A Lei de Contratações Públicas (Lei 14.133/2021) trouxe regime jurídico específico para lidar com a nulidade de seus contratos. Suas normas instituem que, quando constatada irregularidade, a primeira providência é tentar saná-la. Não sendo possível, a administração deve avaliar se a anulação é de interesse público, considerando as possíveis consequências ambientais, sociais e econômicas da invalidação contratual (art. 147).
A lei exemplifica aspectos a serem considerados para decidir se a anulação é a opção menos danosa ao interesse público (art. 147, incisos I a XI). Se for constatado que a medida não representa danos maiores do que a manutenção do contrato, a administração deve invalidar o negócio jurídico. Caso a anulação não atenda ao interesse público, a lei permite manter o contrato.
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A ideia de um contrato público viciado e insanável continuar vigente e produzindo efeitos, historicamente, encontrou resistências no direito brasileiro. Compreensível, já que o instrumento carrega irregularidade em sua formação. Contudo, tomada por pragmatismo nesse ponto, a lei permitiu ao gestor público discricionariedade na avaliação sobre qual caminho fará mais sentido no caso concreto e considerando o interesse público: anular ou não anular.
Tribunais de contas serão atores relevantes para determinar se e como o mecanismo da lei será aplicado. Afinal, julgarão a regularidade das contas de gestores que decidirão a respeito da anulação.
O Tribunal de Contas da União (TCU) deu algumas indicações sobre sua visão do tema no documento Licitações e Contratos – Orientações e Jurisprudência do TCU (5ª edição, de 29/8/2024). Nele, o tribunal selecionou alguns julgados de seu Plenário que respaldam a possibilidade de não declaração da nulidade de contrato, quando a medida se mostrar prejudicial ao interesse público.
Alguns exemplos: “O risco de prejuízos para a Administração pode excepcionalmente justificar a convalidação de atos irregulares ocorridos na licitação e a continuidade da execução do contrato, em razão da prevalência do interesse público” (acórdão 988/2022); “A Administração pode, por razões de interesse público, não declarar a nulidade de ato ilegal verificado na formalização do contrato ou no certame licitatório que o precedeu, quando tal medida puder causar prejuízo maior do que a manutenção do ato viciado” (acórdão 2075/2021); “O risco de prejuízos para a Administração decorrentes de eventual rescisão de contrato pode justificar a convalidação de atos irregulares, a exemplo de indevida inabilitação de licitante, de forma a preservar o interesse público, pois a atuação do Poder Público não pode ocasionar um dano maior do que aquele que objetiva combater com a medida administrativa” (acórdão 1737/2021).
Embora os casos não tratassem especificamente dos dispositivos da Lei 14.133, o fato de o TCU tê-los indicado como orientações para a aplicação de seu regime de nulidades demonstra uma disposição favorável do tribunal, ao menos em tese, à análise de custo e benefício que o gestor público terá de fazer em situações concretas. Resta ver se essa disposição irá se concretizar e em quais termos.