Acordos nas ações de controle concentrado de constitucionalidade

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O Supremo Tribunal Federal tem inovado[1] na forma de resolução de questões jurídicas de sua competência, permitindo que, ao lado de decisões adjudicadas, sejam implementadas soluções consensuais de conflitos.

Relevantes casos têm sido submetidos à autocomposição, a justificar a criação de uma estrutura especializada no STF para realizar ou apoiar as tentativas de acordo. Atualmente, o Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL/STF) atua com técnicas como conciliação, mediação e cooperação judiciária, auxiliando os gabinetes dos ministros no tratamento adequado das controvérsias.

Porém, esse é um campo ainda desconhecido, que enseja dúvidas[2][3] e críticas no ambiente acadêmico, especialmente no tocante à possibilidade de acordo em ações de controle concentrado de constitucionalidade.

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Analisando o painel do NUSOL[4] disponibilizado no portal do STF, é possível verificar que as tentativas de soluções consensuais têm ocorrido nas mais diversas classes processuais, seja de natureza originária ou recursal.

No entanto, são as ações de controle concentrado de constitucionalidade que geram maiores questionamentos, pois visam preservar a ordem jurídica e constitucional por meio da análise abstrata de constitucionalidade das normas. Daí surge a pergunta: a constitucionalidade seria um valor disponível? [5]

Para melhor compreender o conteúdo dos acordos envolvendo essas ações, revela-se importante examinar os já homologados, permitindo avaliar a extensão de seus efeitos. Para fins deste ensaio, será feita uma abordagem metodológica descritiva dos casos até o momento identificados.

Existem 11 acordos em ações de controle concentrado de constitucionalidade, que serão a seguir resumidos, pela ordem cronológica de homologação, com foco apenas em suas consequências processuais:

1) ADPF 165

Relator: Min. Ricardo Lewandowski/Cristiano Zanin

Acordo: representantes dos poupadores e instituições financeiras ajustaram encerrar as disputas judiciais relacionadas aos expurgos inflacionários dos planos Bresser (1987), Verão (1989) e Collor II (1991). O acordo estabeleceu critérios para a compensação dos poupadores que tiveram perdas em seus saldos de poupança devido às mudanças nos índices de correção monetária aplicados na época.

Homologação: referendo do plenário.

Data da homologação: 15/02/2018.

Situação atual: ainda não se discutiu o mérito da ADPF.

2) ADPF 568

Relator: Min. Alexandre de Moraes

Acordo: realizado pelos autores da ADPF 568 (Procuradora-Geral da República) e RCL 33.667 (Presidente da Câmara dos Deputados) com a União (representada pelo Advogado-Geral da União), e com a interveniência do Presidente do Senado Federal e do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, respeitando integralmente os preceitos fundamentais e afastando as nulidades existentes no “Acordo de Assunção de Compromissos”, para a destinação do valor depositado pela Petrobras.

Homologação: decisão monocrática.

Datas da homologação: 17/09/2019 (acordo) e 22/03/2020 (ajuste).

Situação atual: a decisão extinguiu o processo, com resolução de mérito, mas o feito prosseguiu para o acompanhamento do cumprimento do acordo.

3) ADO 25 (Lei Kandir)

Relator: Min. Gilmar Mendes

Acordo: firmado entre a União e todos os Entes Estaduais para cumprimento de decisão do STF, com definição dos valores a serem pagos pela União. Também previu a apresentação de proposta de emenda constitucional (PEC 188/2019) e projetos de lei complementar, que visam regulamentar as transferências de recursos, cuja não aprovação levaria à resolução do acordo, com exceção de algumas cláusulas específicas.

Homologação: referendo do plenário.

Data de homologação: 20/05/2020.

Situação atual: a constitucionalidade foi decidida antes do acordo, pelo que foi fixado o prazo de 12 meses para que fosse sanada a omissão legislativa declarada inconstitucional, sob pena de transferência da referida competência, provisoriamente, ao Tribunal de Contas da União. Para definição dos critérios, foi firmado o acordo.

4) ADPF 829

Relator: Min. Ricardo Lewandowski

Acordo: estabeleceu a possibilidade de o Estado do Rio Grande do Sul priorizar a vacinação dos profissionais da educação contra a Covid-19, levando em consideração as especificidades locais.

Homologação: decisão monocrática.

Data da homologação: 31/05/2021.

Situação atual: processo extinto, com resolução de mérito, pois seu objeto foi esgotado.

5) ADI 7191

Relator: Min. Gilmar Mendes

Acordo: teve como objetivo o aperfeiçoamento legislativo das Leis Complementares 192/2022 e 194/2022, com encaminhamento ao Congresso Nacional para as devidas providências.

Homologação: pelo plenário.

Data de homologação do acordo: 02/06/2023.

Situação atual: O plenário homologou o acordo e, com o seu cumprimento (aperfeiçoamento legislativo), o processo foi arquivado.

6) ADPF 984

Relator: Min. Gilmar Mendes

Acordo: entre a União, os Estados e o Distrito Federal para compensar R$ 27 bilhões em perdas de arrecadação do ICMS sobre combustíveis, decorrentes da LC 194/2022.

Homologação: pelo plenário.

Data de homologação: 02/06/2023.

Situação atual: O plenário homologou o acordo e, com o seu cumprimento (aperfeiçoamento legislativo), o processo foi arquivado.

7) ADI 7433

Relator: Min. Cristiano Zanin

Acordo: teve como objetivo viabilizar o prosseguimento do concurso público para os quadros da Polícia Militar do Distrito Federal sem as restrições de gênero previstas no edital original.

Homologação: referendo do plenário.

Data de homologação: 26/10/2023.

Situação atual: após o acordo, o plenário analisou a constitucionalidade da lei.

8) ADI 7486

Relator: Min. Dias Toffoli

Acordo: teve como objetivo viabilizar o prosseguimento dos concursos públicos para os quadros da Polícia Militar do Pará sem a limitação de gênero prevista nos editais originais. O acordo estabeleceu que, até que nova legislação seja criada ou o mérito da ação seja julgado, os termos do acordo vinculariam os futuros concursos da PM do Pará.

Homologação: referendo do plenário.

Data de homologação: 23/11/2023.

Situação atual: após o acordo, o plenário analisou a constitucionalidade da lei.

9) ADI 7483

Relator: Min. Cristiano Zanin

Acordo: teve como objetivo viabilizar o prosseguimento do concurso público para os quadros da Polícia Militar do Rio de Janeiro sem as restrições de gênero previstas no edital original. O acordo também estabeleceu que, até que uma nova lei seja criada ou que o mérito da ação seja julgado, os termos do acordo deveriam ser aplicados aos futuros editais de concurso da PMERJ.

Homologação: referendo do plenário.

Data de homologação: 27/11/2023.

Situação atual: após o acordo, o plenário analisou a constitucionalidade da lei.

10) ADI 7487

Relator: Min. Cristiano Zanin

Acordo: teve como objetivo viabilizar o prosseguimento dos concursos públicos para os quadros da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar de Mato Grosso sem as restrições de gênero previstas nos editais originais. O acordo também estabeleceu que os percentuais fixados nas leis questionadas seriam considerados como percentuais mínimos, assegurando às candidatas o direito de concorrer à totalidade das vagas.

Homologação: referendo do plenário.

Data de homologação: 20/02/2024.

Situação atual: após o acordo, o plenário analisou a constitucionalidade da lei.

11) ADI 7580

Relator: Min. Gilmar Mendes

Acordo: as partes reconhecem a legalidade da Assembleia Geral Extraordinária e a Assembleia Geral Eleitoral que elegeram Ednaldo Rodrigues para a presidência da CBF.

Homologação: decisão monocrática.

Data da homologação: 21/02/2025.

Situação atual: processo prossegue para análise da constitucionalidade da lei.

Os casos apreciados indicam que os acordos firmados nas ações de controle concentrado de constitucionalidade tiveram por objeto apenas efeitos concretos gerados pela aplicação da norma impugnada. Em nenhuma hipótese houve acordo sobre a constitucionalidade da lei, ou seja, o objeto dessas ações.

Pode-se concluir que:

  • É possível acordos em controle concentrado de constitucionalidade.
  • Os acordos não têm por objeto a constitucionalidade da lei ou a sua interpretação, cuja competência é do STF, responsável pela sua guarda e tutela.
  • O acordo pode envolver, além de questões disponíveis, o compromisso de aperfeiçoamento legislativo.
  • O acordo pode conter convenções processuais.
  • Alguns acordos são homologados monocraticamente e outros com referendo da corte.
  • Alguns acordos ensejaram a extinção do feito, com resolução de mérito ou o seu arquivamento (quando esgotado o objeto do processo) e outros prosseguiram para a análise da constitucionalidade da norma impugnada.

Uma observação sobre a forma de decisão homologatória: o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal não regulamenta a homologação de acordo e atualmente fica a critério do relator homologar monocraticamente ou submeter a referendo do plenário. Porém, verifica-se dos casos acima analisados que se adota, como regra, a submissão dos acordos ao plenário para homologação ou referendo.

Já os que foram homologados monocraticamente tinham por objeto questões fáticas que acabaram esvaziando o próprio conteúdo das demandas (ADPF 568 e ADPF 829) ou tiveram a compreensão de que a sua repercussão prática, embora decorrente de decisão cautelar, não integrava diretamente o objeto da ação (ADI 7580).

No tocante ao limite dos acordos, o STF vem seguindo exatamente a linha do PL 3640/2023, que prevê que nas ações de controle concentrado de constitucionalidade os acordos não poderão dispor sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ato objeto da ação (art. 56, II).

Fora isso, existem muitas possibilidades de autocomposição nas ações de controle concentrado de constitucionalidade, como: estabelecer um regime de transição para eventual decisão de inconstitucionalidade; assegurar solução negociada para hipóteses que demandam conhecimento científico e tecnológico; versar sobre como será implementada a decisão do STF; acordo entre Executivo e Legislativo para a correção do vício demandar iniciativa privativa dos referidos Poderes; acordo sobre conhecimento científico ou tecnológico não consolidado para assegurar pronunciamento de decisão definitiva (art. 55 e parágrafos) e convenções processuais (art. 56).

Portanto, o STF não negocia sobre constitucionalidade das leis. Esse ainda parece ser um limite intransponível.


[1] CABRAL, Trícia Navarro Xavier; CASIMIRO, Matheus; Edokawa, Pâmella Sada Dias. Inovações no STF: um Tribunal Multiportas. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/inovacoes-no-stf-um-tribunal-multiportas-20122023. Acesso em 8 mar. 2025.

[2] Godoy, Miguel Gualano de. A nova fronteira do STF: conciliação e mediação. Disponível em: A nova fronteira do STF: conciliação e mediação. Acesso em: 8 mar. 2025.

[3] NETO, Celso de Barros Correia. Acordos na jurisdição constitucional: um caminho para casos difíceis. Disponível em: Acordos na jurisdição constitucional. Acesso em: 8 mar. 2025.

[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL). Disponível em: Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br). Acesso em: 30 mar. 2024.

[5] VALE, André Rufino. Audiências de conciliação no STF. Disponível em: Audiências de conciliação no STF. Acesso em:8 mar. 2025.