Democracia e governança criminal na América Latina

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A principal preocupação dos brasileiros é a segurança pública, conforme apontam as pesquisas de opinião mais recentes divulgadas pela Genial Quaest. Assaltos, roubos, homicídios, estupros, tráfico de drogas e a atuação do crime organizado fazem parte do cotidiano não apenas do Brasil, mas também de diversos países latino-americanos.

A América Latina concentra mais de 40% dos homicídios do mundo e o Brasil é responsável por 10% desses registros. O crime organizado está descontrolado há décadas e a região é a principal reprodutora de organizações criminosas do globo, fornecendo ao mundo as drogas para o consumo.

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No Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC) se tornou uma organização transnacional com parceiros em muitas regiões do planeta, como na Itália, na África e nos Estados Unidos. Sua rede criminosa adentrou nas instituições do estado e mina a estabilidade política da região, não só do Brasil.

No Índice Global de Criminalidade, de um total de 193 países analisados, o Brasil está entre os 63 países de maior criminalidade e menor índice de resiliência – que é a capacidade das instituições coercitivas (polícias, Ministério Público, justiça e cárcere) de combater à criminalidade.

Dos indicadores de criminalidade do Brasil se destacam o índice de tráfico de drogas, com altíssimo nível de tráfico de cocaína e de maconha, com altos níveis de crimes contra a fauna e a flora (como podemos ver nas constantes queimadas na região Norte), nível alto de presença de atores criminosos dentro do estado, o que facilita a atividade criminosa. O indicador médio de criminalidade foi de 6,77 e o de mercado criminal foi de 6,93, enquanto o nível de resiliência foi de 4,92, conforme ilustra o gráfico abaixo.

Gráfico 1: Indicadores de governança criminal no Brasil

Fonte: Índice Global de Crime Organizado

A democracia é um regime que, além de eleições livres e limpas, deve garantir direitos básicos sob um estado de direito usável e controlar a violência e a criminalidade. Impera no Estado democrático de Direito o império da lei no qual ninguém é de legibus solutus.

Na realidade das periferias latino-americanas, o que impera é o vazio de poder com a assunção de grupos criminosos que instalam suas próprias regras, lesando direitos básicos e desrespeitando frontalmente as cartas constitucionais. Fato decisivo ao Estado democrático de Direito é o poder de seu sistema de justiça criminal. Na ausência ou fragilidade desse conjunto institucional estatal, a criminalidade se alimenta.

Sistema de justiça criminal e índice de democracia na América Latina

América Latina

Justiça criminal

Democracia

Uruguai

0,58

8,7

Costa Rica

0,57

8,3

Chile

0,54

8,0

Suriname

0,53

6,9

Jamaica

0,48

7,1

Argentina

0,40

6,6

Guiana

0,40

6,3

Panamá

0,35

6,9

Brasil

0,33

6,7

Peru

0,33

5,8

Colômbia

0,32

6,5

Equador

0,31

5,4

Guatemala

0,30

4,5

Honduras

0,27

5,0

Paraguai

0,27

6,0

Haiti

0,25

2,8

México

0,25

5,1

El Salvador

0,22

4,7

Bolívia

0,20

4,2

Venezuela

0,11

2,3

Fonte: WJP24 / Democracy Index (2023)

O sistema de justiça criminal do Rule of Law Index, do projeto World Justice Project, é definido procedimentalmente como:

  1. sistema de investigação criminal eficaz;
  2. sistema de julgamento eficaz e eficiente;
  3. sistema correcional eficaz da redução do comportamento criminoso;
  4. sistema criminal imparcial;
  5. sistema criminal livre da corrupção;
  6. sistema criminal livre da influência de governos; e
  7. devido processo legal garantido com os direitos dos acusados.

O indicador é mensurado entre 0 (nenhuma capacidade estatal) e 1 (total capacidade estatal). Na tabela acima, vemos que a pior situação do sistema de justiça criminal é a da Venezuela, sendo também o pior indicador de democracia no Democracy Index.

Por outro lado, o Uruguai apresentou o melhor indicador de justiça criminal e o melhor de democracia. A correlação entre os fatores é alta, com um R igual a 0,894 o que pode ser refletido no gráfico abaixo:

Linha de tendência do nível de associação entre os indicadores de justiça criminal e de democracia

Fontes: WJP24 / Democracy Index (2023)

A linha de tendência com os dados em formato de dispersão mostra o alinhamento dos países em torno dos dois indicadores. Isto demonstra que onde há fraca governança da justiça criminal, há menor desempenho do sistema democrático.


MAINWARING, Scott; PÉREZ-LIÑÁN, Aníbal (2023). “Por que as democracias da América Latina estão estagnadas”. Journal Of Democracy em Português. Volume 12, Número 1, Junho de 2023

O´DONNELL, Guillermo (1999). “Teoria Democrática e Política Comparada”. Dados. V. 42. N. 4. Rio de Janeiro.