Negocie hoje para creditar amanhã

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O cenário jurídico brasileiro tem passado por grandes transformações nos últimos anos, especialmente com as recentes reformas trabalhista e tributária, que modificaram profundamente as dinâmicas internas das empresas. Mais do que nunca, torna‑se necessário compreender como essas mudanças interagem e impactam diretamente as práticas corporativas.

Em 2017, a Reforma Trabalhista trouxe um novo protagonismo para as negociações coletivas, conferindo‑lhes o poder de prevalecer sobre a legislação em diversas questões como jornada, banco de horas e remuneração variável. Sob a lógica do chamado “negociado sobre o legislado”, empresas e sindicatos ganharam liberdade para ajustar condições de trabalho às realidades específicas de cada setor ou empresa, desde que preservado um patamar mínimo de direitos fundamentais.

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A Reforma Tributária, instituída pela Emenda Constitucional 132/2023, adiciona uma camada inédita a essa equação. O novo modelo cria o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), tributos de valor agregado que substituirão PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI. Ambos incidem sobre a mesma base econômica — o consumo — mas têm gestões distintas: o IBS ficará a cargo de um comitê federativo que representará estados e municípios, enquanto a CBS será administrada pela União.

Do ponto de vista prático, IBS e CBS funcionarão como um IVA moderno: a empresa recolhe o imposto sobre todas as suas vendas, mas ao mesmo tempo abate (credita) o tributo pago em suas compras, de forma não cumulativa. As alíquotas‑teste começam em 2026 (0,9 % para CBS e 0,1 % para IBS) e sobem gradualmente até a unificação completa em 2033. Despesas classificadas como insumos — inclusive certos benefícios concedidos aos empregados — geram créditos que reduzem a carga tributária final. É aí que ressurge a importância do RH.

O projeto de lei complementar que regulamenta o novo sistema estabelece que somente serão creditáveis as despesas com benefícios se estes estiverem expressamente previstos em acordos ou convenções coletivas, ou forem exigidos por lei. Em termos práticos, vale‑alimentação, planos de saúde, transporte, auxílio‑creche ou bolsas de estudo só se converterão em crédito se constarem de cláusula coletiva clara. Caso permaneçam restritos a contratos individuais ou a políticas internas, tais gastos serão considerados meros custos e não abatíveis do IBS/CBS.

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Percebe‑se, portanto, uma interseção direta entre as duas reformas: o poder negocial conquistado em 2017 transforma‑se em ferramenta de planejamento tributário a partir de 2026. Cada negociação coletiva realizada daqui em diante definirá não apenas condições trabalhistas, mas também o destino fiscal de despesas com benefícios — se se transformarão em créditos recuperáveis ou permanecerão como simples custos.

Essa nova realidade abre oportunidades estratégicas significativas. Empresas que anteciparem suas negociações, ajustando ou aditando acordos já existentes, poderão assegurar uma posição fiscal vantajosa antes mesmo de o novo sistema se tornar plenamente obrigatório. Por outro lado, quem deixar para negociar tardiamente corre o risco de atravessar períodos inteiros sem poder aproveitar créditos, pois acordos coletivos têm vigência limitada e não admitem alterações retroativas para efeitos fiscais.

Vale refletir, porém, sobre os limites do “negociado sobre o legislado” quando a matéria deixa o campo exclusivamente trabalhista e adentra o tributário. A autonomia coletiva não pode, por si só, criar direitos creditórios além do que determina a lei complementar. A cláusula sindical deve enquadrar‑se nos requisitos objetivos fixados pela legislação tributária: o benefício não pode constituir salário disfarçado, deve ser concedido de forma geral e impessoal dentro da categoria, e precisa integrar sistemas de controle que comprovem o desembolso e o vínculo com a cláusula coletiva.

Em última análise, o Fisco poderá glosar créditos se entender que o instrumento negocial foi usado para contornar a legislação ou gerar economia fiscal artificial. Assim, a liberdade negocial permanece ampla, mas condicionada ao respeito aos princípios da legalidade tributária, da solidariedade no custeio e da isonomia.

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O momento exige, portanto, atenção e ação coordenada. É imprescindível mapear os benefícios existentes, verificar quais já estão formalizados em normas coletivas e estabelecer uma estratégia negocial que garanta segurança jurídica e tributária. Além disso, é crucial integrar sistemas de RH, folha de pagamento e contabilidade para registrar e demonstrar, de modo auditável, o vínculo entre a despesa e a cláusula coletiva correspondente.

O convite é direto e provocativo: negocie hoje para não perder a oportunidade amanhã. O relógio da mudança já está correndo, e cada data‑base desperdiçada pode representar créditos irrecuperáveis no futuro. A eficiência fiscal dependerá da habilidade negocial demonstrada agora — e não depois que o prazo se fechar.