A retificação da GFIP como requisito indispensável para compensação

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Muito se discute sobre a necessidade de retificação (ou não) da GFIP como requisito indispensável para fins de prova da existência do crédito tributário, com o propósito de homologação do pedido de compensação.

O objetivo principal desse artigo é compreender como o Carf lida com casos em que o contribuinte demonstra, no curso do processo administrativo, a existência/materialidade do crédito, a despeito da ausência prévia de retificação de suas obrigações acessórias.

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A exigência de retificação da GFIP encontra previsão no artigo 4° da Portaria MPS 133/2006 e no artigo 6º da Instrução Normativa 15, de 12/09/2006, da Secretaria da Receita Previdenciári,  abaixo transcritos respectivamente:

“Art. 4º Eventual compensação ou pedido de restituição por parte do ente federativo observará as seguintes condições:

I – será precedido de retificação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e de Informações à Previdência Social – GFIP; IN SRP n° 15/2006″

“Art. 6º É facultado ao ente federativo, observado o disposto no art. 3º, compensar os valores pagos à Previdência Social com base no dispositivo referido no art. 1º, observadas as seguintes condições:

I – a compensação deverá ser precedida de retificação das GFIP, para excluir destas todos os exercentes de mandato eletivo informados, bem como, a remuneração proporcional ao período de 1º a 18 na competência setembro de 2004 relativa aos referidos exercentes”.

Na visão da Receita Federal, as contribuições previdenciárias, por terem regramento próprio, precisam cumprir outros requisitos legais para que a compensação seja homologada, tais quais os colacionados acima. 

Assim, devem estar baseados nas informações presentes nas GFIPs referentes aos períodos de apuração correspondentes, ainda que seja necessário retificar as declarações originais por transmissão de novas GFIPs. 

Contudo, a 2ª Turma da Câmara Superior proferiu uma decisão interessante, cujo Acórdão 9202-010.820, proferido em sessão de 29 de junho de 2023, por maioria de votos, deu provimento ao recurso do contribuinte e autorizou a compensação dos valores efetivamente reconhecidos como indébito, por justamente entender que tal regramento específico não pode ser suficiente para macular o crédito. Isto, levando em conta que no caso concreto, restou reconhecido a existência de contribuições recolhidas a maior pela própria autoridade fiscal. 

A mesma turma da Câmara Superior também segue em sentido favorável aos contribuintes, no caso de o direito creditório já ter sido reconhecido judicialmente. Nesta hipótese, restou consignado que eventual autuação fiscal por irregularidade no cumprimento da obrigação acessória, quanto à apresentação das declarações, não deve representar obstáculo à compensação (Acórdão 9202-007.944 de 17 de junho de 2019).

Da mesma forma, é o Acórdão 9202-003.930, de 12 de abril de 2016, ao qual afasta o indeferimento de pedido de compensação e restituição ao caso de o ente público não retificar a GFIP e privilegia a constatação do direito creditório do contribuinte. 

O que se observa, parece representar uma evolução jurisprudencial, vez que a mesma turma da Câmara Superior, em oportunidade anterior, em sessão realizada em 16 de fevereiro de 2016, ao proferir o Acórdão 9202-003.780, entendeu que as compensações somente devam ser homologadas em estrita observação à legislação previdenciária, traduzidas, assim, na obrigatoriedade de retificação da GFIP. 

Por oportuno destacar, que já em âmbito das turmas ordinárias do Carf, o posicionamento é controvertido, muito embora o entendimento majoritário caminhe no sentido da necessidade de retificação da GFIP como condição necessária para a efetiva compensação de valores recolhidos indevidamente. A título de exemplo: 2004-000.176 de 10 de fevereiro de 2025; 2202-011.078 de 7 de novembro de 2024; 2101-002.919 de 2 de outubro de 2024; 2201-011.861 de 6 de agosto de 2024; 2201-011.759 de 9 de maio de 2024. 

No tocante ao Acórdão 2004-000.176, de 10 de fevereiro de 2025, destaca-se que há declaração de voto firmado pelo conselheiro Leonam Rocha de Medeiros, que acompanha a conselheira relatora do caso, sustentando que o contribuinte não conseguiu comprovar a certeza e a liquidez do direito creditório pleiteado.

Contudo, declara não acompanhar o ponto em que a relatora “impõe a retificação da GFIP como condição sine qua non, obrigatória e essencial, elementar e necessária”. Para ele, na hipótese em que seja possível a comprovação do crédito pela autoridade fiscal de origem, a homologação da compensação deveria ocorrer. 

Adicionalmente, ainda no âmbito das turmas ordinárias, merece destaque o Acórdão 2201-011.951, de 6 de novembro de 2024, no sentido de se privilegiar o princípio da verdade material como papel principal do processo administrativo fiscal, focando na existência do crédito em si, em vez de atribuir papel determinante às obrigações acessórias. 

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Por outro lado, parte da argumentação favorável à tese do contribuinte, traz como analogia a semelhança entre a GFIP e a sua substituta, a DCTFWeb. Leva-se em conta a similaridade desses documentos. Portanto, a necessidade ou não de retificação da obrigação acessória como requisito essencial ao reconhecimento do crédito. 

No caso da retificação da DCTFWeb, diversos são os julgados que afastam essa obrigatoriedade, justamente por priorizar e enaltecer a prova da liquidez e da certeza da existência do direito creditório. Como exemplos: Acórdão 2202-009.276, de 5 de outubro de 2022; Acórdão 9303-005.233, de 20 de junho de 2017; Acórdão 3301-009.778, de 24 de fevereiro de 2021 e Acórdão 9101-005.545, de 12 de agosto de 2021. 

Necessário pontuar que, nos casos em que resta afastada a obrigatoriedade de retificação da GFIP, os conselheiros não negam a possibilidade da aplicação de penalidade pelo descumprimento da obrigação acessória em si, ou seja, os julgados reconhecem ser sim possível a aplicação de multa decorrente do descumprimento da obrigação acessória, ressalvado que esse fato não deveria gerar a invalidade da compensação.

Portanto, como se vê, existem precedentes do tribunal administrativo que reconhecem que o direito creditório do contribuinte, uma vez demonstrado e comprovado, certo e líquido, se sobrepõe à instrumentalidade da forma, especialmente nos casos em que os créditos previdenciários sejam precedidos de decisão judicial transitada em julgada. 

Resta-nos aguardar como o entendimento jurisprudencial da matéria se desenvolve ao longo do tempo.