Itaú recebe R$2,5 mi para encerrar processos contra contador, mas mantém ações contra ex-CFO

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O banco Itaú Unibanco firmou um acordo para receber R$ 2,5 milhões do contador Eliseu Martins, e encerrar ações contra ele, seus dois filhos e as empresas Care Consultores e Evam Consultores, por alegações de fraude e não entrega de pareceres contábeis contratados.

O instrumento de transação foi apresentado à Justiça nesta sexta-feira (30/5) com o objetivo de extinguir com resolução de mérito (isto é, não é possível reabrir o litígio) duas ações movidas pelo banco contra os signatários. Os processos, contudo, prosseguem em relação ao ex-diretor financeiro do Itaú e hoje diretor global do Santander, Alexsandro Broedel Lopes, e à empresa Broedel Consultores.

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O acordo se refere a duas ações judiciais movidas pelo Itaú contra os envolvidos, sob os números 1032203-55.2024.8.26.0100 e 1011143-86.2025.8.26.0100. Em uma delas, ajuizada em janeiro, o banco requer a devolução de R$ 3,3 milhões, e afirma que Broedel e envolvidos atuaram em “fraude rasteira”. Na outra, protocolada em março, o Itaú pede ressarcimento de R$ 6,645 milhões por pareceres contábeis que afirma não ter recebido. No acordo, Eliseu Martins afirma que não houve entrega de 4 pareceres que haviam sido pagos de forma antecipada pelo Itaú, mas que já houve ressarcimento via depósito judicial. 

De acordo com o documento, as partes “chegaram a uma composição amigável para quitação mútua e recíproca a respeito de toda relação comercial e jurídica existente entre eles”. O pagamento de R$ 2,5 milhões encerra quaisquer pretensões cíveis, comerciais, tributárias ou criminais por parte do Itaú contra Eliseu Martins, seus filhos (Eric e Vinicius Aversari Martins) e suas consultorias. Não há admissão de culpa no acordo, mas, em nota, o consultor nega responsabilidade e diz que assinou o acordo como demonstração de boa-fé (veja abaixo). 

O banco também reconhece, no instrumento, que os filhos de Eliseu não participaram da prestação dos serviços e que não receberam os valores do suposto esquema que teria se estendido por anos. Além disso, a quitação cobre não apenas os fatos narrados nas ações, mas também eventos conexos ou desconhecidos no momento, de qualquer natureza.

O acordo também prevê a sub-rogação de Eliseu Martins no direito de cobrança contra Broedel, até o limite de R$ 2,5 milhões pagos ao banco. Isto é, o Itaú reconhece que, caso deseje, Eliseu poderá ingressar com ação própria contra o ex-diretor ou integrar o polo ativo dos processos em curso.

Os processos do Itaú contra Broedel e Eliseu Martins

Os autos descrevem um suposto esquema envolvendo pareceres contábeis em que Eliseu Martins teria recebido, por meio de suas empresas, mais de R$ 13 milhões, com repasses sistemáticos de 40% ao então CFO do banco, Alexsandro Broedel. No acordo, Martins confirma que havia a divisão nesta proporção. A base das ações é a alegação de que parte significativa dos serviços não foi prestada ou não tem comprovação de entrega, e que as contratações ocorreram em conflito de interesses. 

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A cláusula final do instrumento de transação reforça a não participação do ex- CFO no acordo: “A lide prosseguirá em relação aos demais Corréus, Alexsandro Broedel e Broedel Consultores, conforme art. 277, CC”. Com isso, o banco mantém ativa a cobrança e a imputação de responsabilidade ao ex-diretor, com base na tese de que ele teria usado sua posição hierárquica para viabilizar contratações de pareceres fictícios em seu próprio benefício.

Procurado via assessoria de imprensa, Broedel não se manifestou. A reportagem também contatou o banco Itaú, mas não teve resposta. O espaço segue aberto. 

Outro lado

Em nota, Eliseu Martins afirma que assinou o acordo para demonstrar “boa-fé e comprometimento com o devido esclarecimento dos fatos. “Os serviços objetos das ações judiciais foram remunerados pelo Banco Itaú e desconheço a existência de pagamentos por serviços não prestados. Jamais efetuei qualquer pagamento em favor do Sr. Alexsandro Broedel Lopes em razão da minha indicação como prestador de serviços”, diz. Confira a nota na íntegra:

Assinei um acordo judicial com o Banco Itaú, como forma de demonstrar a minha boa fé e comprometimento com o devido esclarecimentos dos fatos. No documento, esclareço que:

⁠Atuei em sociedade de fato, não de direito, para prestação de serviços de elaboração de pareceres contábeis e consultorias com o Sr. Alexsandro Broedel Lopes, decorrente de longo relacionamento profissional, acadêmico e serviços prestados para diversas companhias, entre elas o Itaú.

⁠O critério estabelecido para a divisão dos honorários era o seguinte: 40% para Alexsandro Broedel e 60% para mim, independentemente de quem fosse a empresa contratante;

Os serviços objetos das ações judiciais foram remunerados pelo Banco Itaú e desconheço a existência de pagamentos por serviços não prestados. Jamais efetuei qualquer pagamento em favor do Sr. Alexsandro Broedel Lopes em razão da minha indicação como prestador de serviços;

⁠As transferências bancárias feitas a Alexsandro Broedel foram efetuadas exclusivamente por mim, por meio das empresas contratadas, que possuem meus filhos como sócios. As transferências ocorreram sem nenhuma participação direta ou indireta deles, que sequer tinham conhecimento de tal sociedade;

Como reconhecido pelo Banco Itaú, meus filhos jamais estiveram envolvidos em prestações de serviços a instituição, bem como nunca receberam valores referentes a tais serviços.

Desconheço os procedimentos de controles internos do Banco Itaú, bem como quem aprovava e liberava os pagamentos relacionados aos serviços prestados por mim;

Ressalto ainda que minha relação com o Banco Itaú existe há mais de 40 anos, com todas as contratações fundamentadas em capacidade e expertise reconhecidas pela instituição.”

Para o Itaú Unibanco, a “confissão de Eliseu Martins comprova, de forma inequívoca, as apurações internas realizadas pelo banco e que embasaram a adoção das medidas judiciais cabíveis”. O banco diz reiterar “seu compromisso com os mais elevados padrões de governança, ética e integridade”, e informa que continuará com as ações judiciais em curso contra Alexsandro Broedel.

Alexsandro Broedel Lopes não retornou os contatos da reportagem. O espaço segue aberto.

Entenda o caso

Em janeiro, o banco ingressou com uma ação judicial contra seu ex-diretor financeiro, Alexsandro Broedel, e Martins e seus filhos, alegando a existência de um suposto esquema fraudulento que teria desviado milhões de reais da instituição financeira.

Segundo o processo, Broedel teria recebido indevidamente cerca de 40% dos valores pagos pelo banco ao contador e consultor Eliseu Martins, em um esquema de contratações direcionadas que se estendeu por anos. O Itaú sustenta que Broedel, enquanto CFO do banco, aprovou pessoalmente diversas contratações de Martins para a emissão de pareceres contábeis e que parte dos pagamentos ao consultor era repassada ao próprio Broedel por meio de empresas ligadas a Martins e seus filhos. 

A auditoria interna do banco levantou que o ex-CFO recebeu aproximadamente R$ 4,86 milhões ao longo dos anos em que o alegado esquema esteve em funcionamento, valor correspondente a cerca de 40% do total pago pelo Itaú à empresa Care. Em alguns casos, o repasse ocorria no mesmo dia do pagamento do banco à empresa de Martins, evidenciando, segundo a instituição financeira, o caráter ilícito das transações.

O banco informou que Broedel foi desligado da empresa ainda durante seu período de “garden leave”, um afastamento remunerado antes da rescisão oficial. O Itaú também registrou um protesto judicial para interromper o prazo prescricional do caso antes de ingressar com a ação formalmente.

Em nota ao JOTA, a assessoria de Broedel afirmou, em janeiro, que as acusações são “infundadas e sem sentido”. “Alexsandro Broedel sempre se conduziu de forma ética e transparente em todas as atividades ao longo dos seus 12 anos no banco – algo nunca contestado pelo Itaú, que tem uma rigorosa e abrangente estrutura de controle e compliance, própria de um grupo financeiro com seu porte e importância na economia brasileira”, diz. A nota também afirma que Broedel vai tomar “as medidas judiciais cabíveis”.

Em relação a Eliseu, a nota diz que “o parecerista mencionado pelo Itaú já prestava serviços ao banco há décadas, muito antes de Broedel ser convidado para a diretoria da instituição”. “Causa profunda estranheza que o Itaú levante a suspeita sobre supostas condutas impróprias somente depois de Broedel ter apresentado a renúncia aos seus cargos no banco para assumir uma posição global em um dos seus principais concorrentes”. Hoje, Broedel trabalha no Santander, na Espanha.