O Decreto 12.466/2025, recém-editado pelo governo federal, promove alterações significativas nas alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) aplicáveis a operações de crédito, câmbio e seguro.
A mudança, com vigência imediata, provocou reações no mercado e levantou discussões jurídicas relevantes, sobretudo em setores que dependem de contratos e operações financeiras de longo prazo. Entre os mais afetados, destacam-se as agências e operadoras de turismo, cuja estrutura operacional foi diretamente impactada pela nova regra.
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A lógica do setor de turismo envolve a intermediação de serviços futuros com fornecedores internacionais — hospedagens, traslados, ingressos e pacotes que são negociados e reservados com antecedência, mas pagos em reais pelos clientes brasileiros no momento da reserva.
A precificação dessas operações é realizada com base no câmbio e na legislação vigente na data da reserva, fixando o valor final a ser cobrado do passageiro. A quitação junto ao fornecedor estrangeiro, entretanto, ocorre futuramente — muitas vezes após a viagem do cliente —, o que expõe as agências à flutuação cambial e, agora, a mudanças abruptas na carga tributária.
Cabe destacar que, até então, o governo havia estabelecido um cronograma de redução gradual das alíquotas do IOF sobre operações de câmbio, com o objetivo de zerá-las até 2029. Essa medida, formalizada pelo Decreto 10.997/2022, visava alinhar o Brasil às práticas internacionais e facilitar a adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
O cronograma previa reduções anuais nas alíquotas do IOF, proporcionando previsibilidade e segurança jurídica para os agentes econômicos. Com base nessa expectativa, diversas operações foram fechadas pelas agências de turismo, considerando a redução do IOF.
A majoração imediata do IOF, sem transição ou adaptação, gerou desequilíbrio econômico. Pacotes que foram precificados e vendidos sob um cenário tributário específico passaram a ter custos superiores, corroendo a margem bruta e inviabilizando a rentabilidade de operações já contratadas. Em termos práticos, agências e operadoras terão a lucratividade de suas operações reduzida, em alguns casos levando a prejuízos diretos.
A questão transcende o aspecto econômico. Do ponto de vista jurídico, a súbita mudança do IOF, sem respeitar princípios como transparência, justiça tributária, cooperação e, de certa forma, a anterioridade tributária, levanta sérias dúvidas quanto à segurança jurídica e à proteção da confiança legítima.
Embora o IOF seja um tributo extrafiscal, cujo caráter regulatório permite certa flexibilidade na alteração de alíquotas, a forma como foi implementada — sem transição e com efeitos imediatos sobre operações em andamento — desafia a previsibilidade essencial ao ambiente de negócios.
Em recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça (REsp 2.010.908), que discutiu a incidência do IOF sobre operações de crédito parceladas, a ministra Regina Helena Costa destacou, inaugurando voto divergente ao entendimento do relator, a importância da segurança jurídica e da confiança legítima.
Para a ministra, o fato gerador do IOF deveria ser considerado no momento da celebração do contrato, e não fatiado em cada parcela liberada, sob pena de gerar instabilidade e imprevisibilidade. Essa reflexão é extremamente pertinente ao setor de turismo, no qual a lógica contratual prevê obrigações assumidas previamente com base em custos calculados à época da negociação.
A posição majoritária do STJ consolidou o entendimento de que o IOF incide no momento da liberação do crédito ou pagamento, sujeitando cada etapa à alíquota vigente. Contudo, o voto da ministra Regina ecoa os desafios enfrentados por empresas de turismo: a imprevisibilidade decorrente de alterações repentinas compromete a estabilidade das relações contratuais e expõe as empresas a riscos financeiros desproporcionais.
Diante desse cenário, surgem duas reflexões. Primeiro, a necessidade urgente de revisão contratual: cláusulas que permitam ajustes em caso de alteração de tributos — como “gross-up” e renegociação — tornam-se fundamentais para mitigar impactos futuros. Segundo, a relevância de um debate mais profundo sobre o equilíbrio entre a prerrogativa do fisco e a segurança jurídica: alterações tributárias devem respeitar princípios constitucionais, inclusive quando afetam setores específicos que confiaram nas medidas anunciadas pelo próprio governo.
O episódio recente evidencia que, além da solidez técnica, o ambiente de negócios requer previsibilidade e estabilidade para que as empresas possam operar com segurança e confiança. No caso das agências de turismo, o impacto do novo IOF revela que medidas fiscais instituídas de maneira açodada, ainda que supostamente válidas à primeira vista, podem gerar efeitos econômicos e jurídicos severos, especialmente quando implementadas sem diálogo, sem transição adequada e, especialmente, sem observância a princípios constitucionais que resguardam a segurança jurídica.