A urgência da análise de custo-benefício em decisões judiciais trabalhistas

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O debate sobre a importância da análise econômica para a tomada de decisão judicial não é recente. Contudo, problemas novos e maiores têm tornado cada vez mais evidente que a análise econômica não é um acessório dispensável, e sim um complemento necessário ao racional jurídico.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece que devem ser consideradas as consequências práticas de uma decisão jurídica. Ou seja, uma decisão jurídica precisa levar em conta os impactos financeiros e sociais.

É nesse sentido que a Análise Econômica do Direito e a análise jurimétrica dos dados judiciais oferecem instrumentos valiosos para aprimorar a racionalidade na tomada de decisões judiciais, garantindo que as consequências econômicas e sociais sejam devidamente consideradas. O caso da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) evidencia essa necessidade. 

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Em situações normais, não esperaríamos ver processos trabalhistas de uma empresa pública chegando ao ponto de conflitar com os recursos necessários para atingir seu objetivo central – fornecer serviços de saneamento para a população. Porém, no caso da Corsan, é justamente isso que acontece, segundo o estudo de Análise Econômica do Direito realizado pelos professores Thomas Conti e Luciana Yeung. 

Comparando a Corsan com outras grandes empresas de saneamento do país, como Sabesp (SP), Copasa (MG) e Sanepar (PR), a companhia tem enfrentado um volume de ações trabalhistas significativamente maior que o de seus pares. Os impactos financeiros passaram de R$ 1,2 bilhão apenas no período 2019-2023. As consequências de uma litigância tão excessiva contra a empresa evidentemente não vão se limitar apenas aos relatórios contábeis. A população gaúcha também sofre parte desses custos – muitas vezes sem o saber.

Para contextualizar a cifra de R$ 1,2 bilhão, 80% dos municípios gaúchos não têm uma economia anual que some esse valor. Se esses recursos tivessem sido investidos diretamente na expansão dos serviços de saneamento, estimamos que 606 mil gaúchos poderiam ter sido beneficiados com acesso a esgoto tratado e água potável. Na média, cada 1 processo trabalhista contra a Corsan implica 11 ligações a menos de esgoto em domicílios gaúchos.

Infelizmente, não se trata de um problema limitado ao passado. Olhando para o futuro, a disparidade nos custos judiciais trabalhistas da Corsan em comparação com outras empresas do setor continua sendo um ponto de grande preocupação.

Em 2023, o valor médio que as outras empresas estudadas mantiveram provisionado em seus balanços para processos trabalhistas girou em torno de R$ 45 mil por funcionário. Já na Corsan, esse valor atinge R$ 154 mil por funcionário, 3,4 vezes maior do que a média das outras empresas. 

Essa assimetria impacta diretamente a competitividade da empresa e a sustentabilidade da prestação de um serviço essencial. A análise desses processos revela padrões preocupantes, como também a concentração de ações trabalhistas em um número reduzido de advogados. Os dois escritórios com as maiores carteiras de reclamantes contra a Corsan concentram 77% dos reclamantes beneficiados por pagamentos de condenações judiciais entre 2021 e 2023.

Os cinco advogados maiores litigantes contra a Corsan concentram 58% de todos os processos trabalhistas movidos contra a empresa no período entre 2018 e 2023. Para se ter um parâmetro de comparação, os cinco advogados maiores litigantes contra a Sabesp concentram apenas 14,5% do total de processos trabalhistas contra ela, na Copasa são 8,7% e na Sanepar são 23,9%.

Na Corsan, apenas um único escritório responde por mais de 33% de todas as ações trabalhistas contra a empresa, enquanto, em todas as outras empresas de saneamento estudadas, é necessário somar as ações trabalhistas de pelo menos 10 escritórios para chegarmos ao montante de 33% do total de ações contra cada uma delas. 

Como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem reforçado cada vez mais, a litigância abusiva pode ter algumas características marcantes, tais como a propositura de ações em massa, com alta similaridade textual entre as petições, dentre outras, indicando uma possível falta de análise individualizada dos casos.

De fato, nossa análise de petições iniciais encontrou uma maior semelhança textual nas petições dos maiores litigantes contra a Corsan, o que, embora não seja uma evidência irrefutável, indica que algo errado pode estar acontecendo.

Da parte da análise econômica, fica a dúvida se os custos que a população gaúcha, o Governo do Rio Grande do Sul e a própria Corsan têm arcado com este alto volume de ações são justificados para beneficiar um número tão pequeno de pessoas – poucos se comparados com as centenas de milhares de gaúchos que poderiam ter recebido serviços de saneamento mais rápido e em maior qualidade.

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O caso da Corsan tem sido tão emblemático para o setor de saneamento que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) afetou o tema como Incidente de Recurso Repetitivo (IRR), sob a relatoria da ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi. Dessa maneira, a Corte busca firmar o entendimento que hoje é majoritário e, assim, pôr fim um imbróglio judicial caro e demorado.

Este é um exemplo que serve de alerta para a necessidade de incorporar a visão econômica ao Direito, buscando um equilíbrio que promova a justiça sem comprometer o desenvolvimento social e a eficiência econômica. A recente tragédia ambiental no Rio Grande do Sul reforça ainda mais a urgência de investimentos em saneamento, tornando essencial que se avalie o melhor uso possível dos recursos disponíveis. Urge que o TRT4 acorde para essa realidade.