Special situations: oportunidades reais em ativos estressados no Brasil

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O Brasil vive um momento singular para a estruturação de operações em special situations — uma classe de investimentos voltada à identificação e monetização de ativos complexos, ilíquidos, litigiosos ou estressados. Em um ambiente marcado por juros elevados, retração bancária e alta inadimplência, multiplicam-se as oportunidades para estruturas fora do crédito tradicional, muitas das quais sequer são percebidas como valiosas por seus próprios titulares.

No plano global, o mercado de private credit já ultrapassou US$ 3 trilhões em ativos sob gestão, segundo a Preqin, com crescimento expressivo em segmentos como distressed debt, mezzanine finance e legal claims.

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No Brasil, esse movimento se reflete na ascensão de instituições não bancárias e FIDCs como provedores de capital. Enquanto os bancos comerciais ainda concentram 86% das operações tradicionais, é cada vez mais relevante a atuação de players alternativos — que hoje já respondem por mais de 10% das emissões primárias de crédito.

Um dos grandes trunfos do investidor sofisticado em special situations é a sua capacidade de reconhecer ativos subutilizados e convertê-los em oportunidades de retorno assimétrico. E isso não se resume a grandes fundos ou operações estruturadas: muitas vezes, escritórios de advocacia, departamentos jurídicos e empresas diversas possuem créditos judiciais, precatórios, arbitragens ou inadimplências em seus próprios balanços que poderiam ser convertidos em caixa — não fosse a ausência de estrutura, leitura estratégica ou visão financeira.

No universo brasileiro, os ativos com maior densidade de oportunidade estão em três frentes principais. A primeira envolve os chamados NPLs — non-performing loans — créditos inadimplentes que foram baixados pela contabilidade, mas permanecem legalmente exigíveis. São contratos de mútuo, dívidas garantidas por bens, duplicatas vencidas, créditos concursais em processos falimentares ou de recuperação judicial.

Muitas vezes estão paralisados por inércia processual ou abandono, quando poderiam ser cedidos, reestruturados, negociados com desconto ou securitizados via FIDC-NP.

Outra frente relevante está nos legal claims. Aqui, o Brasil se distingue por sua alta judicialização e complexidade regulatória. Direitos creditórios oriundos de teses tributárias vitoriosas — como o ICMS na base do PIS/Cofins —, precatórios federais e estaduais, indenizações ambientais, contratos com a administração pública e litígios empresariais com decisões transitadas representam ativos com valor econômico concreto.

Esses créditos podem ser vendidos com deságio, estruturados com earn-out, antecipados por fundos ou utilizados como colateral em operações mais sofisticadas. A incerteza jurídica e os prazos alongados, longe de afastar o investidor técnico, são justamente o elemento que gera prêmio.

Por fim, ganham relevância crescente as arbitragens privadas, especialmente aquelas que envolvem disputas societárias, contratuais ou internacionais. Arbitragens em curso podem gerar cessão de direitos creditórios, financiamentos de custas judiciais com participação nos resultados, ou ainda a formação de estruturas fiduciárias para antecipar fluxos esperados em sentenças arbitrais.

Trata-se de um mercado ainda tímido no Brasil, mas com forte potencial de expansão, à medida que empresas passam a ver valor no financiamento especializado de disputas privadas.

Essas estratégias não são apenas teóricas. Casos emblemáticos mostram como a estrutura correta pode criar valor real. A operação entre Farallon e Coteminas, por exemplo, envolveu uma emissão de debêntures conversíveis estruturada com alienação fiduciária das ações da controlada Ammo Varejo.

Diante da deterioração financeira da empresa, a gestora judicializou a antecipação dos vencimentos e, com a entrada da Coteminas em recuperação judicial, utilizou o mecanismo de credit bid para transformar o crédito em proposta firme na alienação judicial da mmartan.

Já o BTG estruturou a aquisição de créditos tributários da Gradiente por meio de cisão parcial e alienação de unidade produtiva isolada, permitindo liquidez imediata à empresa e segurança jurídica à operação. A Jive Investments, por sua vez, adquiriu R$ 1,8 bilhão em créditos bancários da antiga Haztec, reestruturou a empresa e a levou ao IPO, com valorização de 85% no pós-abertura da Orizon.

Essas operações foram viabilizadas, em grande medida, por estruturas fora do mercado bancário. Os FIDCs, por exemplo, cresceram 74% em patrimônio líquido entre 2023 e 2024, alocando recursos em ativos antes considerados ilíquidos. A ascensão de plataformas de crédito privado e fundos especializados amplia o alcance do capital para empresas médias, escritórios, credores e investidores que entendem o valor de ativos judiciais, financeiros e corporativos mal explorados.

É comum ouvir que o Brasil carece de bons ativos. Mas a verdade é que o país tem abundância de ativos — o que falta é estrutura, conhecimento e coragem para monetizá-los. O mercado de special situations existe para isso: transformar complexidade em valor e recuperar capital onde o mercado tradicional não alcança.


[1] Preqin Global Private Debt Report (2024), p. 5-7.

[2] Banco Central do Brasil – Relatório de Estabilidade Financeira (2023).

[3] ANBIMA – Boletim de Renda Fixa, abr/2024.

[4] ANBIMA – Série Histórica FIDCs, Captação líquida e PL (2023-2024).