Os serviços relacionados à drenagem e manejo de águas pluviais urbanas parecem, finalmente, estar capturando alguma atenção da agenda institucional dos municípios brasileiros.
Isto se deve não apenas ao fato de que o tratamento adequado a estas atividades seja uma urgência para que nossas cidades se tornem mais inteligentes e, acima de tudo, resilientes aos desafios contemporâneos, especialmente com relação às estratégias de adaptação às mudanças climáticas, mas também por conta da recente Norma de Referência 12/2025 (NR 12), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
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Tão festejada e comentada desde a sua publicação, a NR 12 é o primeiro documento normativo que estabelece as diretrizes para organização, planejamento, regulação e operação dos serviços públicos de drenagem e manejo das águas pluviais urbanas (DMAPU) no território brasileiro.
Espera-se que o documento viabilize investimentos nesta área, pois confere maior segurança jurídica, técnica e institucional à prestação de serviços de DMAPU, promovendo a padronização conceitual e o fortalecimento dos arranjos regulatórios e operacionais relacionados à sua execução.
Superando lacunas normativas e institucionais para prestação dos serviços de DMAPU, a NR 12 apresenta os parâmetros basilares para sua estruturação, implantação e operação, o que contribui para uma delimitação mais clara acerca de seu escopo e alcance, bem como para a integração desses serviços ao saneamento básico como um todo.
Nesse contexto, o que há de mais marcante sobre a NR 12 é uma reorientação teleológica das atividades de drenagem e manejo de águas pluviais em nossas cidades. Se historicamente elas limitaram a justificar a execução de obras e intervenções específicas, agora os entes federativos dispõem de uma estrutura normativa sólida para sua estruturação e prestação sob uma lógica de serviços públicos de natureza contínua, seja por via direta ou indireta, tal como ocorre, por exemplo, com o abastecimento de água e o esgotamento sanitário.
Embora reorientação teleológica seja, de fato, transformativa sob a dinâmica atual das atividades de DMAPU, suas premissas já estavam estampadas pelo Marco Legal do Saneamento Básico. Isto porque, de acordo com o art. 2°, inciso XI, da Lei 11.445/2007, a prestação dos serviços públicos de saneamento básico deve se dar em consonância com o princípio fundamental da continuidade.
Assim, os serviços que integram o escopo operacional do saneamento básico não devem ser prestados de forma pontual e casuística, mas de maneira permanente e ininterrupta, mesmo em função de sua relevância econômica e social para o desempenho coletivo das atividades que conformam a vida cotidiana.
É levando em consideração esse contexto que se defende que os serviços públicos de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas devem ser entendidos como atividades de prestação contínua que, devido ao seu caráter fundamental de atividades de saneamento básico, devem ser prestados a partir de uma atuação permanente por parte do Poder Público.
Naturalmente, isso impõe a adoção de ações voltadas ao seu planejamento e execução, a partir da manutenção rotineira das infraestruturas, do monitoramento constante dos sistemas de drenagem, da articulação com políticas urbanas e ambientais, dentre outras medidas, tal como objetivamente disciplinado ao longo da NR 12.
Isso se visualiza, por exemplo, pelo artigo 6º da NR 12, que reforça o caráter contínuo e integrado dos serviços de drenagem ao determinar que os referidos sistemas devem considerar um conjunto de medidas cuja efetividade depende, necessariamente, de uma atuação permanente e constante. Dentre elas, podem ser mencionadas:
- a redução de eventos de inundações, enxurradas, alagamentos e suas consequências socioambientais;
- o controle dos processos erosivos causados pelo escoamento superficial e consequente redução do assoreamento dos corpos hídricos receptores; e
- a redução da poluição hídrica, por exemplo.
Além disso, o artigo 7° da norma reforça esse caráter de continuidade, ao estabelecer que os serviços de drenagem devem ser estruturados, dentre outros, por atividades que, por sua natureza, exigem uma atuação contínua de planejamento, articulação com outros instrumentos e políticas, projetos e execução de obras, operação, manutenção, gestão e administração.
Merece destacar, ainda, o artigo 11 da normativa que, ao discorrer sobre a operação e manutenção dos sistemas de drenagem, dispõe em seu inciso I, alínea “b”, que estas atividades envolvem o monitoramento contínuo das condições operacionais dos sistemas de DMAPU, evidenciando a necessidade de um acompanhamento constante e refletindo, assim, a orientação definitiva por uma prestação ininterrupta e planejada destes serviços.
Diante deste contexto, a NR 12 representa um avanço normativo que abre caminho para a integração efetiva e definitiva da drenagem urbana na política de saneamento básico, mas também apresenta desafios para que os titulares possam viabilizar sua prestação. Como serviços de prestação contínua, todavia, uma opção que pode vir a ser adotada é a sua execução por meio de contrato de parceria público-privada.
Um exemplo nesse sentido é o projeto estruturado pelo município de Maceió, recentemente submetido a consulta pública[1], que propõe a concessão administrativa dos serviços de drenagem e manejo de águas pluviais urbana.
O escopo do projeto atribui ao futuro parceiro privado responsabilidades que abrangem a implantação, operação e manutenção dos sistemas de macro e microdrenagem, além da infraestrutura de monitoramento e controle que incluem soluções de cidade inteligente, tais como implantação de bueiros inteligentes interligados e implantação de poços de visita de drenagem online, ambos interligados ao Centro de Controle Operacional da Concessionária.
Outra opção que pode ser adotada pelos titulares dos serviços, a critério da conveniência e oportunidade do ajuste, é a otimização das concessões de abastecimento de água e esgotamento sanitário para incorporação de componentes de DMAPU.
Essa possibilidade é expressamente prevista pelo artigo 35 da NR 12 que prescreve que “os contratos de prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário poderão ser aditados para incluir a prestação dos serviços de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas – DMAPU”.
Essa prescrição autoriza estratégias de integração contratual que podem gerar ganhos de escala e eficiência operacional na prestação conjunta destes serviços de saneamento básico, desde que observados três requisitos basilares:
- que exista interrelação técnica e operacional entre os serviços de DMAPU e esgotamento sanitário;
- que seja preservado o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, mediante avaliação prévia da entidade reguladora competente e adoção das medidas cabíveis; e
- que a formalização da alteração contratual ocorra em conformidade com as normas regulatórias, sendo assegurada a transparência, publicidade e controle social sobre a prestação dos serviços.
De um modo ou de outro, o que importa destacar é que NR 12 surge como um importante avanço para estruturação da prestação contínua dos serviços de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. Tanto via contratos de parceria com escopo próprio de DMAPU, como via otimização das concessões de água e esgoto já existentes, o documento oferece diretrizes e balizas concretas que podem e devem viabilizar investimentos nesta área que é absolutamente essencial à implementação de estratégias concretas de resiliência climática em nossas cidades
[1] https://maceio.al.gov.br/noticias/semaemi/consulta-publica-sobre-concessao-e-manejo-de-aguas-pluviais-segue-ate-o-dia-22-4.