Sem pais e mães presentes, é impossível cuidar do Brasil

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Diante de um choro estridente no corredor do supermercado ou de uma resposta desafiadora a uma regra clara, pais e mães à moda antiga dirão – quase sempre com a melhor das intenções – que “uma palmada na hora certa” tem seu valor pedagógico.

Do mesmo modo, guardadas as devidas proporções, mães de primeira viagem ouvirão, entre parentes mais velhos, que é bom que o bebê aprenda a se acalmar sozinho desde os primeiros meses de vida, e que para isso é necessário deixá-lo chorando.

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Com o devido respeito aos que nos antecederam, anos de pesquisa e prática no campo da educação mostram que muitos destes antigos conselhos geram resultados indesejáveis, sobretudo porque carecem de bons fundamentos.

Hoje se sabe, por exemplo, que a proximidade física da criança com os pais durante seus primeiros anos é uma necessidade biológica, e que na fase das birras, pode ser bastante útil verificar se a criança está com sono, fome, ou algum outro desconforto físico; bem como lembrar que dificilmente os pequenos agem assim para irritar de propósito seus cuidadores – ainda que, no calor do momento, todo pai ou mãe já tenha pensado o contrário.

Nada disso significa relevar comportamentos inaceitáveis, abolir as correções ou deixar de impor limites claros, mas, sim, compreender suas origens e responder de maneira assertiva. Do mesmo modo, ciência e experiência indicam que castigos físicos não apenas têm pouca serventia, como tendem a minar a autoestima dos pequenos, e fomentar ainda mais desobediência. Devem, portanto, ser substituídos por estratégias melhores.

Naturalmente, a impaciência diante de comportamentos desafiadores e o uso de punições físicas são apenas exemplos mais evidentes das tensões que podem surgir na convivência entre crianças e seus responsáveis. Na outra ponta da escala, há casos de negligência – onde não há limite ou supervisão alguma – e, em situações mais graves, violência, praticados muitas vezes por adultos que também não tiveram boas experiências de cuidado.

Afinal de contas, frequentemente as estratégias educativas que uma pessoa utiliza tendem a ser parecidas às que foram expostas na infância. Assim, perpetua-se um ciclo de prejuízos que vai de problemas de saúde mental e transtornos alimentares a lesões físicas e até o suicídio. Em qualquer caso, prejudica-se o desenvolvimento integral da criança.

Os benefícios de um bom vínculo entre pais e filhos pequenos extrapolam os muros do lar: um estudo americano indicou que é possível prever com boa precisão as chances de um adolescente abandonar a escola com base na qualidade de sua relação com os pais nos primeiros três anos e meio de vida. Pesquisas em diferentes países também apontam a forte ligação entre a presença de cuidadores atenciosos e a redução no risco de uso de drogas, início precoce da vida sexual e outros comportamentos de risco.

Se é verdade que cuidar bem das pessoas desde o início da vida é peça-chave para o bem comum, então apoiar pais e mães – com informação, recursos e oportunidades – deve ser prioridade do Estado e da sociedade civil. É nesse ponto que a Política Nacional de Cuidados, recentemente regulamentada pelo governo federal, pode ter papel central.

O plano prevê ações coordenadas entre União, estados e municípios para ampliar o acesso a serviços de cuidado, valorizar cuidadores, melhorar a conciliação entre trabalho e família e transformar a cultura sobre o cuidado – em resumo, articular todos os esforços públicos de apoio às famílias. Nesse sentido, a inclusão do apoio à parentalidade em seu escopo é fundamental: pais bem preparados e amparados são a primeira barreira contra abusos, negligência e violências de toda ordem – exatamente o tipo de prevenção que evita tragédias antes que elas aconteçam.

A boa notícia é que transformar isso em prática já não depende apenas de boa vontade: existem políticas públicas baseadas em evidências para tal. Experiências internacionais de incentivo à parentalidade positiva – por meio de cursos para pais, acompanhamento familiar e programas comunitários – vêm ganhando espaço por serem eficientes, acessíveis e de fácil implementação.

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Não à toa, o Unicef lançou, em 2022, um chamado aos governos para adotarem programas desse tipo. Segundo a organização, o custo é comparável ao de uma campanha de vacinação, e a escala é simples: países como Filipinas, África do Sul e Tanzânia já consolidaram iniciativas de fortalecimento parental.

Os resultados são claros: tais ações não só impulsionam o desenvolvimento de crianças e adolescentes, como também reduzem as chances de que sofram abusos ou sejam negligenciados, ao capacitar suas famílias para oferecer um cuidado de qualidade.

Não custa reforçar: pais responsivos – nem autoritários, nem negligentes – são a melhor garantia de um futuro melhor não só para aquela família, mas para toda a sociedade. Não se trata de ditar como cada família deve criar seus filhos, mas de fornecer as melhores informações e ferramentas para que tomem decisões conscientes, cientes de seu papel insubstituível.

Se a Política Nacional de Cuidados quer, de fato, quebrar ciclos de violência e promover desenvolvimento humano, apoiar a parentalidade é mais do que desejável: é estratégico. Um investimento de longo prazo em um país verdadeiramente inclusivo e seguro, melhor para todas as famílias.