Avaliação de desempenho no setor público: desafios da gestão estratégica

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A Fundação Dom Cabral publicou, em 2025, um documento com o título “Reforma administrativa: Por que precisamos de uma?”. Em um brilhante diagnóstico da administração pública, feito por Humberto Falcão Martins, há uma justa crítica à falta de avaliação de desempenho dos servidores públicos, identificando-se iniciativas nesse sentido, porém insatisfatórias ou cooptadas pelas carreiras, transformando-se em mero aumento salarial.

Uma das razões apontadas pelo documento é que os modelos vigentes “geralmente são baseados em avaliações pontuais, que só são realizadas para a concessão de remunerações adicionais, sem integrar um processo contínuo de gestão” (Falcão Martins, 2025).

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A crítica é justa e muito bem fundamentada, porém, acredito que uma análise mais integrada pode contribuir para o desenho de uma solução na avaliação de desempenho e das políticas públicas.

É preciso, primeiramente, delimitar o assunto que estamos tratando:

“Desempenho é a manifestação das competências desenvolvidas pelo indivíduo durante sua trajetória profissional. As competências são reveladas, então, quando as pessoas agem frente às situações profissionais com as quais se defrontam. Além disso, servem como ligação entre atributos individuais e a estratégia da organização” (Zarifian, 1999 apud Pantoja, 2015; Prahalad; Hamel, 1990 apud Pantoja, 2015).

Dada a necessidade de considerar a estratégia da organização, a avaliação de desempenho é a última etapa de um processo lógico. Afinal, se estamos avaliando algo, esse algo deve ter parâmetros pré-estabelecidos para avaliar e direcionar o desempenho do servidor. No setor público, a discussão desses parâmetros não é trivial.

Tais parâmetros não são estabelecidos por um conselho, acionistas ou diretoria do órgão, como ocorre no setor privado, mas por um processo extremamente complexo de definição de interesses: as eleições. No caso do Brasil, mais de 160 milhões de pessoas vão às urnas a cada dois anos escolher aqueles que melhor representam seus interesses, ou seja, aqueles que definirão a estratégia da organização, explicitando seus compromissos por meio de programas de governo.

Por outro lado, órgãos federais e subnacionais, por vezes, elaboram planejamentos estratégicos para suas áreas e, ainda que amparados por normas legais ou infralegais, podem sofrer com a ausência de legitimidade se não forem priorizados pelo governo vigente, dado que, conceitualmente, um planejamento estratégico é elaborado para um período maior que um mandato.

O Plano Plurianual possui regras que o caracterizam como o instrumento mais próximo de um planejamento estratégico. Regras orçamentárias impostas para a continuidade das políticas de Estado e a escassez orçamentária criam incentivos para que o instrumento não seja aproveitado em todas as suas potencialidades, embora permitam que políticas públicas sofram escrutínio do Poder Legislativo caso sejam alteradas.

Embora haja políticas de Estado e carreiras públicas que devam ser estáveis para proporcionar continuidade ao funcionamento da administração pública, a liderança que define as prioridades pode mudar a cada quatro anos. Os instrumentos de gestão devem municiar essa liderança com mecanismos que permitam a execução do pactuado com o povo durante as eleições.

Portanto, o desafio em elaborar instrumentos efetivos de avaliação transcende a mensuração do desempenho do servidor, alcançando a avaliação das políticas públicas como um todo e a elaboração de planejamentos consistentes no âmbito político e estratégico.

Ainda assim, iniciativas de medição do desempenho do servidor são frequentes no país, tais como a Bonificação por Resultado no estado de São Paulo e as Gratificações por Desempenho no governo federal. Porém, como bem observou Falcão Martins, são cooptadas pelo corporativismo das carreiras, tornando-se remuneração adicional ou desalinhadas com a missão institucional.

Uma alternativa que pode contribuir com a avaliação de desempenho dos servidores (e do serviço público), bem como com o fortalecimento da democracia, é o aprimoramento do plano de governo, elevando-o a um plano estratégico alinhado aos instrumentos institucionais do Estado.

Tal planejamento permitiria que a administração pública aprofundasse os instrumentos de gestão de pessoas com o objetivo de consolidar a gestão por competências.

“A gestão por competências pode ser considerada uma boa ferramenta para a interação entre os modelos de orientação para resultados, a estratégia institucional e as pessoas que compõem a organização” (Pantoja, 2015).

Ao aproximar os instrumentos de gestão daquilo que foi pactuado nas urnas e fortalecer a cultura de acompanhamento e responsabilização, abre-se espaço para uma burocracia mais eficiente, transparente e, sobretudo, responsiva às demandas coletivas.

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A possibilidade de tornar o plano de governo do ainda candidato a um cargo executivo um plano estratégico não é uma panaceia, mas uma necessária integração para o aprimoramento do serviço público e do servidor no exercício de sua função. Inclusive, ao debater o planejamento estratégico à luz da legitimidade democrática, voltamos a atenção para soluções que proporcionem uma governança mais colaborativa, integrando sociedade, Estado e mercado.

Em suma, a avaliação de desempenho no setor público deve ser tratada como parte de uma engrenagem mais ampla que conecta estratégia, legitimidade democrática e resultados para a sociedade.


FALCÃO MARTINS, Humberto. Reforma administrativa. Por que precisamos de uma?. Fundação Dom Cabral, 2025

PANTOJA, Maria Júlia. Gestão por Competências: Apostila. ENAP, Brasília, 2015.