O sinal amarelo do Elevidys

  • Categoria do post:JOTA

A discussão sobre como garantir medicamentos comprovadamente eficazes, seguros e sustentáveis para o sistema de saúde está cada vez mais complexa no Brasil. Governo, Congresso, Justiça, profissionais de saúde e organizações de pacientes estão envolvidos nesse debate, mostrando como o tema é delicado e importante.

Medicamentos trazem em si esperança. De cura, de vidas salvas, de mais bem-estar e qualidade. Legítima, a expectativa não significa, contudo, que os prognósticos sempre se materializem. Novos tratamentos também podem resultar em frustrações.

Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor

É que ocorre, neste momento, com o Elevidys. De sonho para o tratamento de pessoas com distrofia muscular de Duchenne, uma doença rara, tornou-se um problema de saúde pública, após as mortes de três pacientes – um deles possivelmente no Brasil – que faziam uso do medicamento, cuja dose única custa R$ 13,6 milhões. As vendas do produto foram suspensas no país.

O Elevidys nos obriga a pensar melhor em como as inovações em saúde, como os medicamentos, estão chegando até nós, usuários finais. Existe sempre o clamor para que elas sejam aprovadas o mais rapidamente possível, na linha de “quanto mais tecnologias disponíveis, melhor”. Será mesmo o caminho mais adequado?

Não se trata de discussão acessória. Segundo a Instituição Fiscal Independente, despesas com inovação tecnológica e a inflação da saúde são os vetores que mais impactam os custos do sistema de saúde no país, superiores ao envelhecimento populacional e ao aumento da frequência de cobertura dos serviços de saúde.

Logo, definir como este gasto se dá é central para a saúde que queremos, hoje e no futuro. Até porque, cada vez mais, a população vai demandar mais assistência e, cada vez mais, a assistência vai depender mais da tecnologia.

Sistemas de saúde como o do Brasil dispõem de um modelo organizado de incorporação de novas tecnologias, processo chamado de Avaliação Tecnológica em Saúde (ATS). Seu papel é analisar aspectos como eficácia, segurança do paciente e viabilidade econômica relacionados às inovações.

É a ATS que garante que a inovação traz ganhos reais para a saúde dos pacientes em comparação com opções já disponíveis. É ela, também, que afere se os benefícios terapêuticos obtidos justificam o custo adicional com a novidade. Sem a ATS, a incorporação converte-se em um salto no escuro, um ato sem balizas em evidências científicas robustas e preços justos.

Um país com recursos escassos como o Brasil não pode despender gastos sem critérios muito bem definidos e rigorosos. Neste sentido, precisamos atuar com o Judiciário para mitigar a judicialização que, em algumas situações, contorna decisões das instâncias governamentais de ATS e concede acesso a medicamentos com evidências científicas frágeis. Temos algumas ações a tomar.

Primeiro, toda inovação tem que ter sua eficácia, sua segurança e seu custo avaliados por meio da ATS, que deve tornar-se obrigatória – e com prazos compatíveis, sem açodamento.

Segundo, precisamos melhorar a integração do processo de registro na Anvisa, de precificação na CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) e de decisão sobre incorporação na Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) para o SUS e na ANS para a saúde suplementar. Neste sentido, a incorporação para o SUS e para a saúde suplementar também deveria ser unificada, realizada por um órgão único – hoje, cada um tem seu rito próprio, com regras e até preços próprios.

Em terceiro lugar, o país precisa adotar mecanismos de compartilhamento de riscos, de forma que os fornecedores também arquem com riscos e incertezas das inovações. Hoje, se um tratamento não surte os efeitos prometidos, como pode vir a ser o caso do Elevidys, o ônus do insucesso fica integralmente com quem pagou por ele: o contribuinte de impostos, no caso do SUS, ou o usuário de plano de saúde, na rede privada.

Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA

É imprescindível que o Estado brasileiro estabeleça critérios de priorização claros e eficientes para a aquisição e a incorporação de tecnologias em saúde, visando garantir o direito à saúde sem comprometer a sustentabilidade financeira do sistema. Sem isso, o risco é de outros sonhos se transformarem em novos e indesejáveis problemas.

O caso do Elevidys mostra o difícil equilíbrio entre agilizar o acesso a tratamentos inovadores e garantir que eles funcionem e sejam seguros, principalmente para doenças raras com opções limitadas.