria auxilie na identificação de planejamentos tributários abusivos, no centro dessa controvérsia encontra-se a questão de não haver em nosso ordenamento jurídico regulamentação específica acerca dos limites à liberdade de planejar, bem como qualquer previsão legislativa sobre o propósito negocial.
O parágrafo único do art. 116 do CTN, introduzido pela LC 104/2001, estabelece que “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” Como se verifica, o referido dispositivo legal remete à observância dos “procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Ocorre que até o momento não há lei nesse sentido.
Vale lembrar que a MP 66/2002, dentre vários temas, tratava sobre os procedimentos para desconsideração de atos ou negócios jurídicos para fins tributários, anunciando a falta de propósito negocial e o abuso de formas como normas procedimentais a serem observadas pela autoridade administrativa. Contudo, o capítulo que versava sobre o tema foi rejeitado pelo Legislativo.
Ainda que os critérios objetivos voltados a disciplinar os limites do planejamento tributário se encontrem pendentes de regulamentação, decisões do Carf valorizam o propósito negocial e a substância dos atos como fundamento para desconsideração ou não dos negócios jurídicos.
Uma decisão que exemplifica a importância de não se presumir automaticamente a ilicitude de planejamentos tributários, mesmo quando resultam em economia fiscal significativa é a contida no Acórdão 1201-006.328. O caso envolveu recurso voluntário interposto contra decisão que manteve a autuação fundada na validade da operação de cisão parcial realizada e que destinou o patrimônio cindido para a outra empresa com desconsideração dos efeitos fiscais da posterior alienação das participações societárias. A fiscalização entendeu que o processo de cisão e constituição da empresa não possuía propósito negocial, pois a criação desta teve como única finalidade minorar a carga tributária incidente na alienação.
O Carf deu provimento ao recurso voluntário segundo o entendimento de que não há na lei qualquer dispositivo que vede ao contribuinte verter parcela de seu patrimônio a empresa recém-criada para realização de negócio jurídico. Foi identificado que todas as operações foram feitas de forma transparente, com o registro do ato de cisão parcial na Junta Comercial, com o pagamento do IRPF sobre o ganho de capital das pessoas físicas. De modo que restou clara a licitude de todas as operações não sendo possível desconsiderá-las para fins tributários.
Ainda no sentido de não se presumir a ilicitude do planejamento tem-se o Acórdão 1401-007.372, cujo caso envolveu recurso voluntário interposto contra decisão que manteve autuação fundada na prática de fragmentação artificial de atividade econômica, por meio da utilização de outras duas pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo empresarial do sujeito passivo, com o objetivo de reduzir a apuração e o recolhimento dos tributos mencionados.
A fiscalização havia identificado que a empresa utilizava serviços de transportadoras, atividade subsidiária a de comércio atacadista de mercadorias, para obter vantagem tributária, em razão da sistemática de apuração de lucro mais favorecida às transportadoras. Para a fiscalização, apesar de as transportadoras serem formalmente constituídas de maneira distinta da contribuinte, no seu entendimento, constituíam uma única empresa formando um grande grupo econômico e que toda a engenharia tributária não passava de um planejamento tributário abusivo. O julgamento na DRJ ocorreu por voto de qualidade, o que demonstra a complexidade da matéria.
O Carf deu provimento ao recurso voluntário por entender que a segmentação da atividade econômica realizada pelo grupo econômico em que o interessado faz parte, teve um propósito empresarial de aumentar a eficiência, onde cada empresa poderia atuar de forma focada em um segmento determinado. Restou identificado que a estruturação trouxe vantagens tributárias, uma vez que a contribuinte não podia optar pelo regime tributário do Lucro Presumido, enquanto as transportadoras podiam e optaram por este regime de tributação mais favorecida.
No entanto, tal operação não foi vista como um planejamento tributário abusivo, por não ter sido a única causa da estruturação, bem como por não ter sido constituído de forma artificial. Na decisão foi ressaltado que não sendo o propósito negocial um requisito essencial e não tendo sido verificado qualquer ato dissimulado que provocasse a sua desconsideração, a segregação operacional das atividades foi legal, dentro da vasta possibilidade de a empresa se organizar.
Por outro lado, o Acórdão 2101-003.281 exemplifica o entendimento de que mesmo não caracterizadas ilegais as operações realizadas, faz-se necessário demonstrar que o propósito negocial não seja a intenção de furtar-se ao pagamento do tributo devido. O caso envolveu recurso voluntário interposto contra decisão que manteve a autuação resultante da constatação de omissão de rendimentos de pessoa jurídica e omissão na apuração de ganhos de capital na alienação de ações não negociadas em bolsa de valores.
A fiscalização concluiu pela utilização de um planejamento abusivo, pois a utilização de fundo de investimento teve o intuito de desobrigar o contribuinte do pagamento do imposto devido sobre ganho de capital na venda da empresa.
O Carf deu provimento ao recurso voluntário para tão somente reduzir a multa qualificada para 100%, nos termos do art. 8º, da Lei 14.689/2023. O voto condutor adotou como razões de decidir a decisão da 1ª instância, uma vez que restou evidenciado que o contribuinte, ao invés de vender as ações da empresa, apurar o ganho de capital com o subsequente recolhimento do tributo, para depois criar o FIP, optou por promover uma série de operações sequenciais de forma a transferir as ações para o fundo e promover a alienação por meio deste, sem o consequente pagamento do imposto relativo ao ganho de capital.
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Conforme apontado pela autoridade fiscal, o propósito do FIP não foi o de melhorar a gestão da empresa, visto que ela não permaneceu na gestão do fundo, sendo imediatamente alienada após sua integralização. Não foi constatado qualquer propósito negocial ao integralizar as quotas do fundo recém criado com ações da empresa. Ademais, há o fato de o único cotista do fundo ser o proprietário da empresa. Foi inferido disso e do conjunto probatório a intenção de promover a alienação da empresa sem a apuração do ganho de capital.
Como se verifica, a jurisprudência do Carf busca equilibrar os interesses, reprimindo aqueles planejamentos artificiais e abusivos. E, enquanto não for editada uma norma geral antielisão, pode-se dizer que o limite da liberdade de realizar um planejamento tributário depende da estrutura dos negócios jurídicos, uma vez que um planejamento baseado em estudos de viabilidade econômica, avaliações técnicas e jurídicas, tende a ser lícito por coerência negocial.
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