Os recentes golpes aplicados por meio da plataforma gov.br tem chamado a atenção da população e das autoridades. Os golpes usam técnicas avançadas de alteração facial para burlar sistemas de autenticação biométrica, cada vez mais comum no ambiente de negócios.
Recentemente, nosso escritório foi consultado por adquirente de imóvel que foi surpreendido com ação judicial movida contra si pela qual o vendedor negou ter alienado seu imóvel a ele e, por tal razão, pleiteava a anulação do negócio jurídico.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
O autor da ação alegava que terceiro teria invadido sua conta gov.br. De posse de seus dados, o terceiro assinou digitalmente ato societário pelo qual o autor ingressava como sócio em determinada sociedade limitada.
Ato seguinte, um novo ato societário foi assinado onde o imóvel, de propriedade do autor da ação, foi integralizado naquela sociedade.
Com isso, a sociedade, representada isoladamente por seu segundo sócio (e suposto autor do golpe), firmou escritura de compra e venda com o terceiro que o adquiriu e pagou o preço à vista, por meio de transferência eletrônica bancária para conta de titularidade daquela. Dinheiro esse que não teria sido transferido ao verdadeiro proprietário do imóvel.
Para os que atuam na área, sabe-se que, uma vez comprovada a falsidade da assinatura, o ato jurídico é nulo de pleno direito em razão de vício de consentimento. Portanto, não pode, a priori, ser convalidado, como dispõe o artigo 169 do Código Civil, ainda que o adquirente tenha agido em absoluta boa-fé e com algum grau de diligência.
O mesmo raciocínio se aplicaria se comprovado, no caso concreto, o uso indevido, por terceiros, da assinatura digital do proprietário do imóvel, por também neste caso estar presente o vício no consentimento.
E é nesse contexto, sem pretender esgotar o tema, que nos propomos a analisar a responsabilidade, especificamente da Junta Comercial, pelos danos sofridos pelo adquirente.
A primeira observação que se faz é sobre a validade dos atos societários assinados por meio de assinatura eletrônica avançada, a qual está prevista no art. 5º, inciso II, alínea “c”, da Lei 14.063/20.
Dito isso, a Lei 8.934/94, em seu artigo 40, dispõe caber à Junta Comercial verificar o cumprimento das formalidades legais de documento ou instrumento apresentado a arquivamento e a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil.
É o que também dispõe e reforça o artigo 1.153 do Código Civil que atribui, expressamente, à autoridade competente, o dever de verificação da autenticidade dos atos constitutivos, a legitimidade do signatário e a fiscalização da observância das prescrições legais concernentes ao ato ou aos documentos apresentados.
Diante de tais previsões, surge a dúvida: a Junta Comercial poderia ser responsabilizada pelos danos a que os atos fraudulentos deram origem?
Embora a jurisprudência não seja pacífica, parte majoritária afasta a responsabilidade da Junta Comercial, sob o fundamento de que não haveria nexo de causalidade entre a conduta da autarquia, limitada à análise formal dos documentos, e o dano experimentado, uma vez que este se deu pela ação do fraudador, o que caracterizaria fato exclusivo de terceiro e afastaria a responsabilidade de indenizar a vítima.
Parte outra, minoritária, vem reconhecendo a responsabilidade objetiva da Junta Comercial, a teor do que dispõe o art. 37, §6º, da Constituição Federal, não caracterizando a fraude praticada por terceiros, por si só, excludente de responsabilidade.
Embora relevantes os fundamentos daqueles que entendem pelo afastamento da responsabilidade da Junta Comercial, não se pode menosprezar a importância e as repercussões jurídicas dos serviços por ela prestados.
Dentre eles, o de dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, submetido a registro na forma da lei, dotados de fé pública, de tal modo que as Juntas Comerciais deveriam ter meios suficientes à análise da fidedignidade da documentação que lhe é apresentada para registro de atos relativos à sociedade empresária, evitando-se a mais completa insegurança no meio empresarial.
Se não aparelhada para tanto e se entendida a Junta Comercial como autarquia responsável tão somente pela regularidade formal dos atos, nos parece que cabe repensar o uso de assinaturas avançadas nos documentos levados a registro.
O fato é que embora a identificação de uma hipótese de fraude de documentos não esteja, em princípio, entre os objetivos da uma due diligence de natureza imobiliária, o caso concreto reforça a importância da sua realização anterior à celebração de negócios jurídicos, por equipe jurídica especializada, atenta aos avanços da tecnologia e dos riscos daí oriundos que podem, com mais facilidade, identificar situações que possam levantar suspeitas e indicar eventual risco de fraude ao comprador.