A Súmula Carf 20 e a tese firmada no Tema 1247 do STJ

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A aplicabilidade, a efetividade e a abrangência do direito ao aproveitamento de créditos do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) – sejam eles decorrentes da aplicação do princípio constitucional da não cumulatividade ou decorrentes de algum benefício fiscal direcionado – sempre foi alvo de discussões jurídicas e acadêmicas, notadamente, nas situações em que uma das operações da cadeia produtiva não é onerada pelo tributo.

Neste cenário, destaca-se a controvérsia acerca da abrangência do benefício fiscal instituído pelo artigo 11 da Lei 9.779/1999[1], ou seja, se o direito de crédito a que alude o referido dispositivo legal refere-se apenas aos casos em que o insumo tributado é utilizado na produção de produto isento ou sujeito à alíquota zero, ou se também abarca a hipótese de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem não tributados, com a notação NT (não tributado) na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI).

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No âmbito do Carf, a reiterada adoção da interpretação restritiva do artigo 11 da Lei 9.779/1999 culminou na aprovação da Súmula 20[2] pela 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), cujos efeitos se tornaram vinculantes a partir da Portaria 277/2018, do Ministério da Fazenda, que encampou e validou o entendimento contido no polêmico artigo 2º do Ato Declaratório Interpretativo 5/2006[3], que, a pretexto de interpretar o artigo 11 da Lei 9.779/1999 , acabou restringindo a sua aplicação ao explicitar que não há direito ao crédito do IPI na aquisição de insumos aplicados à fabricação de produtos classificados na TIPI como NT.

Na esfera judicial, foram anos de entendimentos divergentes, tanto nos Tribunais Regionais Federais como no Superior Tribunal de Justiça, no âmbito das turmas de Direito Público, cuja uniformização de jurisprudência somente veio a ocorrer em 2021, quando a 1ª Seção do STJ, no julgamento dos embargos de divergência no Recurso Especial (EREsp) 1.213.143/RS, firmou o entendimento de se encontrar sob o abrigo legal do artigo 11 da Lei 9.779/1999, a partir da sua vigência, o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagens tributados, nas saídas de produtos industrializados não tributados.

Em 23 de abril de 2024, houve a afetação dos Recursos Especiais 1.976.618 e 1.995.220 para a apreciação do Tema Repetitivo 1247, tendo como questão submetida a julgamento a discussão sobre “a possibilidade de se estender o creditamento de IPI previsto no art. 11, da Lei nº 9.779/1999 também para os produtos finais não tributados (NT), imunes, previstos no art. 155, §3º, da CF/88”.

Em 09/4/2025 (acórdãos publicados em 23/04/2025), os Recursos Especiais 1.976.618 e 1.995.220 (Tema Repetitivo 1247) foram julgados, tendo sido fixada a seguinte tese: “o creditamento de IPI, estabelecido pelo art. 11 da Lei nº 9.779/1999, decorrente da aquisição tributada de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização, abrange a saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes.

Contra os referidos acórdãos, foram opostos embargos de declaração pela União Federal (Fazenda Nacional), com o pedido de modulação dos efeitos da decisão, ainda pendente de apreciação.

É relevante destacar que, segundo restou decidido, a concretização do aproveitamento do crédito de IPI depende da verificação dos seguintes requisitos:

  1. a realização de operação de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem sujeita à tributação de IPI (de cujo crédito se pretende aproveitar); e
  2. a submissão do bem adquirido ao processo de industrialização, conforme especificado no artigo 4º do Regulamento do IPI (Decreto 7.212/2010).

Em seu voto, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, salienta a necessidade de se distinguir os produtos contidos na TIPI, especificamente aqueles sob a rubrica NT, na qual se incluem produtos que, por sua natureza, encontram-se fora do campo de incidência do IPI, já que não são resultantes de nenhum processo de industrialização.

E outros que, ainda que derivados do processo de industrialização, por determinação constitucional, são imunes ao referido imposto, sendo que, em relação ao produto que não é resultado de processo de industrialização de insumos tributados, a sua saída, ainda que desonerada, não enseja direito ao crédito de IPI, em razão de inexistir submissão ao processo de industrialização.

Nesta linha de fundamentação, conforme trecho das razões de decidir expostas na ementa dos acórdãos repetitivos, conclui o relator que:

“De acordo com o critério adotado pela norma, se o produto – resultado do processo de industrialização de insumos tributados na entrada – é imune, o industrial faz jus ao creditamento. Se, ao contrário, o produto não é resultado do processo de industrialização de insumos tributados, sua saída, ainda que desonerada, não enseja direito ao creditamento de IPI. Veja-se que, nesse caso, o direito ao creditamento não se aperfeiçoa porque não houve submissão ao processo de industrialização, e não simplesmente porque o produto encontra-se sob a rubrica “NT” na TIPI.

Observe-se que no voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, fica expressa a preocupação de se identificar a abrangência do direito ao creditamento de IPI reconhecido no julgamento e na tese a partir deste firmada, indicando a necessidade de se utilizar o termo “produtos imunes” (e não genericamente, “produtos não tributados”), uma vez que o benefício fiscal, nos termos decidido, abrange a saída de produtos industrializados isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes (e não todos aqueles constantes da TIPI sob a rubrica NT)[4].

Voltando para o processo administrativo fiscal, é fato que a Súmula Carf 20 permanece vigente, e, portanto, a sua aplicação pelos conselheiros julgadores é obrigatória, por determinação do artigo 123, § 4º , do RICARF[5], aprovado pela Portaria MF 1634/2023, tendo prevalecido, nos julgamentos realizados pelo Carf, o entendimento de que a referida súmula se aplica a todas as situações em que os produtos sejam classificados como NT na TIPI, inclusive no que se refere aos produtos imunes (cita-se, como exemplo, os Acórdãos 3402-003.012, 3101-003.937, 3402-003.658, 3302-007.791 e 3003-000.198).

O artigo 100, do RICARF[6], aprovado pela Portaria MF 1634/2023, determina o sobrestamento do julgamento, quando houver acórdão de mérito ainda não transitado em julgado, referente a tema submetido a julgamento segundo a sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos, proferido pelo Supremo Tribunal Federal e que declare a norma inconstitucional ou, no caso de matéria exclusivamente infraconstitucional, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e que declare a ilegalidade da norma, prevendo, o seu parágrafo único, a inaplicabilidade do sobrestamento na hipótese em que o julgamento do recurso puder ser concluído independentemente de manifestação quanto ao tema afetado.

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Já artigo 128 do RICARF[7], aprovado pela Portaria 1634/2023, trata da revisão ou cancelamento de enunciado de súmula e o seu § 4º determina a revogação de súmula ou resolução do pleno quando houver superveniência de decisão transitada em julgado do STF ou do STJ, em sede de repercussão geral ou sob o rito dos recursos repetitivos.

A despeito de ainda não ter ocorrido o trânsito em julgado da decisão proferida nos Recursos Especiais 1.976.618 e 1.995.220 (Tema Repetitivo 1247), não se pode descartar a irreversibilidade da tese firmada, ressaltando que os embargos de declaração opostos pela União Federal (Fazenda Nacional) se restringem ao pedido de modulação dos efeitos da decisão, para que esta só produza efeitos a partir do trânsito em julgado dos recursos repetitivos.

Portanto, em que pese a obsolescência da Súmula Carf 20 remontar ao julgamento dos EREsp. 1.213.143/RS, é certo que, a partir do julgamento dos Recursos Especiais 1.976.618 e 1.995.220 (Tema Repetitivo 1247), não restam dúvidas sobre a necessidade de sua revogação, ou, no mínimo, de sua revisão, para ficar expressa a inaplicabilidade do verbete sumular em se tratando de produtos imunes.


[1] Art. 11.  O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

[2] Súmula CARF nº 20: “Não há direito aos créditos de IPI em relação às aquisições de insumos aplicados na fabricação de produtos classificados na TIPI como NT”.

[3] Art. 2º O disposto no art. 11 da Lei nº 9.779, de 11 de janeiro de 1999, no art. 5º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969, e no art. 4º da Instrução Normativa SRF nº 33, de 4 de março de 1999, não se aplica aos produtos:

I – com a notação “NT” (não-tributados, a exemplo dos produtos naturais ou em bruto) na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), aprovada pelo Decreto nº 4.542, de 26 de dezembro de 2002;

II – amparados por imunidade;

III – excluídos do conceito de industrialização por força do disposto no art. 5º do Decreto nº 4.544, de 26 de dezembro de 2002 – Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (RIPI).

Parágrafo único. Excetuam-se do disposto no inciso II os produtos tributados na TIPI que estejam amparados pela imunidade em decorrência de exportação para o exterior.

[4] Acórdão REsp 1976618-RJ 

“2. Fixação da tese jurídica.

 Sem prejuízo de outra redação porventura sugerida pelos demais Ministros julgadores, tem-se, por relevante, a fim de manter a fidedignidade dos fundamentos aqui lançados, que a tese a ser conformada por esta Primeira Seção considere: i) que o direito ao creditamento de IPI estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999 abrange a saíde da produtos imunes (afastando-se qualquer termo que conduza à ideia de aplicação extensiva do benefício fiscal à hipótese supostamente não constante da norma, do que não se cuida); e ii) a necessidade de utilizar o termo “produtos imunes” (e não, genericamente, “produtos não tributados”, pois, nos termos da fundamentação supra, o benefício fiscal em exame abrange a saída de produtos industrializados isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes (e não todos aqueles constantes da TIPI sob a rubrica “NT”).”

[5] Art. 123. A jurisprudência assentada pelo CARF será compendiada em Súmula de Jurisprudência do CARF.

  • 4º As Súmula de Jurisprudência do CARF deverão ser observadas nas decisões dos órgãos julgadores referidos nos incisos I e II do caput do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 1972.

[6] Art. 100. A decisão pela afetação de tema submetido a julgamento segundo a sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos não permite o sobrestamento de julgamento de processo administrativo fiscal no âmbito do CARF, contudo o sobrestamento do julgamento será obrigatório nos casos em que houver acórdão de mérito ainda não transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal Federal e que declare a norma inconstitucional ou, no caso, de matéria exclusivamente infraconstitucional, proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e que declare a ilegalidade da norma.

Parágrafo único. O sobrestamento do julgamento previsto no caput não se aplica na hipótese em que o julgamento do recurso puder ser concluído independentemente de manifestação quanto ao tema afetado.

[7] Art. 128. O enunciado de súmula ou de Resolução do Pleno poderá ser revisto ou cancelado por proposta do Presidente do CARF, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, do Secretário Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda ou de Presidentes de Confederação representativa de categoria econômica de nível nacional e de Central Sindical, habilitadas à indicação de conselheiros.

  • 1º A proposta de que trata o caput será encaminhada por meio do Presidente do CARF.
  • 2º A revisão ou cancelamento do enunciado ou Resolução observará, no que couber, o procedimento adotado neste Capítulo ou no Capítulo VI, conforme o caso.
  • 3º A revogação de enunciado de súmula ou Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
  • 4º O Presidente do CARF revogará súmula do CARF ou Resolução do Pleno, sem a necessidade de observância do rito de que tratam os §§ 1º a 3º, quando houver superveniência de decisão transitada em julgado do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em sede de julgamento realizado na sistemática da repercussão geral ou dos recursos repetitivos, que contrarie seu conteúdo.
  • 5º O procedimento de revogação de que trata o § 4º não se aplica às súmulas e Resoluções aprovadas pelo Ministro de Estado da Fazenda.