Planejamento tributário e sonegação fiscal

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De um modo geral, os grandes grupos empresariais de hoje foram pequenas empresas familiares ontem. Graças a uma bem sucedida estratégia societária e empresarial, lograram o crescimento e a colocação de destaque no mercado. E essa mudança perpassa pelo planejamento tributário da empresa e pelas boas práticas societárias.

Contudo, os planejamentos tributários podem ser alvo de fiscalização pela Receita Federal e, quando isso ocorre, os fiscais tendem a fazer uma interpretação extensiva e ampliada do conceito de sonegação fiscal – geralmente imputando a prática de crime contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º da Lei 8.137/90

O planejamento tributário envolve, normalmente, três esferas de interesse ao empresário. A esfera societária, para previsão de possíveis alterações de integrantes e do regime jurídico a ser adotado entre matriz e filial; a esfera tributária, para melhoria da performance e economia fiscal; e, por fim, a sucessória, como forma de preservar o patrimônio já existente. Nesse sentido, é indispensável a iniciativa empresarial de buscar, após o crescimento inicial da sociedade, um formato de organização corporativa que permita o desenvolvimento independente, contínuo e robusto do grupo. E isso passa pela questão do planejamento tributário e pelo cuidado para não incidir no terreno da sonegação fiscal.

Com efeito, o planejamento tributário, compreendido como o conjunto de ações e estudos implantados com o objetivo de reduzir a carga tributária de maneira lícita (também chamada de elisão fiscal) passa, necessariamente, pelo conhecimento de hipóteses de isenção fiscal. No entanto, há determinados procedimentos e arranjos societários que vêm sendo considerado pelo fisco como prática de sonegação fiscal.

Uma prática bastante comum e que, há anos, é considerada abusiva de modo a configurar o crime de sonegação fiscal, pelo menos assim sustentado pela Receita Federal, é a criação fictícia de despesas, ou a superestimação das despesas existentes, por meio de locação de imóveis próprios do mesmo grupo empresarial de modo a reduzir a base de lucro nas empresas optantes pelo regime jurídico do lucro real.

A atribuição de valores não compatíveis com o mercado, para locação de imóveis do mesmo grupo, gera importante despesa contábil que reduz o percentual de lucro contábil e, por conseguinte, os impostos incidentes sobre ele (contribuição social sobre o lucro líquido e imposto de renda da pessoa jurídica). No entanto, a Receita Federal sustenta que, de fato, a despesa não existiu naquele percentual, pois o imóvel pertence ao mesmo grupo e não houve o fluxo dos valores destinados a tal rubrica (locação). Trata-se de uma posição comum do fisco.

Ainda no campo da exemplificação, podemos citar outra prática que tem sido muito questionada pela Receita Federal – a abertura de vários CNPJ’s com a mesma atividade empresarial, em nome de terceiros, normalmente parentes, para manutenção do faturamento bruto anual das empresas dentro da faixa do simples nacional (que é de R$ 4.800.000,00). As vantagens que o enquadramento no regime jurídico do simples nacional apresenta em relação aos encargos sobre a folha de pagamento são expressivas. No entanto, essa prática vem sendo questionada pela Receita Federal. Argumenta-se que o grupo econômico sustenta artificialmente as filiais para manutenção da folha sob o regime tributário do Simples Nacional. Para a Receita Federal, não se trata de planejamento tributário, mas, sim, de evasão fiscal, isto é, uma estrutura simulada, voltada para a prática de sonegação fiscal. 

Diante de tais exemplos, como os narrados acima, o que fica claro é que cada regime tributário possui incidência de diferentes tributos e o conhecimento amplo e aprofundado das regras de cada regime são essenciais para a estrutura do planejamento. Observe-se, ainda, que o regime tributário, quando opcional, só pode ser escolhido no início do ano calendário, não sendo possível a alteração do regime no mesmo ano. 

Importante observar que, após uma autuação realizada pela Receita Federal, é comum que exista a chamada “comunicação para fins penais” ao Ministério Público Federal, para que este órgão avalie a existência, ou não, de indícios de prática de sonegação fiscal. E, quando tais exemplos são levados ao Judiciário, os contornos da discussão são ampliados e o tema da prática de crime de sonegação fiscal ganha força.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em recente decisão proferida no julgamento da apelação criminal 5005587-84-2020.4.04.7107, analisou a questão relativa à manutenção de vários CNPJ’s para redução dos encargos sobre a folha de pagamento e assentou: “A conduta de reduzir contribuições sociais previdenciárias mediante a fraudulenta cisão formal da atividade empresarial, possibilitando a adesão ao Simples Nacional, subsume-se ao tipo do art. 1º, I, da Lei 8.137/90″. O artigo mencionado na decisão é, exatamente, o que prevê a sonegação fiscal. 

O rigor da decisão foi ainda acentuado diante do entendimento de que “cada competência sonegada é um crime autônomo, configurando a continuidade delitiva”. Referida classificação jurídico penal da conduta importa em ampliação da pena imposta e impede alguns benefícios que seriam possíveis para se evitar a pena. 

Diante de um complexo sistema tributário, a escolha do regime e conhecimento aprofundado de suas regras é essencial para elaboração de um planejamento tributário efetivo e que não exponha o empresário à prática do delito de sonegação fiscal. Nesse contexto, a qualificada assessoria jurídica se mostra indispensável e deve atuar de modo estrutural, em conjunto com a estrutura contábil da empresa e com a apresentação de soluções nos três alicerces do planejamento – o tributário, o societário e o sucessório.