Insegurança jurídica e o SCR do Banco Central

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O Sistema de Informações de Crédito (SCR) é uma ferramenta criada pelo Banco Central do Brasil (BC) que funciona como uma base de dados, cuja finalidade é supervisionar e monitorar operações de crédito. A função do sistema é informativa, e de forma oposta ao que se entende dos cadastros de restrição ao crédito, tais como SPC e Serasa, o SCR é voltado, exclusivamente, à fiscalização, regulação e acompanhamento do risco bancário.

Regulamentado pela Resolução CMN 5.037/2022, a inclusão de informações é obrigatória para as instituições financeiras, conforme disposto nos artigos 3º e 4º da mencionada resolução, abrangendo qualquer operação de crédito acima de R$ 200. Importante dizer que a existência de tal sistema traz benefício para a sociedade em geral, como bem esclarecido pelo próprio BC: “O benefício imediato do sistema para a sociedade são as informações que facilitam a tomada da decisão de crédito, diminuindo os riscos de concessão e aumentando a competição entre as instituições do Sistema Financeiro Nacional”.

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A regulamentação do Banco Central permite que as instituições financeiras tenham autonomia para enviar informações ao SCR. Contudo, é essencial que haja uma coexistência entre o SCR e o CDC, equilibrando o interesse público de estabilidade financeira com os direitos individuais dos consumidores.

O artigo 43 do CDC, corrobora que bancos de dados e cadastros, como o SCR, devem garantir clareza, precisão e respeito à finalidade legítima das informações armazenadas. Desse modo, no intuito de possibilitar aos consumidores melhor acessibilidade às suas informações o SCR promove a transparência, contribuindo para um equilíbrio saudável entre as exigências regulatórias das instituições financeiras e os direitos dos consumidores à proteção de seus dados e interesses econômicos.                    

Além disso, considerando as alterações do CDC introduzidas pela Lei 14.181/2021, devem as empresas buscar a prevenção do superendividamento dos consumidores, sendo certo que o mencionado sistema – repisa-se: que não possui caráter restritivo ao crédito –, se trata de importante aliado para as instituições financeiras como forma de prevenir e tratar o superendividamento.     

No entanto, embora a obrigatoriedade imposta pelo BC, a interpretação do SCR por alguns tribunais tem sido heterogênea, criando insegurança jurídica para as instituições financeiras que se deparam com o conflito entre a obrigação de fornecer dados ao BC e o risco de sofrer uma condenação no Judiciário ao cumprir com seu dever, dada a nebulosidade do tema.

Analisando julgados recentes, vislumbra-se que alguns tribunais compreendem a obrigatoriedade do fornecimento de informações e a finalidade do SCR, bem como que tal mecanismo não possui caráter restritivo e, portanto, não ocasiona nenhum dano ao consumidor, tampouco de ordem moral. 

Nessa linha de entendimento, a 4ª Turma de Direito Privado 2, no Núcleo de Justiça 4.0, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em sessão realizada em 11/12/2024, ao julgar o recurso de apelação 1001867-52.2024.8.26.0266, reconheceu que a remessa de informações ao SCR, por si só, não representa ofensa aos direitos da personalidade do consumidor:

De fato, o Sistema de Informação de Crédito do BC diz respeito a um banco de dados para registro e consulta sobre as operações de crédito, financiamento e garantias, concedidos às pessoas físicas e jurídicas. A medida adotada pelo BC tem o propósito de evitar o superendividamento do consumidor e proteger o sistema financeiro. Não tem caráter de restrição de crédito como os cadastros de negativação (SPC, SERASA, entre outros).

De modo semelhante, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), ao julgar o recurso de apelação 0824364-05.2022.8.19.0203 em 22/11/2024, concluiu pela ausência de dano moral, na medida em que reconheceu que:

Além de dever do banco em alimentar o SCR, trata-se de exercício regular do direito da instituição financeira fomentar o SCR, com a finalidade de minorar os riscos da tomada de crédito.

As decisões mencionadas somente evidenciam que, quando bem compreendido, não há dúvidas de que o SCR é apenas um instrumento de registro gerido pelo BC, e o fornecimento de dados pelas instituições financeiras, se dá em estrito cumprimento ao dever informar a formalização de operação de crédito perante o órgão regulamentador, não se tratando de cadastro restritivo.

Contudo, o cenário se mostra instável, inclusive em razão de entendimento do  Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos REsps 1.099.527/MG e 1.365.284/SC, ao interpretar o SCR como um cadastro restritivo, resultando em condenação das instituições financias ao pagamento de dano moral. 

A título exemplificativo, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT), ao julgar, em 27/01/2023, o recurso de apelação 1031116-66.2021.8.11.0041, em caso envolvendo a manutenção de informações de uma operação de crédito no SCR, culminou na condenação de uma instituição financeira ao pagamento de indenização por dano moral, por entender que:

O SCR possui natureza de cadastro restritivo de crédito e, como tal, a inclusão e/ou manutenção indevida do consumidor é passível de gerar dano moral.

É fácil a conclusão de que a divergência nas decisões judiciais sobre o SCR, inclusive entre turmas e câmaras do mesmo tribunal, além de desestimular a concessão de crédito, expõe as instituições financeiras à insegurança jurídica.

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O cenário atual dos julgados sobre o tema evidencia a importância de uma uniformidade interpretativa acerca do sistema, em observância ao quanto disposto na legislação processual civil (artigo 926, CPC), inclusive para que haja segurança jurídica e tratamento isonômico para casos análogos, de forma que as instituições financeiras possam cumprir suas obrigações regulatórias impostas pelo BC sem o temor de sanções indevidas e condenações expressivas decorrentes da equivocada compreensão do que se trata o SCR.

Soluções como a promoção de programas de capacitação, em parceria com o BC, podem contribuir para uma correta interpretação do sistema pelo Poder Judiciário, como forma de assegurar o desenvolvimento do crédito no Brasil, promover à prevenção e tratamento do superendividamento, além de garantir segurança jurídica.