O embate estava dado. O presidente Lula optou pela calibragem mais firme no discurso que levou à abertura da Assembleia Geral da ONU, no dia seguinte do anúncio de sanções por parte dos EUA a indivíduos brasileiros. Afirmou que democracia e soberania são inegociáveis, arrancando aplausos da plateia, criticou a ingerência americana e defendeu todos os ritos do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, sem citar Donald Trump ou os EUA. Tratou de todos os temas que irritam a Casa Branca.
Em seguida, em discurso que extrapolou o prazo regulamentar (e teve direito a teleprompter quebrado), o americano pregou o negacionismo no clima, chamou as energias renováveis de piada e acusou as energias verdes de vetor para redistribuir a manufatura e a renda dos países desenvolvidos para “as nações poluidoras que fazem uma fortuna”. Não podiam estar em lados mais opostos.
No entanto, o mais importante no ponto de congelamento a que chegou a relação Brasil-EUA, com nova escalada da crise com o anúncio de sanções desta semana, não foram os esperados discursos antagônicos, mas o que aconteceu fora do plenário da assembleia. Por 39 segundos, segundo Trump, ele e Lula se cruzaram e tiveram “uma boa conversa”. Marcaram de se encontrar na semana que vem. A informação ainda não foi confirmada pelo governo brasileiro.
“Ele gosta de mim e eu gosto dele”, afirmou Trump, arrancando risos da plateia. No morde e sopra do americano, a “química excelente” que tiveram do lado de fora, segundo ele próprio descreveu, não o impediu de repetir que o Brasil vai mal e continuará assim enquanto não trabalhar com os EUA. Trump criticou o Judiciário brasileiro e falou em uso da justiça como arma política.
A retórica dos dois lados era mais do que esperada. Mas o baile com o tal abraço do lado de fora, que não foi combinado, mas certamente respeitava coreografia conversada de lado a lado antes de cruzarem o mesmo caminho, pode ser o sinal de que o diálogo finalmente pode começar a ser retomado.
Até aqui, os canais estavam congelados e as negociações paralisadas desde 4 de julho, a última vez que negociadores dos dois países se reuniram em Washington pela última vez. No entorno do presidente, falava-se no fator imprevisível quando se trata de Trump, quando se especulava o que poderia acontecer no encontro, mas todos sabiam que Lula não ia se furtar a responder e até a dar um abraço no americano, “como já fez com Javier Milei em Buenos Aires, que o chamou de corrupto”, lembra um fonte.
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No lado brasileiro, ainda não estão descartadas novas sanções individuais. Lula ainda fará outros discursos em Nova York. E um deles será durante a 2ª edição do evento “Em defesa da democracia contra o extremismo”, em que tocará novamente nos temas soberania e democracia, e na regulação das plataformas e da internet, assunto que deve tomar a pauta da relação bilateral em breve, segundo avaliam interlocutores do governo. O cancelamento do visto de Jorge Messias da AGU não terá sido por acaso.
Ainda é cedo para se falar em trégua. O governo brasileiro está certo de que este é um embate com calendário definido, que só termina na eleição de 2026. Na extrema-direita, já há a leitura de que Trump foi “gênio” ao “denunciar a ditadura brasileira e a invasão da jurisdição americana bem na ONU”, nas aparvas de Paulo Figueiredo em uma postagem logo após o discurso do americano. A guerra de narrativas continua em curso. Resta saber qual delas será a vitoriosa. Até aqui, o governo Lula acha que a sua atual vantagem abre caminho para 2026.