Controle com base em consequências

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Os princípios de direito administrativo são conceitos jurídicos vagos, mas amplamente utilizados por gestores e órgãos de controle na tomada de decisões. Dada sua abstração, surge o dilema: como decidir com base neles?

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), alterada em 2018, oferece uma resposta: o art. 20 exige que, ao decidir com base em valores jurídicos abstratos — como moralidade, eficiência ou interesse público — sejam consideradas e explicitadas as consequências práticas da decisão. O dispositivo busca promover uma cultura de fundamentação concreta e racional na esfera pública.

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De um lado, determina a interpretação do direito conforme seus efeitos reais; de outro, impõe um dever especial de motivação, determinando justificar a necessidade e a adequação da medida adotada. A administração e o controle, incluindo o TCU, ao fundamentarem decisões em valores abstratos, devem fazê-lo considerando impactos econômicos e sociais.

Decisões da Corte de Contas indicam uma assimilação gradual, porém efetiva, do art. 20.

O acórdão 3964/2025, da 1ª Câmara, tratou de pedidos de reexame da Universidade Federal de Goiás (UFG) e de candidatos aprovados em concursos de outras instituições, mas admitidos na UFG. A decisão original considerou essas admissões ilegais, por entender que o aproveitamento de candidatos de certames distintos, com exercício em localidades diversas, violaria a regra de correspondência entre o órgão promotor do concurso e o local de exercício.

No reexame, o relator adotou postura distinta, fundamentando seu voto nos princípios da segurança jurídica, eficiência, igualdade e razoabilidade, bem como nas consequências práticas, conforme o art. 20 da LINDB. Observou que as admissões ocorreram entre 2013 e 2014, com os servidores já há mais de dez anos no serviço público, sem má-fé ou prejuízo ao erário. Nessas condições, anular os atos seria inócuo e traria prejuízos administrativos e humanos, afetando a continuidade do serviço e a estabilidade funcional.

Outro exemplo: o acórdão 1895/2021, do plenário, analisou um pregão do Ministério do Desenvolvimento Regional que previa, entre outros itens, o uso de taças de cristal e talheres de prata. Embora reconhecendo a impropriedade da exigência desses tipos de itens, o TCU entendeu que não houve prejuízo material relevante nem restrição à competitividade, optando por não anular a licitação. Limitou-se a dar ciência ao órgão e recomendar ajustes. Em vez de invalidar todo o procedimento, a decisão priorizou a eficiência e a prevenção de falhas.

No acórdão 1045/2020, também do plenário, o TCU enfrentou um desvio de objeto na aplicação de repasses provenientes do Fundo Nacional de Saúde por um município. A decisão reconheceu a gravidade da irregularidade e aplicou multa ao gestor, mas dispensou a devolução dos valores por entender que isso comprometeria o cumprimento das metas do plano de saúde local.

O relator destacou que ter de devolver recursos recebidos há dez anos afetaria demandas públicas atuais. O voto deixou claro que a decisão se baseou na análise de efeitos concretos.

Esses precedentes mostram que o TCU vem incorporando, em sua prática decisória, a lógica do art. 20 da LINDB — às vezes, mesmo sem mencioná-lo ou aplicando-o a decisões que não foram tomadas puramente com base em princípios. O tribunal reconhece que suas decisões devem considerar, sobretudo, seus impactos sobre a sociedade, a economia e a gestão pública.