Rodovias estaduais: novo decreto pavimenta captação de investimentos privados

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O Brasil tem mais de 1,7 milhão de quilômetros de rodovias. Mas só cerca de 12% desse total é pavimentado, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT)[1]. Nas rodovias estaduais, o cenário é ainda mais desafiador. Cerca de 75% da malha sob gestão dos estados apresenta algum tipo de deficiência no pavimento, na sinalização ou na geometria (perfil do traçado, curvas, drenagem etc.), conforme levantamento da Pesquisa CNT de Rodovias 2024.

O reflexo aparece na vida e no bolso de todos: elevado custo logístico, perda de competitividade e riscos para motoristas, passageiros e cargas nas estradas estaduais.

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Os estados enfrentam forte dificuldade para reverter esse quadro. O espaço fiscal é curto, engessado por despesas obrigatórias. O ICMS, principal fonte de arrecadação própria, sofre oscilações cíclicas que comprometem qualquer planejamento de longo prazo. Projetos rodoviários combinam com previsibilidade orçamentária, algo raro nas contas estaduais.

O cenário deixa claro a necessidade de fontes alternativas de financiamento e de modelos de gestão capazes de promover com eficiência a recuperação e manutenção das estradas estaduais.

É nesse contexto que se insere a recente iniciativa do governo federal, por meio do Decreto 12.626, publicado em 17 de setembro. A norma criou uma política nacional para apoiar projetos estaduais e distritais de recuperação e manutenção de rodovias, por meio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Na prática, significa que a União passará a apoiar os estados a atrair investimentos privados para enfrentar o problema histórico da falta de investimentos na malha viária local.

O PPI foi criado em 2016 com o objetivo de ampliar e fortalecer a interação entre o setor público e o privado em projetos de infraestrutura. Funciona como uma plataforma de governança para desenvolver as chamadas “parcerias de investimentos”, que envolvem instrumentos como concessões e parcerias público-privadas.

O Programa, atualmente vinculado à Casa Civil, já contribuiu para viabilizar diversos empreendimentos em setores como energia, saneamento e mobilidade. Sua força está em oferecer previsibilidade regulatória, segurança jurídica e acompanhamento estratégico, por meio de equipes multidisciplinares de elevada qualificação técnica.

A novidade do Decreto está em trazer para dentro do PPI a política de fomento a parcerias em estradas dos estados e do Distrito Federal. A lógica é simples, mas poderosa: usar a experiência e os instrumentos do programa federal para auxiliar estados e o Distrito Federal na estruturação de projetos de recuperação e manutenção viária.

Experiências anteriores mostram que concessões podem contribuir para o avanço da infraestrutura brasileira, desde que bem planejadas, com adequadas regras de incentivo ao desempenho e à qualidade. Também revelam que muitos estados ainda não possuem estruturas administrativas suficientes para desenvolver projetos complexos para atrair investimentos privados para o desenvolvimento da infraestrutura local. O novo decreto busca equilibrar esse jogo, permitindo que a União compartilhe conhecimento e governança.

De acordo com o novo Decreto, em um primeiro momento, até cinco projetos-piloto serão selecionados, distribuídos pelas diferentes regiões do país. A prioridade será para trechos contínuos de corredores estratégicos, com tráfego intenso e impacto econômico imediato. Isso deve garantir que ao menos seja contemplada uma rodovia estadual estratégica de cada região.

Esses projetos não substituem a responsabilidade local, mas criam condições para que novas modelagens de contrato, mais eficientes e sustentáveis, sejam testadas e disseminadas. A ideia é combinar tecnologia e gestão para oferecer mais eficiência e melhor serviço ao usuário.

A norma publicada definiu três eixos para os projetos-piloto: gestão rodoviária; mudanças climáticas e segurança viária; e obras avaliadas por desempenho. Cada iniciativa precisa abranger pelo menos quatro medidas de melhoria da qualidade das estradas. Isso inclui ações como restauração e manutenção, implantação de sistemas de drenagem e sinalização, pesagem de veículos, contagem de tráfego, videomonitoramento e sistemas de alerta de desastres naturais.

A seleção dos projetos será realizada pela Secretaria Especial do PPI. Cabe a ela também acompanhar as diversas etapas dos projetos, desde os estudos de viabilidade até a operação dos contratos. Por isso, a qualidade dos projetos apresentados pelos estados será decisiva. Estudos consistentes, dados atualizados e modelagens adequadas do ponto de vista jurídico, econômico e ambiental elevam as chances de seleção pelo PPI – e também atraem investidores.

O Decreto trouxe outro ponto importante: a possibilidade de usar recursos de fundos públicos ou privados para financiar a fase de estruturação dos projetos. Isso sinaliza que haverá fontes para custear as despesas iniciais dos empreendimentos, que geralmente são elevadas e envolvem consultorias especializadas, levantamentos técnicos e modelagens de concessões.

A expectativa é que, após a avaliação dos primeiros resultados, o PPI edite diretrizes gerais para apoiar novos empreendimentos estaduais. Com isso, criam-se as bases de uma política nacional de cooperação federativa em infraestrutura rodoviária.

O sucesso da medida passa pela submissão de boas propostas pelos estados, pela adequada escolha dos trechos e pela qualidade dos estudos. Também dependerá da confiança transmitida ao setor privado. Os investimentos necessários são significativamente altos e o retorno ao particular apenas ocorre no longo prazo. Por isso, é preciso garantir segurança jurídica e mecanismos adequados de equilíbrio econômico-financeiro durante a execução dos contratos.

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O certo é que a malha rodoviária estadual ganha novo caminho para diminuir sua dependência dos limitados recursos orçamentários dos estados. Uma oportunidade para o país reduzir custos para o escoamento da produção agrícola e industrial, aumentar a competitividade, preservar vidas e integrar o território por meio da recuperação e manutenção das estradas estaduais.

Para os estados, representa receber apoio técnico e institucional para acessar capital privado. Para os investidores, contar com segurança e previsibilidade. Para a população, trafegar em rodovias locais mais seguras, rápidas e eficientes. Para todo o país, pavimentar o progresso e avançar na rota do desenvolvimento.


[1] Pesquisa CNT de Rodovias 2024. – Brasília: CNT: SEST SENAT: ITL, 2024.