O vetting como ferramenta de preservação da vida e do meio ambiente

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As vias navegáveis da Amazônia representam um papel importante no transporte de pessoas e produtos diversos, tais como alimentos e combustíveis.

Os combustíveis são produtos perigosos e nocivos ao ser humano e ao meio ambiente, o que exige precauções adicionais para o transporte. Para tanto, as empresas devem ser autorizadas pelas agências reguladoras (por exemplo, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários [Antaq]) e por instituições relacionadas ao meio ambiente (por exemplo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis [Ibama]), e as embarcações devem estar regularizadas pela Autoridade Marítima Brasileira (AMB).

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Adicionalmente aos requisitos acima, algumas empresas distribuidoras de combustível adotam uma ferramenta denominada de vetting para contratação de embarcações para realização do transporte de seus produtos.

Segundo a definição citada por Souza e Oliveira, o vetting é um processo geral de gestão de riscos, no qual uma análise técnica preliminar é realizada para subsidiar a decisão do contratante na aprovação ou não de uma embarcação para realizar o transporte de um ou mais produtos.

Esta análise técnica se baseia em um procedimento de inspeção de embarcações estabelecido pela Oil Companies International Marine Forum (OCIMF) designado, atualmente, de Barge Inspection Report Programme (BIRE) para aplicação em embarcações empregadas na navegação interior, antes denominada de Ship Inspection Report Programme (SIRE).

A motivação para formação da OCIMF foi, infelizmente, o naufrágio do navio Torrey Canyon, em 1967, que causou um enorme desastre ambiental na costa inglesa, decorrente do vazamento no meio marinho de mais de 100 mil toneladas de óleo cru.

No Brasil, a Petrobras foi a pioneira em implementar o vetting de forma sistemática com o uso das ferramentas da OCIMF (SIRE e BIRE). Além desta, atualmente, seis empresas que atuam no país (Atem, Braskem, Raízen, Shell, Vast e Vibra) são membros da OCIMF, o que demonstra o reconhecimento de parte do mercado na eficácia do vetting para o incremento da segurança às operações, minimizando os riscos ao meio ambiente e às pessoas.

Nas inspeções BIRE são verificadas a documentação e a certificação da embarcação e da tripulação, as condições físicas e operacionais da embarcação, e os sistemas de gerenciamento de segurança, prevenção da poluição e manutenção da empresa, com base na regulamentação nacional aplicável, tais como as normas da AMB e as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego. E nas boas práticas, em certos casos previstas em normas internacionais, relevantes para a segurança da navegação, a salvaguarda da vida humana e a prevenção da poluição.

Apesar do exposto, segundo Campinas, duas entidades que representam as empresas de navegação questionam no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) a adoção do vetting, sob alegação de aumento de custo e que já se submetem à regulação e fiscalização da Antaq e da AMB.

Quanto à argumentação da ilegalidade, vale destacar que o transporte em questão é realizado mediante um contrato particular e, como negócio jurídico, segundo Uliana, deve atender as prescrições do artigo 104 do Código Civil e resultar da vontade de, pelo menos, duas partes (bilateral), como diz Maria Helena Diniz:

[…]o ato negocial deriva de acordo de vontades das partes, sendo lógico que apenas as vincule, não tendo eficácia em relação a terceiros. Assim, ninguém se submeterá a uma relação contratual, a não ser que a lei o imponha ou a própria pessoa queira

Corroborando com este entendimento, pode-se mencionar a decisão do magistrado Danilo Augusto Kanthack Paccini, da 2ª Vara Cível de Porto Velho (RO), proferida em 22 de julho de 2024, em resposta ao pedido de uma entidade sindical para vedar cláusulas contratuais e a exigência de normas vetting pelo setor privado: 

“A inicial não demonstra em que consiste as inspeções de Vetting e, embora afirme que trará prejuízos econômicos para as empresas de transporte, sequer quantifica as perdas e os custos e quais adequações seriam necessárias nos navios. Ademais, a autora, além de não explicar em que consiste a inspeção questionada, sequer traz aos autos documento que demonstre a exigência pelas empresas requeridas.

Por último, ao menos em juízo de cognição sumária, aparentemente, não parece violar a legislação o fato de uma empresa privada exigir de outra da mesma natureza segurança maior do que o estabelecido em regulamento geral, especialmente considerando a segurança do meio ambiente e a liberdade de contratação”.

Em outra decisão, a juíza de Direito da 20ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus, Suzi Irlanda Araújo Granja da Silva, assinala: 

“De início, vale registrar que a Constituição Federal de 1988 dispensou um capítulo específico sobre a ordem econômica e financeira, trazendo em seu art. 170, IV, a livre concorrência como um dos princípios da atividade econômica, e, no parágrafo único do mesmo dispositivo, a previsão no sentido de que o livre exercício de qualquer atividade econômica é assegurado a todos, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

No que tange a fase de transporte, notadamente a ilegalidade na exigência da certificação internacional “vetting”, não evidencio, mediante um juízo inicial de cognição sumária, a probabilidade do direito alegado, visto que o sindicato não comprovou tratar-se a certificação de exigência dissociada da atividade empresarial desenvolvida, sendo certo que muito embora não encontre previsão legal no ordenamento jurídico nacional, mas sim em prática internacional, tal exigência decorrente de relação contratual empresarial privada, inserindo-se na esfera de livre contratação das partes, devendo prevalecer a intervenção mínima”.

Assim, as decisões judiciais acima reconhecem a legitimidade contratual do vetting por se tratar de atividade de livre mercado.

Apesar das visões contrárias ao vetting, neste momento, o governo e sociedade civil debatem os impactos ambientais decorrentes da exploração de óleo e gás na foz do rio Amazonas. Além disso, em novembro deste ano, Belém será a sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), onde serão debatidas medidas de preservação dos biomas em escala global.

Por fim, dada a sensibilidade ecológica da Amazônia, a implementação de procedimentos adicionais de segurança e prevenção do meio ambiente, como o vetting, não deve aguardar e ser resultante da ocorrência de grave acidente envolvendo o transporte de combustíveis, o qual poderá resultar em perdas de vidas humanas e danos irreparáveis a fauna e a flora em um dos biomas mais importantes do mundo. 


CAMPINAS, F. Empresas de navegação querem barrar certificação internacional em Manaus. Amazonas Atual. Disponível em:  <https://amazonasatual.com.br/empresas-de-navegacao-querem-barrar-certificacao-internacional-em-manaus/>. Acesso em 01 de maio de 2025.

SOUZA, P. S.; OLIVEIRA, E. C. A importância do vetting para segurança operacional de balsas: estudo de caso em empresas brasileiras de navegação no estado do Amazonas Revista de Gestão e Secretariado – GeSec, v. 15, n. 9, p. 01-24, 2024.

ULIANA, M. L. Direito Civil. Contratos. Princípios contratuais: dos princípios tradicionais aos modernos. JusBrasil, 2017. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/direito-civil-contratos-principios-contratuais-dos-principios-tradicionais-aos-modernos/450052172>. Acesso em: 01 de maio de 2025.