A denúncia contra Bolsonaro e a estratégia do PGR, Paulo Gonet

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A denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus assessores é um documento que transcende a mera formalização de acusações. Mais do que consolidar provas e organizar fatos já públicos, Gonet fez um esforço explícito para blindar a acusação de qualquer interpretação política, tentando enquadrar os eventos de forma estritamente jurídica.

Nas páginas iniciais da peça, o procurador-geral marca um limite claro entre a esfera política e a jurídica. Ele enfatiza que a denúncia não deve ser vista como parte de uma disputa política, mas sim como uma análise objetiva das condutas praticadas e de sua conformidade (ou não) com a legislação brasileira. Essa escolha de abordagem não é trivial: em um ambiente polarizado, qualquer fragilidade nesse aspecto poderia alimentar a narrativa de perseguição política e fragilizar a legitimidade da acusação.

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O desafio maior de Gonet, no entanto, foi dar contornos jurídicos de tentativa de golpe a um conjunto de atos que não se encaixa no modelo clássico de ruptura institucional. Não houve tanques nas ruas, nem a tomada formal de instituições, como em golpes tradicionais da história. O que a denúncia busca demonstrar é que havia uma estratégia organizada para deslegitimar as instituições democráticas e criar o ambiente propício para uma tentativa de permanência de Bolsonaro no poder. Nesse contexto, os eventos de 8 de janeiro aparecem como o ponto culminante de um movimento mais amplo, que envolvia assessores, militares e o próprio presidente na construção de um cenário de instabilidade institucional.

A delação de Mauro Cid, assessor próximo de Bolsonaro, ocupa um papel central na denúncia, mas Gonet adota uma estratégia meticulosa para evitar que a acusação pareça depender exclusivamente do relato do delator. Sempre que menciona informações trazidas por Cid, o procurador-geral as corrobora com outros depoimentos, registros de reuniões e documentos que sustentam a narrativa acusatória. A inclusão dos depoimentos dos ex-comandantes da Aeronáutica e do Exército reforça um dos pontos centrais da denúncia: Bolsonaro teria apresentado a eles uma minuta de golpe e solicitado apoio para a ruptura institucional. A negativa dos militares, segundo a acusação, levou à segunda fase do plano — a tentativa de minar a credibilidade desses comandantes e ampliar o descrédito sobre as Forças Armadas.

Diante desse cenário, a denúncia tem destino certo: será recebida pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, onde a composição majoritária não deve oferecer dificuldades para seu avanço. À defesa do ex-presidente restará a tentativa de contestar os argumentos jurídicos da Procuradoria-Geral da República, mas convencer o tribunal de que tudo o que foi investigado pela Polícia Federal nos últimos anos e agora formalizado pela PGR é uma construção sem base fática parece um desafio intransponível.

O destino de Bolsonaro, portanto, parece selado pela caneta de Paulo Gonet e pelo julgamento do STF. A denúncia não apenas formaliza o indiciamento do ex-presidente, mas constrói um caso robusto para enquadrá-lo na tentativa de subversão democrática. Ao tirar o debate da arena política e ancorá-lo no campo probatório e jurídico, Gonet pavimentou o caminho para que a responsabilização de Bolsonaro seja tratada nos tribunais — e não apenas no debate público.