Pesquisa realizada pelo INCT ReDem mostra que o eleitorado está desiludido com a política e anseia por novos candidatos. Até aí, nenhuma novidade, mas será que diante desse cenário, um candidato outsider, que venha de fora da política e encampe um discurso antissistema, ao estilo de Javier Milei ou Donald Trump, teria chance na próxima disputa presidencial?
Candidatos outsiders fizeram sucesso em 2018 – Romeu Zema e Wilson Witzel foram eleitos governadores mesmo sem ter nenhuma tradição político partidária, por exemplo. Na Câmara Federal, foram eleitos mais de 100 deputados de primeira viagem, sem nenhuma experiência política. Jair Bolsonaro, embora tivesse uma longa carreira parlamentar, se apresentou como um outsider, dizendo-se ser contra a “tudo isso que está aí”, era contra o sistema político, embora fizesse parte dele.
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Em 2022, essa onda perdeu força, mesmo elegendo figuras como Tarcísio de Freitas, eleito governador de São Paulo sem ter disputado nenhum cargo eleitoral anteriormente. Em 2024, o influenciador digital Pablo Marçal chamou a atenção de toda a mídia após seu desempenho nas pesquisas eleitorais e quase chegou ao segundo turno da disputa pela Prefeitura de São Paulo.
O cantor Gusttavo Lima alcançou 35% das intenções de voto para presidente em pesquisa feita pela Genial/Quest em fevereiro deste ano, o sertanejo disse que não vai se candidatar, mas o resultado acende um alerta e uma pergunta: há chance para um outsider em 2026?
Para entender a percepção dos eleitores sobre esse tipo de candidato, o INCT Redem fez uma pesquisa qualitativa utilizando grupos focais. Essa técnica permite a exploração de temas de forma mais profunda e complexa do que uma pesquisa de opinião comum com questões fechadas.
Foram realizados seis grupos focais com 60 eleitores paulistas das classes C, D e E, cujos extratos representam a maioria da população brasileira. O desenho dos grupos dividiu eleitores de Lula e de Bolsonaro, pessoas de esquerda, centro, direita e sem definição ideológica, a fim de que os grupos não fossem essencialmente “lulistas” ou “bolsonaristas”.
Apresentamos aos grupos quatro candidato fictícios, que foram elaborados com base em uma tipologia de candidatos outsiders desenvolvida por Miguel Carreras (2012), que analisou e tipificou o perfil de uma série de políticos outsiders que venceram eleições presidenciais na América Latina nos anos 1990 e 2000.
Quadro 1 – candidatos a presidente fictícios apresentados nos grupos focais:
Perfil | Descrição | Declaração divulgada na campanha |
1 (insider) | Ele é um veterano, com 20 anos na política, faz parte de um grande partido e tem fortes laços com muitos políticos. | ‘O Brasil precisa de menos confusão e mais soluções para a vida real das pessoas. Tenho experiência para manter aquilo que funciona bem e para fazer mudanças. Com uma grande aliança, vamos avançar cada vez mais. Peço seu voto para Presidente!’ |
2 (outsider) | Ele nunca se candidatou a nada, está concorrendo por um partido pequeno, e não tem ligação com os políticos. | ‘O Brasil é controlado por políticos corruptos que se preocupam mais com seus próprios interesses do que com fazer o que é certo. Estou concorrendo à Presidência para lutar contra esse sistema podre e devolver o poder a quem ele pertence: o povo brasileiro.’ |
3 (amador) | Ele é candidato pela primeira vez e está concorrendo por um partido grande e não tem laços com os políticos tradicionais. | ‘O Brasil precisa de pessoas comuns como eu e você, mas que sejam capacitadas para o cargo. Sei que a política é difícil, mas tenho paciência e disposição para conversas com todos os lados, e se preciso, fazer alianças para fazer o certo. Peço seu voto!’ |
4 (rebelde) | Ele é um político, foi filiado a vários partidos grandes, mas agora está em um partido pequeno para concorrer a Presidente. | ‘O Brasil está cheio de políticos corruptos que se acostumaram com o poder e preferem agradar aos poderosos do que pensar no povo. Eu sou diferente, eu saí do meu partido para poder continuar lutando pelo que é certo. Nunca traí meus ideais.’ |
Apresentamos os candidatos nessa ordem aos participantes. Sem surpresa, ouvimos manifestações de rejeição ao insider, o político tradicional, aos seus 20 anos na política e ao discurso, que chamaram de “clichê”. Por outro lado, alguns reconheceram a importância da experiência política e do partido grande para fazer alianças e governar.
O candidato outsider antissistema, que se coloca como um contraponto à classe política, não empolgou. A maioria gostou do discurso, mas fizeram o cálculo que esse perfil, sem experiência, sem conhecimento da política e sem apoios, não teria chance e não merecia credibilidade. Além disso, alguns demonstravam receio do que uma figura disruptiva como essa poderia fazer no governo. Mas houve quem dissesse que é preciso renovar a qualquer custo, e que arriscariam nele. Ao que parece, um candidato como Milei, que calça seu discurso em combater a “casta política” e propõe soluções econômicas radicais, agradaria, mas não conquistaria o eleitor.
Quanto ao candidato amador, um outsider, mas com discurso moderado, disposto a conversar com todos os lados, foi mais bem aceito. Muitos participantes consideraram atraente o fato de ser alguém “novo na política”, mas que valoriza a competência. Eles gostaram de ouvir que o candidato era uma pessoa comum.
Por outro lado, esse perfil inspirou muita desconfiança em alguns, pois estranharam como um novato estaria num partido grande e faria várias alianças. Houve sempre entrevistados para suscitar a suspeita de que o candidato era apenas um fantoche usado pelos partidos grandes para ganhar voto, mas que rapidamente os políticos antigos iriam controlá-lo e neutralizá-lo.
O último perfil, o Rebelde, o político de carreira que, vejam só, se rebela contra os partidos e diz que não ser igual aos outros políticos, suscitou opiniões divididas. Alguns entenderam como positivo o fato dele “regredir” a um partido pequeno para manter seus ideais, mas a maioria desconfiou muito da trajetória desse candidato, chamando-o de oportunista, por ter passado por vários partidos, e duvidaram de sua sinceridade e o associaram às mesmas práticas dos veteranos.
A impressão geral é que o que mais agrada aos eleitores entrevistados é a possibilidade de dar chance a “algo novo”, personificado no candidato novato na política. O discurso antissistema agrada aos ouvidos, mas por mais que estejam desiludidos com a política, eles não acreditam que alguém de um partido pequeno e que confronte o “sistema” vá progredir.
A experiência política, tão desvalorizada no político tradicional, acabou sendo um fator de impacto para a escolha dos eleitores, algo que eles disseram faltar na candidatura dos outsiders. Eles demonstraram um sentimento de resignação com o sistema político. Por mais que desejem algo novo, não confiam um cargo tão importante como o de presidente a alguém sem experiência política. Eles são pragmáticos, ao mesmo tempo que criticam os grandes partidos e os políticos, eles sabem muito bem que o presidente precisa de experiência na política e de uma grande aliança para poder governar.
Estamos há quase um ano da próxima campanha eleitoral. Além de Lula, candidato natural à reeleição, outros quadros vão se desenhando na disputa. Bolsonaro está inelegível e a última pesquisa eleitoral divulgada pela Genial/Quest mostra nomes de governadores, Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho Jr. subindo, e o outsider Marçal, em queda. Nenhum outro candidato novato se apresentou ainda, mas esses tipos dificilmente figuram nas pesquisas com tanta antecedência, uma vez que costumam ganhar tração durante a campanha, como foi o caso de Bolsonaro, Zema e Witzel, que começaram com uma baixíssima intenção de votos, mas na reta final da campanha chegaram ao 2º turno e venceram as eleições.
Esse fenômeno não se limitou à onda bolsonarista. Nas eleições municipais de 2024, candidatos sem apoio direto de Bolsonaro, como Marçal em São Paulo, experimentaram crescimento inicial na campanha, mas esse movimento aconteceu prematuramente, permitindo que os adversários organizassem uma resposta eficaz. O caso de Curitiba ilustra uma dinâmica diferente: a candidata outsider Cristina Graeml (PMB) saiu de 5% no início da campanha para uma escalada vertiginosa às vésperas da eleição, garantindo vaga no segundo turno, embora não tenha conseguido a vitória final.
O outsider caracteriza-se como o candidato que permanece com baixa expressão nas pesquisas iniciais, mas possui potencial para surpreender ao longo do processo eleitoral. A literatura acadêmica sobre outsiders e políticos antissistema, tanto no Brasil quanto internacionalmente, demonstra que esse perfil de liderança representa riscos significativos à estabilidade política e às instituições democráticas quando no exercício do poder.
Nossa pesquisa revelou uma percepção ambivalente do eleitorado: embora demonstre simpatia por candidatos outsiders, questiona sua viabilidade eleitoral. Resta saber se a demonstração concreta de força política e eleitoral – como observado com Trump nos Estados Unidos – seria capaz de alterar essa postura do eleitor brasileiro