Inovação logística transforma realidade do e-commerce nas favelas brasileiras

  • Categoria do post:JOTA

Se as favelas e comunidades urbanas brasileiras fossem um país, ele seria quase do tamanho de duas Suíças. São 16,3 milhões de pessoas em 656 municípios, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar da alta população, a “exclusão por CEP” deixa cerca de um terço dos compradores online dessas regiões fora do radar das entregas de produtos do e-commerce e do acesso a determinados direitos e serviços.

Mesmo com os desafios, os moradores dessas regiões movimentam R$ 300 bilhões por ano — quase 3% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, de acordo com o Data Favela. O número impressiona, mas poderia ser maior. A ausência de CEP na maior parte dos locais é um entrave logístico que reprime parte da demanda, além de limitar o acesso da população a serviços como benefícios governamentais e comprovante de residência — documento obrigatório para pedidos de cartão de crédito, abertura de conta bancária, crediários e processos seletivos, por exemplo.

Thales Athayde, CEO da FavelaLlog, afirma que o CEP é um dos maiores impeditivos para a utilização de serviços como o e-commerce em favelas e comunidades urbanas de todo o país. “Essas dificuldades fazem as pessoas solicitar que as entregas sejam feitas no trabalho, na casa de familiares ou até mesmo em algum ponto comercial da favela”, explica.

Atender prontamente a esse público diminui essa desigualdade social, podendo elevar os dados do e-commerce, que movimentou cerca de R$ 200 bilhões no último ano e representa apenas 11% do varejo nacional.

Parceria para a inclusão

De olho no potencial econômico e na necessidade de inclusão das comunidades, diversos projetos visam ampliar o acesso logístico das favelas brasileiras. Para Valter Gomes, gerente de Tecnologias Sociais na Gerando Falcões, há um movimento crescente para implementar o CEP digital, por exemplo, com empresas privadas e o setor público se mobilizando para buscar soluções.

O governo federal tem discutido soluções para endereçamento em áreas precárias, como o “CEP para Todos”, mas é em parcerias com a iniciativa privada que projetos de inclusão logística crescem nas comunidades.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

A FavelaLlog, por exemplo, foi fundada em 2016 com o objetivo de criar hubs logísticos dentro das favelas. Nesses centros de distribuição, pessoas da própria comunidade fazem as entregas, facilitando o processo e garantindo que as encomendas de fato cheguem ao destino. Lojas online como a Amazon Brasil atuam como empresas parceiras, enviando os pacotes  para estações de entrega dentro das favelas para acelerar a etapa logística final até chegar ao consumidor. 

O objetivo é garantir que as pessoas que compram produtos na loja recebam seus pacotes com a mesma rapidez que moradores de quaisquer outros bairros de centros metropolitanos. Desde 2022, a Amazon Brasil opera com a Central Única das Favelas (CUFA) no projeto da FavelaLlog. Com 13 polos logísticos, gerando centenas de trabalhos diretos e indiretos no Rio de Janeiro e São Paulo, essas unidades permitem entregas rápidas em um ou dois dias, como ocorre em Heliópolis e Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, e Brasilândia, na zona norte.

“Antes, moradores de favelas ao lado de bairros nobres esperavam até 5 dias por uma entrega, enquanto os vizinhos recebiam no mesmo dia. Agora, eles têm o mesmo acesso, com a mesma velocidade e preço. Isso é equiparar a experiência. É inédito no nosso mercado”, apontou Rafael Caldas, líder da Amazon Logística no Brasil, em evento na Casa JOTA no dia 29 de janeiro.

Letycia Ferreira, 25 anos, confirma essa mudança. Há pouco mais de um ano, ela recebe as encomendas com conforto e praticidade em, no máximo, três dias, mas antes era preciso se deslocar até uma unidade dos Correios. “Eu evitava fazer compras online porque as entregas não eram feitas na minha casa. Normalmente, só conseguia alterar a minha rotina para buscar pessoalmente o meu pedido 15 dias depois da chegada dele a uma unidade de entrega”, relatou ela, que mora no bairro Vista Alegre, região de Brasilândia. 

Os impactos de direcionamento de entrega e da agilidade refletem em toda a família, como disse Letycia. “Os problemas de entrega eram comuns onde moro. Agora, sem essas dificuldades, consigo adquirir tudo que preciso, principalmente itens infantis para minha filha de 5 anos – como fraldas na promoção, roupas e brinquedos.”

Essas iniciativas não apenas impulsionam o desenvolvimento econômico local, mas também se alinham com políticas públicas de inclusão social. Ao criar um ciclo virtuoso de geração de empregos, aumento do poder aquisitivo e fortalecimento do comércio local, esses programas demonstram como parcerias público-privadas podem ser efetivas na redução de desigualdades sociais.

O CEO da FavelaLlog, Athayde, aponta a capacidade de gerar milhares de empregos. “A conveniência de receber em casa rapidamente impulsiona o consumo, oferecendo mais opções de produtos e acesso a melhores preços. Por último, fortalece o empreendedorismo local, uma vez que as portas do e-commerce se abrem para que comerciantes locais vendam para todo o Brasil.”

“O diferencial da FavelaLlog é que nossos colaboradores são moradores das regiões onde temos centros de distribuição. O fato de eles já conhecerem a área, facilita ainda mais as entregas”, concluiu.

A logtech Favela Brasil Xpress é outra que identificou o problema nas entregas residenciais ainda na pandemia de Covid-19. No site da empresa, consta o ideal de “conectar empresas e consumidores […] por meio de uma logística inclusiva, eficiente e confiável”. Isso significa usar o serviço como uma ferramenta para inclusão econômica e social.

Em parceria com a startup naPorta, a Gerando Falcões também tem se dedicado para facilitar as entregas em favelas, com agências próprias e a criação de endereços digitais das favelas brasileiras com ajuda do Google Maps.

Gomes, da Gerando Falcões, complementa essa análise ao afirmar que a união entre setor privado, público e terceiro setor é essencial para criar soluções que integrem essas comunidades ao mundo digital. “Esse pensamento está alinhado ao conceito do Favela 3D [um dos projetos da ONG], que significa Digna, Desenvolvida e Digital. O digital tem um papel fundamental na inclusão social e econômica dessas famílias”, conclui.

Os exemplos mostram que a expansão do acesso ao e-commerce nas favelas representa mais que uma oportunidade de negócios: é um importante mecanismo de inclusão social e desenvolvimento econômico local. Ao combinar tecnologia, logística inteligente e conhecimento local, empresas como a Amazon demonstram como a inovação pode ser uma ferramenta efetiva de transformação social, contribuindo para a construção de uma sociedade mais equitativa e economicamente dinâmica.