A Constituição Federal assegura à trabalhadora gestante o direito à licença sem prejuízo do emprego e do salário. Esse direito, previsto no artigo 7º, inciso XVIII, é mais do que uma garantia trabalhista: é uma expressão do compromisso do Estado com a proteção da maternidade e da infância. O salário-maternidade, portanto, não é apenas uma verba paga à empregada afastada, mas um benefício previdenciário que tutela os interesses da mãe e da criança.
Com a edição da Lei 10.710/2003, o pagamento do salário-maternidade passou a ser feito diretamente pelas empresas, as quais têm o direito de compensar esse valor com as contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários mensal. A lógica é que a empresa antecipa o benefício e depois é ressarcida pela Seguridade Social. No entanto, essa dinâmica tem gerado dúvidas e controvérsias, especialmente quando o valor da remuneração da empregada ultrapassa o limite do subsídio mensal dos ministros do Supremo Tribunal Federal, teto remuneratório previsto no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal.
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O artigo 72, caput, da Lei 8.213/1991 determina expressamente que o salário-maternidade deve corresponder à remuneração integral da empregada. O ponto de tensão surge quando se analisa o parágrafo primeiro deste dispositivo, o qual trata do direito à compensação desse salário. A legislação previdenciária, ao fazer referência ao artigo 248 da Constituição Federal (teto constitucional), estabelece que o valor compensável não pode ultrapassar o subsídio mensal dos Ministros do STF.
Em termos práticos, se a remuneração da empregada for superior a esse teto, a diferença não poderá ser deduzida das Contribuições Previdenciárias, tornando-se um custo direto para o empregador.
Ocorre que essa limitação legal não é constitucionalmente válida. O Supremo Tribunal Federal, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.946, já analisou a aplicação do teto dos benefícios do RGPS ao salário-maternidade e entendeu que limitar o valor deste benefício previdenciário implicaria em discriminação de gênero, ao tornar a contratação de mulheres mais onerosa para o empregador. A decisão foi unânime: o salário-maternidade não se sujeita ao teto previdenciário, justamente para preservar o princípio da igualdade e evitar que a maternidade se transforme em obstáculo profissional.
Esse raciocínio pode ser estendido à limitação imposta pelo artigo 72 da Lei 8.213/1991 quando interpretado em conjunto com o teto remuneratório constitucional. Se o salário-maternidade não pode ser limitado pelo teto do RGPS, tampouco pode ser restringido pelo teto do funcionalismo público para fins de compensação. Afinal, o princípio da remuneração integral não admite exceções.
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A empresa deve pagar à empregada o valor total de sua remuneração, e esse montante deve ser integralmente sujeito a compensação. Qualquer interpretação em sentido contrário afronta os princípios constitucionais da igualdade, da proteção à maternidade e da dignidade da pessoa humana.
Esta interpretação já encontrou guarida no Tribunal Regional Federal da 3ª Região no julgamento de uma ação declaratória anulatória ajuizada para afastar a glosa da compensação das Contribuições Previdenciárias sobre o salário-maternidade. Prevaleceu o entendimento de que, com base na ADI nº 1.946, o salário-maternidade não está sujeito ao limite de compensação[1].
Diante desse cenário, é legítimo que as empresas, especialmente aquelas que enfrentam impactos financeiros relevantes, avaliem a possibilidade de discutir judicialmente a inaplicabilidade do limitador previsto no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, buscando assegurar o pleno ressarcimento dos valores pagos a título de salário-maternidade e a conformidade com os preceitos constitucionais.
[1] TRF3; 1830916 / Sp 0008680-84.2011.4.03.6105; Relator(a): Desembargador Federal Wilson Zauhy; Órgão Julgador: Primeira Turma; Data da Decisão: 17/09/2019; Data de Publicação: 30/09/2019