O Supremo Tribunal Federal se prepara para enfrentar, a partir desta sexta-feira (19/9), no plenário virtual, um dos julgamentos mais importantes dos últimos anos para os segurados do INSS: o Tema 1.300, que discute a forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente (popularmente conhecida como aposentadoria por invalidez) após a reforma da Previdência de 2019.
O que está em jogo vai muito além de números. Trata-se de uma questão de justiça social e de coerência do próprio sistema previdenciário. Hoje, a regra estabelecida pela Emenda Constitucional 103/2019 criou uma verdadeira anomalia jurídica, um cenário que se mostra teratológico e contrário aos princípios constitucionais mais básicos.
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O paradoxo cruel da regra atual
Com a reforma, o cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente passou a ser feito em 60% da média de todos os salários de contribuição, acrescidos de 2% para cada ano que exceder 20 anos de contribuição (no caso dos homens) e 15 anos (no caso das mulheres). Na prática, isso significa que um segurado pode receber pouco mais da metade de sua média salarial como benefício definitivo.
Enquanto isso, o auxílio por incapacidade temporária, o antigo auxílio-doença, continua sendo pago em 91% da média dos salários.
O resultado é paradoxal: quem está incapacitado de forma definitiva recebe menos do que quem ainda tem chance de se recuperar e voltar ao trabalho. O benefício permanente, que deveria representar maior proteção, acaba sendo um castigo.
A “previvência” dos aposentados por invalidez
É preciso compreender quem são essas pessoas. Os aposentados por invalidez são, em sua maioria, trabalhadores que sofreram doenças graves ou acidentes incapacitantes. Muitos deles não conseguem mais realizar atividades básicas do cotidiano, como cozinhar, se locomover ou até mesmo se higienizar sozinhos. Dependem de terceiros, de medicamentos caros, de tratamentos constantes.
Quando o Estado lhes paga apenas 60% de sua média salarial, o que lhes resta? A “previvência” desses cidadãos, isto é, a sobrevivência mínima e digna, fica severamente ameaçada. Estamos falando de pessoas que, sem alternativas de renda, acabam empurradas para a pobreza extrema, sem condições de custear remédios, alimentação adequada ou transporte adaptado.
O benefício previdenciário deveria ser um amparo, mas se transforma em abandono institucionalizado.
Princípios constitucionais em jogo
A manutenção dessa regra afronta diretamente pilares da Constituição Federal:
- Dignidade da pessoa humana: nenhum Estado pode impor ao inválido condições de subsistência abaixo do mínimo existencial.
- Proporcionalidade e razoabilidade: é incoerente e desproporcional que o benefício permanente seja menor que o temporário.
- Vedação ao retrocesso social: a Constituição assegura que direitos sociais não podem ser reduzidos de forma arbitrária.
- Isonomia: trabalhadores em situações semelhantes de incapacidade recebem tratamentos desiguais e injustos.
O papel do Supremo
Cabe agora ao STF corrigir essa distorção. O Supremo já reconheceu em outros julgamentos que a Previdência Social tem como função proteger os vulneráveis e que os benefícios previdenciários estão diretamente ligados à efetivação dos direitos fundamentais.
Ao julgar o Tema 1.300, os ministros terão a oportunidade de reafirmar o compromisso do tribunal com a justiça social, garantindo que o benefício destinado a quem jamais poderá voltar ao trabalho não seja menor do que aquele pago a quem ainda tem possibilidade de recuperação.
Um apelo à justiça
Não se trata apenas de um debate técnico ou de impacto fiscal. Trata-se de olhar nos olhos dos aposentados por invalidez e reconhecer que o Estado não pode virar as costas a eles. Esses cidadãos já perderam sua capacidade laboral e, muitas vezes, sua autonomia pessoal. Negar-lhes um benefício digno é negar-lhes a própria cidadania.
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A sociedade brasileira espera que o STF corrija essa anomalia jurídica e assegure a esses trabalhadores a proteção que a Previdência promete desde a sua criação. Que este julgamento marque não um retrocesso, mas um avanço na proteção dos direitos sociais.
Se mostra ilógico um benefício pela incapacidade mais severa, na maioria esmagadora dos casos, ser 31% menor do que o provisório, de natureza mais leve. Mais do que uma decisão jurídica, é a chance de fazer justiça e corrigir este erro jurídico e social.