Moratória da soja é arranjo concorrencialmente legítimo e essencial à proteção da Amazônia

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A moratória da soja é um compromisso privado firmado em 2006 por tradings, associações setoriais e organizações da sociedade civil, no exercício da liberdade contratual e da livre iniciativa, que tem o intuito de combater o desmatamento na Amazônia ao estabelecer julho de 2008 como marco temporal a partir do qual as entidades associadas não comprariam mais soja de áreas desmatadas no bioma amazônico.

Evidências de efetividade ambiental

A literatura empírica sugere que a moratória reduziu substancialmente o desmatamento associado à expansão da soja. Estudo clássico publicado na revista Science[1] (Gibbs et al., 2015) indica que, após 2006, a conversão direta de floresta para lavouras de soja na Amazônia despencou, com deslocamento da produção para áreas previamente abertas.

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O Imazon[2] mostrou que, até 2014, após oito anos de moratória, quase não houve abertura de novas áreas florestais para soja, enquanto a produção cresceu significativamente, o que denota o cumprimento da meta de conservação ambiental com enorme ganho de eficiência na produção de soja e a Embrapa[3] também reportou redução de cinco vezes no desmatamento histórico em Mato Grosso após o início do acordo.

Essas evidências sugerem que a moratória internaliza uma externalidade ambiental negativa, reduzindo o risco sistêmico climático e reputacional do setor, em total sintonia com os princípios da ordem econômica, ambiental e os objetivos de redução do desmatamento estabelecidos pelo estado brasileiro, que pretende reduzir o desmatamento a zero até o ano de 2030[4].

Natureza jurídica e compatibilidade constitucional

Do ponto de vista jurídico, a moratória da soja é um acordo privado de autorregulação setorial com efeitos difusos benéficos, alinhado aos artigos 170, VI (defesa do meio ambiente) e 225 (dever de proteção ambiental) da Constituição, além de não possuir força legal que tenha o efeito de impedir a produção rural fora de seus padrões.

Como a iniciativa restringe a compra apenas de soja de terras desmatadas após julho de 2008, não há qualquer restrição ao cultivo e comercialização de outras culturas agrícolas nos terrenos que não atendam aos critérios do acordo. Da mesma forma, a moratória não contraria disposições do Código Florestal, mas tão somente estipula critérios adicionais para aquisição de soja na região, no intuito de contribuir para a redução do desmatamento – tarefa que vem cumprindo com sucesso desde então – em total consonância com o art. 225 da Constituição.

Sendo assim, a moratória da soja também está alinhada ao princípio da livre iniciativa, disposto nos artigos 1º (inciso IV) e 170, da Constituição Federal, porque decorre da autonomia privada das empresas integrantes do acordo, que não podem ser compelidas a comprarem produtos que destoem de seus próprios requisitos, livremente concebidos.

Importante salientar, ainda, que a moratória não estabelece qualquer restrição à comercialização de produtos a empresas que não tenham aderido ao compromisso, preservando a liberdade econômica tanto dos produtores rurais que não estejam enquadrados nos requisitos previstos no acordo como das comercializadoras que dele não participam.

Por se tratar de iniciativa tomada por um grupo de empresas visando dar concretude a diversos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil, políticas como a moratória da soja contribuem para o cumprimento de metas assumidas internacionalmente sem que o Estado precise impor novas obrigações legais aos produtores.

A autorregulação ambiental empresarial não tem o poder e nem a intenção de substituir o poder de polícia estatal, mas pode potencializar o cumprimento de objetivos públicos, sobretudo no atingimento de metas ambientais relacionadas a cadeias complexas e transnacionais. Também viabiliza a informação e a escolha por produtos com menor impacto ambiental, em respeito ao consumidor, que tem o direito de buscar consumir produtos de origem sustentável e que representem menos riscos ao meio ambiente.

Questionamentos concorrenciais e a decisão do Cade

A análise finalística e fundada em efeitos da lei antitruste brasileira (Lei 12.529/2011) não proíbe a cooperação entre rivais per se, mas apenas quando produz ou tende a produzir efeitos anticompetitivos injustificáveis. Em acordos setoriais com objetivos legítimos aplica-se uma regra de racionalidade. A moratória não disciplina preços, volumes de produção ou condições comerciais, mas tão somente estipula critérios socioambientais para aquisição de produtos por determinadas empresas. As conformidades são claras a partir do marco temporal estabelecido (julho de 2008), em que as signatárias não mais adquiririam soja de terras que fossem desmatadas a partir da referida data.

A iniciativa também não restringe a aquisição de outros produtos agrícolas nem impõe aos donos das terras qualquer conduta, visto que permanecem livres para produzirem e comercializarem o que bem entenderem em suas propriedades, inclusive soja, não havendo qualquer restrição imposta aos produtores rurais. Desse modo, a iniciativa não representa infração à ordem econômica, uma vez que não há conduta concertada que afete variáveis competitivas.

No entanto, no último dia 18 de agosto, a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica impôs medida preventiva em processo administrativo determinando a suspensão da moratória, alegando possível troca de informações comercialmente sensíveis entre concorrentes e risco de “cartel de compras”[5].

É importante frisar, todavia, que não há qualquer prática anticompetitiva, colusão ou troca de informações sensíveis à concorrência no âmbito da moratória da soja que possam prejudicar o mercado consumidor. O que efetivamente acontece é um acordo firmado às claras, que respeita a legislação brasileira, em que determinadas empresas, em respeito às suas próprias políticas e metas ambientais, estabeleceram que não comprariam mais soja de terras que fossem desmatadas a partir de determinada data.

Trata-se de medida importantíssima de combate à degradação ambiental no bioma amazônico, que comprovadamente contribuiu para a redução do desmatamento na região, e que desde sua implementação contou inclusive com o apoio do governo federal.

Por essas razões, e considerando a importância da moratória da soja como instrumento legítimo e de relevante contribuição ao desenvolvimento sustentável, que a Justiça Federal suspendeu liminarmente a ordem da SG/Cade, restabelecendo a moratória até julgamento colegiado do próprio Cade sobre o recurso da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).

Tal reconhecimento reforça que o pacto não viola a ordem econômica, mas sim contribui para importantes políticas públicas relacionadas ao agro e ao meio-ambiente, além de atender a compromissos internacionais a qual o Brasil está sujeito como a Regulamentação Europeia de Produtos Livres de Desmatamento, que entra em vigor em dezembro deste ano.

Os efeitos da moratória da soja são amplamente positivos e comprovados. Nada obstante, ainda que se cogite adentrar à análise de efeitos concorrenciais, seria necessário comprovar, além de práticas colusivas e anticoncorrenciais, que a iniciativa tivesse o efeito de prejudicar consumidores, a exemplo do aumento artificial dos lucros das empresas participantes ou do aumento do preço final da soja ao consumidor, o que não ocorre na prática.

Pelo contrário, a produção de soja cresceu significativamente nos últimos anos – revelando enorme ganho de produtividade, uma vez que a produção cresceu muito sem que para isso fosse necessário desmatar – enquanto os preços seguem determinados pelas regras de mercado.

Assim, os questionamentos existentes não dizem respeito a eventuais distorções de mercado geradas pela moratória ou a efeitos deletérios sobre o mercado consumidor, mas tão somente ao interesse de poucos em produzir soja na região amazônica e conseguir acessar os mercados globais, necessitando, para isso, acabar com a moratória da soja, ou ao menos fragilizar a iniciativa.

Conclusões

Como dito, a moratória da soja não exerceu qualquer influência negativa no nível de produção da commodity ou no nível de preços praticado no mercado. Isso tudo contribuindo expressivamente na redução do desmatamento na região amazônica, o que comprova o sucesso da medida.

Dessa maneira, fragilizar a iniciativa não teria quaisquer efeitos positivos sobre o mercado consumidor, enquanto, por outro lado, poderia ter impactos negativos significativos sobre o meio ambiente, além de beneficiar quem está interessado apenas no crescimento de sua produção, sem considerar os graves impactos socioambientais que o fim da moratória poderia acarretar.

Além disso, a moratória é juridicamente compatível com a ordem econômica e ambiental brasileira e não configura prática anticoncorrencial. A iniciativa, enquanto instrumento de autorregulação, tem o êxito de proteger a floresta amazônica e sedimentar o acesso a mercados internacionais pelo Brasil, reforçando a reputação do país e sua posição de liderança na agenda climática global.

Sem dúvidas, o fim da moratória não importaria em benefício à população, além de servir de incentivo para o aumento do desmatamento na região, prejudicando os esforços na preservação da Amazônia, minando os esforços de combate ao aquecimento global e deteriorando a imagem e liderança brasileira internacionalmente.


[1] https://www.science.org/doi/10.1126/science.aaa0181

[2] https://imazon.org.br/imprensa/estudo-aponta-que-moratoria-da-soja-ainda-e-necessaria-para-preservar-amazonia/

[3] https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/23411538/impacto-da-moratoria-da-soja-na-reducao-de-desflorestamentos-e-maior-do-que-se-estimava

[4] https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/governo-federal-lanca-plano-nacional-para-controle-do-desmatamento-nos-biomas-brasileiros#:~:text=A%20meta%20estabelecida%20pelo%20presidente,Queimadas%20no%20Brasil%20(PPCD)

[5] https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/08/18/cade-determina-suspensao-da-moratoria-da-soja.ghtml