Os Conselhos Tutelares são de todas as pessoas

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“Fui mãe solo aos 15 anos. Não tinha apoio familiar e sofria violência psicológica. Busquei ajuda no Conselho Tutelar, onde conheci profissionais que me acolheram e me orientaram. Graças a eles, consegui avançar na vida”, nos conta M.A. (não identificada para preservar sua identidade), hoje empreendedora social, em relato compartilhado pela plataforma Apoiar e Proteger. Sua história segue um roteiro de riscos e privações, conhecido de muitas brasileiras e brasileiros país afora — infelizmente, nem todos com um desfecho promissor. Daí a importância de se fortalecer as capacidades de atuação dos Conselhos Tutelares e divulgar amplamente sua existência junto à população.

No próximo dia 1º de outubro, acontecerá em todo o território nacional a escolha dos membros dos 6.100 Conselhos Tutelares — momento decisivo para que o Brasil avance na efetivação dos direitos da infância e da adolescência com absoluta prioridade, conforme prevê o artigo 227 da Constituição Federal. Assegurar a toda criança e adolescente o direito a uma vida digna é uma dívida histórica, que nos cabe urgentemente resgatar. Desse compromisso também depende o fortalecimento da democracia brasileira, tão duramente atacada nos últimos quatro anos.

Os Conselhos Tutelares desempenham papel estratégico. Sua relevância, enquanto órgãos permanentes e autônomos, está estabelecida desde 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). As conselheiras e conselheiros tutelares formam a linha de frente das políticas de proteção, sendo uma das mais importantes entradas para o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, formado por diferentes atores e instituições que buscam fortalecer a implementação do ECA. Esses membros identificam e encaminham casos de violações de direitos, para que a legislação vigente seja efetivamente cumprida.

Cabe aos profissionais que atuam nos Conselhos Tutelares cuidar para que crianças e adolescentes tenham seus direitos assegurados na relação com a família, a sociedade e, acima de tudo, com o poder público. Entre suas mais importantes atribuições está o aconselhamento de pais e cuidadores, além da responsabilidade em monitorar, coibir e denunciar qualquer tipo de violação de direitos e, sempre que necessário, realizar o encaminhamento de casos ao Poder Judiciário.

Envolver a sociedade na defesa de crianças e adolescentes também faz parte de suas funções. No que se refere ao enfrentamento às violências, por exemplo, podem prover informações que orientem a população a reconhecer sintomas de maus-tratos. Nos casos de maior vulnerabilidade, essa atuação pode representar um elemento definidor do futuro das meninas e meninos do Brasil.

O Brasil conta com aproximadamente 30.500 conselheiros e conselheiras tutelares, segundo levantamentos da Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Para fortalecer sua atuação, o Plano País para a Infância e a Adolescência — um conjunto de propostas criadas por 150 organizações da sociedade civil articuladas no movimento Agenda 227 — propõe uma série de medidas, como investimento na formação e capacitação de conselheiras e conselheiros; a melhoria do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (SIPIA), criado pelo governo federal para o registro e tratamento de informações sobre a garantia e defesa de direitos da criança e do adolescente; e a garantia de que todos os territórios do país contem com conselhos equipados para realizar seu trabalho adequadamente.

Os Conselhos Tutelares devem ocupar lugar central nas políticas públicas brasileiras e, para isso, é fundamental que toda a sociedade se envolva na eleição que se aproxima, entenda sua importância e busque conhecer as candidaturas de sua cidade, localizando aquelas com que mais se identifica. Seja qual for a escolha, vale sempre checar um fator fundamental, que não pode faltar na ficha de qualquer candidatura: o conhecimento sobre o ECA e outras legislações vigentes que asseguram os direitos dessa população.

É importante ter em mente também o poder dos Conselhos Tutelares para executar procedimentos e ações em nome do Estado, oferecendo condições de efetivamente alterar o curso de trajetórias até então marcadas pela violação de direitos. Assim, contribuir para consolidar e qualificar a atuação dessas instâncias deveria ser uma prioridade para cada cidadã ou cidadão brasileiro — em especial, quem defende uma perspectiva de direitos humanos aplicada às políticas públicas, em busca de uma sociedade mais justa, menos desigual, antirracista e que não criminalize a pobreza.

Para ampliar a participação social no processo de escolha dos próximos conselheiros, a sociedade civil está realizando uma série de iniciativas. Com o manifesto “O Movimento Negro em Defesa da Infância e Adolescência – Por Conselhos Tutelares Antirracistas”, a Uneafro, por exemplo, criou uma campanha de incentivo  ao voto em candidaturas que defendam o ECA, combatam a criminalização da pobreza e atuem numa perspectiva antirracista.

Já a campanha “A Eleição do Ano” foi criada pelo NOSSAS e uma coalizão de organizações de direitos humanos para promover o processo de escolha para Conselhos Tutelares. Espécie de match eleitoral, seu objetivo é aproximar o eleitor de candidaturas com as quais se identifica, apoiando a transparência no contexto de um processo eleitoral ainda pouco divulgado na sociedade.

Outro exemplo de iniciativa é o Apoiar e Proteger, realizado em parceria entre diversas entidades, como o Unicef, a Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência Contra Crianças e Adolescentes e o Instituto Alana. A plataforma foi pensada para que a população paulistana conheça mais de perto o processo de escolha para os Conselhos Tutelares, além de trazer informações para candidaturas e orientações para a população. No site, também estão disponíveis informações de outras capitais como Belém, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Luís.

Participar do processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar de seu território buscando escolher candidaturas comprometidas com um projeto democrático e com o melhor interesse de crianças e adolescentes é uma das formas mais simples e efetivas de contribuir com a construção de um presente e um futuro melhor para toda a nossa sociedade. Faça sua parte: vote e divulgue o processo eleitoral.