Justiça pune Bolsonaro, mas extrema direita segue forte na política e sociedade

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Rei morto, rei posto? Condenado a mais de 27 anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-presidente Jair Bolsonaro deve em breve começar a cumprir sua pena, seja em seu domicílio, seja em outro lugar, como instalações da Polícia Federal ou até mesmo a Papuda, em Brasília.

O bolsonarismo, porém, entendido como movimento social liberal — ou seja, não apenas conservador, mas reacionário — segue livre e solto em busca de um novo líder ou quiçá de uma franja política à direita que, apresentando-se como moderada, possa abrigar os instintos mais primitivos daqueles que dizem contestar o sistema sem que se apresentem como revolucionários.

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É ilusório, portanto, acreditar que a decisão da 1ª Turma do STF, que também condenou pela primeira vez na história outros sete golpistas, os quais incluem militares, é a pá de cal na extrema direita brasileira. Esta seguirá como Bolsonaro fez ao longo de sua carreira política, pautada pela defesa da morte de adversários e a falta de sensibilidade para com o povo, tal como ocorreu na gestão da pandemia de Covid-19 durante seu governo.

Ademais, não se pode descartar que o ex-presidente ainda se venda como mártir da direita brasileira como um todo, haja vista sua idade avançada (70 anos) e saúde debilitada, como sugerido com o quadro de pneumonia identificado neste domingo (14/9).

Conforme revelado pelo Datafolha, 39% são favoráveis a uma eventual anistia a Bolsonaro, ainda que a grande maioria (54%) seja contra. O apoio de dois quintos do eleitorado ao que seria a anulação das condenações dos crimes praticados pelo ex-presidente corrobora a tese de que o bolsonarismo segue forte na sociedade, muito embora Bolsonaro pareça estar preocupado mais em salvar sua própria pele e de sua família do que seguir na liderança do reacionarismo nacional — tanto que quer continuar a receber o polpudo salário de R$ 42 mil do PL, partido que virou referencial para a extrema direita muito mais por conveniência do que por convicção.

Assim, o bolsonarismo deve ter uma sobrevida longa a seu líder original, em particular se conseguir ser absorvido por futuros “ismos” — sendo o mais notório o tarcisismo, que representa o conjunto de forças à direita que convergem em torno do filhote político de Bolsonaro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Isso para não citar que, faltando pouco mais de um ano para as eleições de 2026, fatores imponderáveis podem emergir, como, por exemplo, uma intervenção externa mais robusta por parte do presidente americano Donald Trump, aliado-mor do bolsonarismo e de movimentos similares mundo afora com o objetivo de formar uma internacional de extrema direita favorável a princípios de supremacia racial e religiosa que pode adquirir diversos formatos.

No caso do Brasil, essas tendências traduzem-se numa supremacia branca implícita e supremacia cristã fundamentalista evangélica e católica explícita que emparedam o triunfalismo com o qual a decisão do STF foi comemorada em círculos mais à esquerda e até mesmo entre democratas de centro.

Levando-se em conta que sempre a história está em movimento e não necessariamente move-se em direção ao progresso — vide o caso da ascensão do nazifascismo e, hoje, da extrema direita —, o bolsonarismo ainda encontra terreno fértil na sociedade, nem sempre limitada às quatro linhas da Constituição.

Talvez as ideias liberais floresçam apenas em tempos de grande abundância econômica, a qual parece estar mais limitada, haja vista, por exemplo, as crescentes disputas entre grandes potências por metais raros, essenciais para a transição energética. Assim, há um zeitgeist fértil para visões de mundo que podem redundar em crimes como tentativa de golpe de Estado, mas que não são passíveis de serem proscritas a priori em função da existência de liberdade de expressão num regime democrático como é o caso da nossa república.

Essa tolerância aos intolerantes pavimenta um caminho percorrido lentamente, embora de modo contínuo, de contestação da ordem constitucional de 1988 —aliás, a própria pressão por anistia de golpistas, inclusive os que já haviam sido condenados pelos atos de 8 de janeiro, é uma rota para a erosão da Carta Magna.

Isso para não lembrar que setores à direita já flertam com a convocação de uma nova constituinte após 2026. A proporção e força do eleitorado que busca mover o Brasil mais à direita não apenas economicamente, mas socialmente, não deve ser ignorada. Trata-se de uma marcha que, sob a égide de um suposto liberalismo, move-nos para um cenário ao estilo da República Velha, em que prevalecia um formalismo legal pautado pela igualdade apenas nos termos da lei em detrimento das reais necessidades do país. É uma lógica análoga àquela que parece ter guiado o voto do ministro Luiz Fux pela absolvição de Bolsonaro enquanto condenava Mauro Cid e Braga Netto, respectivamente ajudante de ordens e candidato a vice do então presidente em 2022.

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As leis mais perfeitas e doutrinas jurídicas mais intelectualmente sofisticadas de nada servem se ignoram as evidências. Por analogia, de nada adianta defender a liberdade de expressão enquanto a questão social volta a ser caso de polícia ao mesmo tempo em que se defende um Brasil relativamente discreto no cenário internacional.

Esse cenário, uma marcha à ré capaz de nos levar a um século de atraso, pode se tornar realidade ainda que não mais pelas mãos daquele que inevitavelmente entrará para a história como o maior líder populista de direita da história nacional. Um novo rei ainda não está posto, mas passa o cavalo selado do reacionarismo pronto para ser montado por quem tiver mais astúcia. A sorte está lançada. Bolsonaro está morto. O bolsonarismo segue mais vivo do que nunca, para desgosto dos que são democratas muito embora ignorem que o reacionarismo vem do povo.