O PL 1087/2025, em tramitação no Congresso Nacional, pretende alterar a legislação do Imposto sobre a Renda, ampliando a faixa de isenção do IRPF e instituindo a tributação mínima para pessoas físicas com altas rendas. O texto oficial da proposição aponta como finalidade o fortalecimento da justiça tributária mediante reconfiguração da estrutura fiscal individual.
Atualmente, a isenção alcança rendimentos mensais até R$ 2.259,20, o projeto, por sua vez, propõe elevá-la para R$ 5.000 mensais, com inclusão de faixas de desconto entre R$ 5.000,01 e R$ 7.000. Essa medida objetiva aliviar a carga sobre os estratos inferiores da renda, sintonizando-se com o princípio da capacidade contributiva, já reconhecido pelo STF como critério fundamental de justiça fiscal.
Conheça o JOTA PRO Tributos, plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios com decisões e movimentações do Carf, STJ e STF
Apesar da intenção louvável, as alterações não se mostram imunes a críticas, sobretudo quanto à manutenção da alíquota máxima de 27,5% para rendimentos acima de R$ 7.000. A progressividade, aplicada apenas formalmente ao caso, revela-se insuficiente diante da compressão das faixas intermediárias, comprometendo o critério da pessoalidade do imposto.
Não se pode negar que a revisão do sistema tributário, a nível de legislação ordinária, é uma necessidade inadiável diante das distorções estruturais que comprometem sua legitimidade distributiva. Nesse contexto, seria razoável esperar que o PL 1087 tivesse avançado de forma mais incisiva no sentido de concretizar uma progressividade efetiva.
Embora as isenções e os descontos propostos representem algum alívio na carga fiscal, especialmente para determinadas faixas de renda, tais medidas não parecem ser suficientes para aperfeiçoar o critério da pessoalidade do imposto.
Em última análise, permanecem ancoradas em uma lógica de avaliação da capacidade econômica em sentido amplo, sem alcançar, de modo mais refinado, a noção constitucionalmente consagrada de capacidade contributiva, a qual pressupõe não apenas renda disponível, mas também justiça material na repartição do ônus fiscal.
Nesse sentido, alternativas como o aumento dos limites de dedução com dependentes e a adoção do modelo de “splitting familiar”, já vigentes, respectivamente, na Alemanha e França, despontam como medidas potencialmente mais eficazes.
Ambas visam refletir com maior precisão a realidade econômica dos arrimos de família e assegurar proteção ao mínimo existencial dos seus dependentes, permitindo uma aferição mais precisa da capacidade contributiva em contextos familiares diversos.
Em relação à renúncia fiscal estimada em mais de R$ 25 bilhões a partir de 2026, o PL 1087 prevê dois mecanismos compensatórios, a saber: a tributação de dividendos remetidos ao exterior e a criação do Imposto de Renda das Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM).
No que tange aos dividendos, o projeto estabelece alíquota de 10% sobre pagamentos a pessoas físicas domiciliadas fora do país. Trata-se de iniciativa que, não obstante inspirada em experiências estrangeiras, demanda reflexão quanto às suas implicações sobre o ambiente econômico e jurídico brasileiro.
Para alguns, a proposta se alinha com práticas internacionais e contribui para um sistema tributário mais progressivo, em que rendas do capital também são alcançadas pela tributação.
Por outro lado, como observa Cintia Meyer, a tributação indiscriminada de dividendos, sem considerar o porte das empresas ou o setor econômico, pode afetar especialmente pequenas e médias empresas, além de potencialmente reduzir a atratividade do mercado acionário brasileiro para investimentos estrangeiros, gerando, assim, efeitos regressivos no ecossistema empresarial.
Ainda sobre o tema, faz-se mister distinguir o modelo ora proposto do chamado “Imposto sobre o Lucro Líquido” (ILL), instituído pelo art. 35 da Lei 7.713/88 e declarado inconstitucional pelo STF no RE 172.058/SC. A diferença central reside no fato gerador: enquanto o dispositivo anterior se baseava na mera apuração do lucro líquido, o projeto atual o vincula à efetiva disponibilidade econômica ou jurídica da renda (v.g. pagamento, creditamento, entrega, emprego ou remessa dos lucros e dividendos).
Em que pese tal racionalidade fiscal, a fixação de alíquota única de 10% para dividendos remetidos ao exterior, sem considerar faixas progressivas ou situações particulares dos contribuintes, suscita questionamentos constitucionais relevantes, similares aos recentemente enfrentados pelo STF no ARE 1.327.491/SC (Tema 1.174), que considerou inconstitucional a aplicação de 25% sobre aposentadorias de residentes no exterior por violar princípios da isonomia, capacidade contributiva e vedação ao confisco.
Embora envolva matéria distinta, o precedente sugere que modelos tributários uniformes, desatentos à heterogeneidade contributiva, podem ser objeto de questionamento constitucional.
Nesse sentido, a experiência internacional revela alternativas que podem enriquecer o debate sobre a conformação de um modelo tributário mais equilibrado. Países como Estados Unidos e Alemanha adotam arranjos normativos voltados para atenuar possíveis efeitos da bitributação econômica, seja por meio de créditos fiscais compensatórios, seja por intermédio de alíquotas ajustadas à realidade do contribuinte.
À luz desses referenciais, os quais certamente inspiram as diretrizes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), não parece desarrazoado refletir sobre a conveniência de o Brasil adotar mecanismos análogos, aptos a compatibilizar a busca por arrecadação com os compromissos constitucionais de justiça fiscal e com a necessidade de preservar estímulos ao investimento produtivo em um cenário de crescente integração econômica.
O segundo mecanismo compensatório previsto no PL 1087 é o IRPFM, aplicável a partir de 2026 sobre pessoas físicas com renda anual superior a R$ 600 mil e dividendos mensais acima de R$ 50 mil. A incidência ocorre com retenção na fonte à alíquota de 10%, caracterizando-se, sob a perspectiva constitucional delineada pelo art. 153, III, da CF/88, como um complemento ao IR já existente, e não como tributo autônomo.
A seletividade de sua incidência, entretanto, tem gerado preocupações, posto que a concentração da tributação em faixas de alta renda pode, sob certo ângulo, tensionar o princípio da generalidade, a ponto de esvaziá-lo. Há quem argumente, entretanto, que a criação do IRPFM representa uma forma de concretizar a progressividade tributária, guardando consonância, ainda, com o princípio da capacidade contributiva, configurando-se uma resposta calibrada à renúncia fiscal decorrente da ampliação da faixa de isenção.
Nesse sentido, o projeto também cria o redutor do IRPFM, acionado quando a soma da tributação da pessoa jurídica e física supera certos limites. Embora vise evitar carga excessiva, sua efetividade dependerá de regulamentação técnica detalhada.
Por fim, há receio de que a ampla base de cálculo do IRPFM, para além de gerar sobreposição tributária, alcance doações e incentivos ao terceiro setor, desestimulando práticas socialmente relevantes que o legislador buscou incentivar através de benefícios fiscais específicos.
À luz dessas considerações, tem-se que a alteração legislativa proposta, embora represente um passo relevante na agenda de reformulação tributária, ainda requer amadurecimento técnico e político para compatibilizar seus objetivos com a matriz constitucional vigente. A construção de um sistema tributário mais justo, eficiente e equânime demanda não apenas ajustes legislativos pontuais, mas sobretudo um compromisso contínuo com os valores fundamentais que regem a ordem tributária democrática.
Resta acompanhar os debates que certamente surgirão durante a tramitação legislativa e as possíveis modificações que o texto poderá sofrer, visando o aprimoramento das soluções inicialmente apresentadas.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017;
BIFANO, Elidie Palma. Projeto de Lei 1.087/25: estamos diante de mais uma confusão tributária? Disponível em:…..<https://www.conjur.com.br/2025-abr-02/o-projeto-de-lei-1-087-25-estamos-diante-de-mais-uma-confusao-tributaria/>;
BRASIL. Apresentação do PL n. 1087/2025 (Projeto de Lei), pelo Poder Executivo. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2487436>;
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 1.327.491/SC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/10/2024 (Repercussão geral – Tema 1.174);
CÂMARA, Weuder Martins; TIZZIANI, Hutay. Alterações no IR: considerações do PL 1.087/25 e suas consequências. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2025-abr-01/alteracoes-no-ir-consideracoes-do-pl-1-087-25-e-suas-consequencias/>
CRISTO, Alessandro. Sistema tributário funcional e não requer reparos. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2010-jan-17/entrevista-paulo-barros-carvalho-professor-direito-tributario/>;
DANTAS, Wagner. Análise do PL 1.087/25. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/depeso/427778/analise-do-pl-1-087-25>;
DERZI, Misabel; MOURA, Fernando. Isenção de IR até R$ 5.000: atecnias em busca de maior justiça tributária;
MEYER, Cintia. Advogada alerta sobre impacto tributário do PL 1.087/25 para empresas. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/amp/quentes/427300/advogada-alerta-sobre-impacto-tributario-do-pl-1-087-25-para-empresas>;
PAULSEN, Leandro. Tributação da Renda da Pessoa Física no Brasil: Análise dos Últimos 27 anos como Base para Reflexão e Debate com vista à Reforma Tributária. Disponível em:< https://rtrib.abdt.org.br/index.php/rtfp/article/view/583/285>;
SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 16 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024;
SOUZA, Caio Marques de Souza. Justiça Tributária e Capacidade Contributiva: Análise do Sistema Tributário Nacional Aplicado às Pessoas Jurídicas. Disponível em:<https://educacao.ibpt.com.br/justica-tributaria-e-capacidade-contributiva-analise-do-sistema-tributario-nacional-aplicado-as-pessoas-juridicas/>
TORRES, Ana Kátia Barbosa. Justiça Tributária como Pressuposto da Justiça Social. Disponível em:< https://periodicos.uni7.edu.br/index.php/revistajuridica/article/download/102/103/284>.