Embora tenha algum componente de estresse com o nível de carga tributária do país, a comoção gerada no Parlamento pela nova rodada de medidas tributárias do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem outros objetivos. Apesar de representantes do chamado centrão vociferarem por uma agenda dos gastos, nem de longe a preocupação prioritária do grupo majoritário da Câmara e do Senado é promover uma redução do gasto público.
Fosse isso verdade, o primeiro item da pauta de contenção de despesas seria uma redução significativa do volume de emendas parlamentares, hoje na casa dos R$ 50 bilhões e representando um quarto de toda a despesa livre do orçamento federal.
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Escalado para liderar a discussão da reforma administrativa, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) mencionou que esse tema precisa entrar na pauta. Para ele, todos precisam dar sua cota de sacrifício, inclusive os parlamentares, mas também o Judiciário, por meio da questão dos supersalários e das regras de penduricalhos, além do próprio Executivo, que precisaria encarar discussões como desvinculação de benefícios sociais do salário mínimo.
Uma redução de 20% nas emendas, com diminuição simultânea do limite total de despesas da União, significaria um corte de R$ 10 bilhões. O tamanho é equivalente à principal medida arrecadatória prevista na MP 1303/2025: as regras mais restritivas de compensação tributária.
Se voltasse ao nível de cinco anos atrás (que já estava bastante elevado), com igual redução do limite de gastos, o impacto seria de R$ 20 bilhões de economia anual, idêntico ao potencial arrecadatório do primeiro decreto do IOF de Haddad, que tem protagonizado um festival de recuos.
O modismo do discurso parlamentar agora é o gasto tributário, as renúncias fiscais, tema que também é prioridade do governo federal. Mas é curioso que na largada programas como Simples, Zona Franca de Manaus, cesta básica e todos os benefícios para pessoa física (como a falta de um limite para dedução de gastos de saúde, que beneficia os mais ricos) já ficaram de fora do cardápio de possíveis “vítimas” do corte linear de 10% anunciado na noite “histórica” de promessas no último domingo.
Um deputado revelou outro aspecto dessa discussão que pode servir para fazer o tema não andar no Congresso, a despeito do falatório em defesa dessa medida: para essa fonte, a lógica de querer rever gasto tributário defendida pelo governo ocorre por conta de uma visão de que o Estado sabe melhor o que fazer com o dinheiro do que o setor privado, ou seja, rever gasto tributário significaria tirar dinheiro das empresas para o governo executar despesas onde julga mais adequado.
E é esse tipo de argumento, entre outros mais setoriais (há sempre mérito em alguma desoneração, sem ironia alguma), que alimenta o ceticismo sobre a disposição efetiva de se fazer essa agenda andar.
O fiscalismo parlamentar depende de muitos fatores e circunstâncias, basta olhar o exemplo do que ocorreu com a desoneração da folha de pagamentos e do Perse, cujas medidas compensatórias obrigatórias por lei não chegaram nem à metade da renúncia prevista para o ano passado.
Para não alongar demais, não vamos nem falar na falta de disposição de encarar os evidentes excessos orçamentários do Judiciário. Isso só ocorre quando os Poderes entram em crise até que um armistício seja firmado e as coisas continuem como são, com a máquina de privilégios do Estado brasileiro seguindo firme.
Fossem esses fiscalistas mesmo que tentam se mostrar, deputados e senadores não tinham em primeiro lugar aprovado uma PEC da Transição ainda em 2022 com um valor quase duas vezes superior ao efetivamente necessário para fazer rodar a máquina pública com o atendimento das promessas de campanha relativas ao Bolsa Família e ao ressarcimento dos governadores, entre outros. Isso custa caro até hoje, já que essa foi a base de gastos sobre o qual o arcabouço fiscal permanentemente expansivo proposto pelo governo foi erigido.
A aprovação da PEC da Transição não foi só um favor a um governo que defende mais Estado e estava começando sua gestão. Ela obedecia a uma lógica de ampliar o volume de emendas parlamentares, na esteira da decisão do STF de acabar com o orçamento secreto. O corte na cabeça da Hidra rendeu várias novas cabeças que fizeram as emendas parlamentares mais que triplicarem em seis anos, como mostrou a apresentação de Haddad aos parlamentares no último domingo.
E é essa a lógica que segue operando agora. O tumulto no Congresso atende não só à cadeia de transmissão do setor privado, especialmente dos mais ricos que têm acesso privilegiado aos gabinetes de Brasília, mas também aos interesses dos próprios deputados e senadores.
É um recado para o governo promover uma execução mais célere de emendas neste ano. E também para que o Planalto tente conter os ímpetos do ministro do STF Flávio Dino em sua agenda contra o status quo parlamentar, que eles entendem estar atendendo a uma demanda direta do presidente Lula.
A discussão também tem tudo a ver com o xadrez político para 2026, sobre com qual poderio o Congresso vai permitir ao governo chegar no ano eleitoral.
A MP com uma nova rodada de aumento de tributos para os mais ricos, bem como o novo decreto do IOF, está em risco no Congresso. Há problemas nas duas iniciativas, mas há também questões meritórias, que merecem no mínimo uma reflexão mais séria da sociedade. Tratar como se estivesse havendo uma “derrama” ou simples “sanha arrecadatória” é um truque velho para disfarçar outras discussões. O governo agir com o nível de improviso das últimas semanas só ajuda as táticas diversionistas.
O Brasil tem questões fiscais a endereçar, é óbvio. E são muitas. Mas esse clima que beira a histeria não serve a ninguém. Ou melhor, serve a alguns poucos, em detrimento de muitos.